A ânsia de salvar seu pescoço na votação da segunda denúncia levada ao Congresso fez o presidente Michel Temer ceder a um pleito do agronegócio para mudar as regras de fiscalização do trabalho análogo à escravidão. Temer entrou em um tema espinhoso, com poucas justificativas para suas mudanças e assumindo o risco de levantar dúvidas sobre outras reformas necessárias no Brasil.
Certamente pegar mais leve com o trabalho escravo não está na agenda de prioridades do país. Nada justifica condições de trabalho degradante em um país que se gaba de ser um dos celeiros do mundo e é natural que a reação forte contra a portaria que muda o conceito de trabalho escravo e a aplicação da lei. Pela portaria publicada no início da semana, só se pode enquadrar nessa categoria o trabalhador mantido assim pela força. Se não houver armas, o resto não importa.
Temer fez seu cálculo político, porém. Na primeira votação, quando levou adiante uma renegociação de dívidas rurais e comprou briga com ambientalistas no debate sobre mudanças em áreas de proteção ambiental, o presidente beijou a mão da bancada ruralista. Agora, faz o mesmo ritual.
Há grandes chances de a portaria, que sofre oposição mesmo dentro do Ministério do Trabalho, seja revogada. Ou que seus efeitos práticos não sejam os esperados, gerando um amplo debate jurídico. Mas sua publicação traz duas questões que podem ser analisadas. A primeira, é o risco de contaminar outras reformas com uma mudança feita por canetada e sem debate.
No dia 11 de novembro, por exemplo, entra em vigor a reforma trabalhista. A nova lei não foi aprovada com o mesmo espírito da portaria do trabalho escravo. A reforma parte do princípio de que patrões e empregados têm condições de negociar mais, sem a necessidade de tutela do Estado. A maior liberdade no mercado pode, no longo prazo, levar a custos econômicos menores com ganho para as duas partes.
Em outras frentes, o governo Temer ainda tem esperança de aprovar alguma reforma da Previdência e tem projetos de modernização em setores como bancos e impostos. Contaminar essas discussões com uma norma anacrônica para dar conta de uma negociação com os ruralistas era um risco totalmente desnecessário.
A segunda questão que a portaria nos faz lembrar é que existem limites irrevogáveis dentro de uma sociedade e é grave quando há a tentação de transpô-los. Se a reforma trabalhista parte do princípio de que patrões e empregados são adultos que não precisam de tutela, também precisamos levar em conta que ainda há no Brasil situações em que isso não é verdade e elas são cobertas pelas regras que combatem o trabalho análogo à escravidão. Nesses casos, uma das partes não é realmente livre e necessita de proteção.
Assim, os conceitos que regem essa proteção e como eles são aplicados interessam a toda a sociedade e não apenas a um ramo de atividade econômica – particularmente o que mais tem irregularidades. Mudanças assim, sem debate, não são saudáveis no jogo democrático.
O Brasil ainda tem um longo caminho para se tornar uma nação de economia moderna e o governo Temer assumiu o compromisso de fazer reformas importantes nesse rumo. Várias de suas ações, no entanto, ainda estão olhando para trás. Fica difícil identificar qual dos lados é de coração e qual representa puro pragmatismo.
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