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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Muita gente se animou com os recordes recentes da bolsa brasileira, que estaria antecipando uma recuperação forte da economia a partir do ano que vem. Os sinais da economia real são de fato positivos. Mas eles ainda não mostram um crescimento forte e há alguns sinais de que é bom ficar com o pé atrás quando falam em uma retomada vigorosa.

Os economistas mais otimistas argumentam que a inflação baixa está levando a uma recuperação do poder de compra do consumidor. De fato, a inflação neste ano será de pouco menos de 3%. Em momentos de preços sob controle, a tendência é de maior facilidade nas negociações salariais e de menor corrosão do poder de compra, o que se reflete em consumo maior.

Outro argumento na linha otimista é o de que o mercado de trabalho já teria atravessado seu pior momento. De fato, há seis meses há criação líquida de vagas. Ao mesmo tempo, o desemprego medido pelo IBGE está em queda. Embora a maior parte dessa retração no desemprego ainda se concentre em vagas informais, é um sinal de que mais gente está encontrando uma fonte de renda, o que certamente vai desembocar em mais consumo.

O terceiro ponto que ajuda na construção da tese de que, se houver surpresa no ano que vem, será positiva, é que a economia global está crescendo mais. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê uma expansão global de 3,7% no ano que vem e nota que o crescimento está mais disseminado. Esse fator tende a manter a recuperação das exportações brasileiras e sustentar uma balança comercial muito positiva para o Brasil – o que, em última instância manteria o câmbio sob controle e reforçaria o controle da inflação. Neste ano, até setembro, o superávit ultrapassou US$ 53 bilhões.

Há algumas razões, no entanto, para que sejamos céticos com relação à tese da retomada vigorosa. Essa narrativa está longe de ser consenso e há três fatores que podemos ver hoje como parte de uma versão alternativa, de reação lenta e sofrida da economia brasileira:

1) Juros e Dólar

Por alguma razão os mercados cambial e de juros não estão refletindo uma visão de sucesso absoluto da recuperação brasileira. A cotação do dólar subiu ao maior nível em quatro meses, sendo vendido a R$ 3,28. E o mercado futuro de juros não tem refletido a queda na taxa básica colocada em prática pelo Banco Central.

Segundo o Relatório Focus do Banco Central, que pesquisa a expectativa entre agentes de mercado, a previsão é de que a Selic termine o ano que vem em torno de 7% ao ano. Mas o mercado não entende que esse é um nível sustentável. A taxa implícita em títulos do Tesouro que vencem em 2020 é de 8,5%. Há um custo de um ponto percentual e meio que se deve à desconfiança de que o Brasil não vai corrigir completamente a deterioração fiscal.

O comportamento atual do câmbio também revela em parte essa desconfiança. As contas externas brasileiras estão positivas, com mais dólares entrando do que saindo. Mas a cotação reflete hoje a sensação de que não haverá reformas importantes antes de 2019, com um risco eleitoral ainda bem difícil de calcular.

2) Contas públicas

A desconfiança em relação às reformas tem relação com a expectativa sobre a trajetória das contas públicas e, por tabela, das reformas. O governo deve entregar sua versão final do orçamento de 2018 nos próximos dias e espera-se que manterá um déficit de R$ 159 bilhões. É o terceiro ano seguido em que o déficit primário, antes do pagamento de juros, passa de R$ 100 bilhões. Além disso, o projeto deve repetir a novela dos últimos anos: o governo vai prever receitas que ainda são duvidosas e provavelmente vai ter de fazer contingenciamento no início do ano.

Esse ciclo de déficits e orçamentos cercados de dúvidas traz insegurança sobre a capacidade do governo de inverter a curva de seu endividamento – algo que só é possível com reformas profundas, como a previdenciária, cada vez mais difíceis de passarem no Congresso. A dívida bruta total da União saltou de pouco mais de 50% do PIB em 2014 para mais de 70% do PIB neste ano. Deve se aproximar de 100% do PIB em 2024. Especialistas ainda têm dúvidas se ela realmente vai começar a cair após esse ponto. Esta é de longe a maior dívida entre os países emergentes e tem como efeito a manutenção de uma taxa real de juros mais alta e uma desconfiança maior sobre a capacidade do país de cumprir sua meta de inflação.

3) Investimentos

A combinação de mercados desconfiados e contas públicas em desordem vai continuar influenciando o investimento no país. Isso acontece em duas pontas. A primeira é a do investimento público, que vai continuar baixo por alguns anos, até as contas públicas entrarem em ordem. A segunda é pela taxa de juros, que pode não se manter em um nível baixo por muito tempo.

É verdade que há dinheiro barato no exterior, principalmente para investimentos em novas concessões e privatizações que o governo pretende fazer nos próximos anos. Mas esse processo pode não ser veloz o suficiente para fazer diferença já em 2018 ou 2019. Assim, esse componente importante do PIB pode continuar deprimido por mais tempo do que o imaginado. Depender apenas do consumo pode fazer com que o país cresça devagar por muito tempo.

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