Está tramitando no Congresso Nacional uma medida que pode custar em torno de R$ 1,5 bilhão e é questionada por especialistas: a instalação de bloqueadores de celulares nos presídios de todo o país. O projeto foi incluído na pauta de matérias urgentes para a segurança pública, aprovado pelo Senado e agora aguarda aval da Câmara. Mas especialistas questionam se a instalação dos bloqueadores trará resultados efetivos ou se há outras prioridades na área, que poderiam ser feitas com muito menos recursos e resultados mais duradouros. O gasto daria pouco mais de R$ 2 mil para cada um dos cerca de 720 mil presos do país, suficiente para comprar um iPhone 6 para cada um.
A entrada de celulares nas cadeiras é um problema grave. Com acesso a celulares, não apenas os pequenos crimes e golpes são praticados de dentro dos presídios, como também se torna possível que as lideranças de facções criminosas deem comandos para fora dos presídios. Mas o problema não é o sinal do celular funcionar na região do presídio, e sim o presidiário ter em mãos um aparelho celular, argumentam os especialistas.
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Para o presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (Sindipol/DF), Flávio Werneck, a instalação de bloqueadores em todas as unidades prisionais do país, como querem os parlamentares, é uma medida cara, apenas paliativa e que tem efeitos colaterais negativos, como deixar a vizinhança dos presídios sem sinal de celular.
“As pessoas estão buscando soluções mágicas para um problema que não se resolve com mágica ou imediatismo. A segurança tem de ser tratada como é a saúde, com planejamento de longo prazo, de médio prazo, e um agora de contenção, emergencial. Quando vêm as crises, aparecem soluções mágicas. Nosso sistema é arcaico, falido, burucrócatico e cheio de excessos”, avalia Flávio Werneck.
Pelo projeto de lei que aguarda análise na Câmara, os bloqueadores terão de ser instalados em até 180 dias após a publicação, com recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), criado para destinar recursos à gestão do sistema prisional, financiar atividades de manutenção e aperfeiçoamento do serviço.
Sobra dinheiro e faltam projetos
O fundo não consegue gastar todo o recurso de que dispõe. No ano passado, o Funpen recebeu R$ 1,3 bilhões, de um total previsto de R$ 1,7 bilhão. No ano anterior, apenas a metade do recurso previsto (R$ 2,6 bilhões) foi gasta. Isso porque para receber os recursos, os estados têm de apresentar projetos e faltam iniciativas competentes para receber os recursos.
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A escolha de utilizar o dinheiro do Funpen para pagar os bloqueadores também é um ponto controverso. No ano passado, uma proposta parecida foi aprovada pela Câmara, mas travou no Senado. O projeto também determinava a instalação de bloqueadores de celular nos presídios, mas que seriam pagos pelas empresas de telefonia celular – e com previsão de multas de até R$ 1 milhão para cada estabelecimento penal que a operadora deixasse de instalar o equipamento.
Revista rigorosa
O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Brasília (SINDPEN-DF), Leandro Allan Vieira, avalia ser válida a instalação dos bloqueadores de sinal nos presídios, mas reforça que apenas isso não será crucial para combater a criminalidade. Para o representante dos agentes penitenciários, é preciso investir em políticas de segurança pública e em formas de ocupar o presidiário.
“O preso tem de trabalhar. Poderíamos ter colônias agrícolas para o preso produzir alimentação para escolas, creches e asilos. Hoje a sociedade só paga para custear o preso e não tem retorno. Temos mão de obra ociosa dentro dos presídios e a sociedade que paga por isso. Às vezes parece que tem mais interesse em licitar os serviços do que em colocar essa mão de obra para produzir”, afirmou Vieira.
O representante dos agentes da Polícia Federal avalia que a redução da comunicação dos presidiários com o mundo exterior seria importante para reduzir a criminalidade. Porém, para que isso ocorra, Werneck defende a definição de procedimentos claros, treinamento dos agentes nos presídios e investimento em equipamentos que ajudem a evitar a entrada não apenas de celulares, mas também de drogas e armas nos presídios.
“Temos de reforçar a vigilância de perímetro dos presídios e também fazer a devida contenção (da entrada de celulares, armas e drogas) por meio de scanners, uso de parlatórios, e redução desse número absurdo de visitas que temos. Temos visita íntima, visita da família, saidões, visitas amplas e irrestritas de advogados. Tem de existir uma padronização de situações, que têm que ser repetidas e treinadas. Precisamos de um protocolo para todos os presídios e sem exceções”, avalia Werneck.
O investimento para construir parlatórios (cabines para encontro entre presidiários e seus visitantes, sem contato físico e com o uso de equipamentos de áudio), scanners corporais e fornecer treinamento aos agentes é mais baixo do que a aquisição dos bloqueadores, que chegará a R$ 1,5 bilhão na estimativa divulgada pelo Sindipol-DF. Já para a criação de procedimentos claros sobre a entrada nos presídios, Werneck avalia que bastaria que o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) definisse e publicasse esse regramento.
Por outro lado, fazer mudanças nas regras de visitas e saídas demandaria alterações em leis ou decretos e há limitações, pois reduções de benefícios dos presos podem ser questionadas na Justiça.
“O Estado deve investir em tecnologia para evitar que eventuais aparelhos telefônicos que ingressem no sistema prisional não tenham sinal, mas não pode suprimir direitos e garantias do cidadão dizendo que haveria uma maior possibilidade de ingresso de aparelhos no presídio”, afirmou o advogado criminalista Luís Henrique Machado.
“Tem de conciliar o direito da sociedade com o direito de quem está cumprindo pena. E o direito da sociedade está garantido com investimento em bloqueadores, scanners. Tem de garantir o direito de quem está preso, que está apenas cumprindo uma pena com o Estado. A pessoa que cumpre pena não pode ser tratada de forma hostil. Deve ser respeitado o direito do cidadão, inclusive de contato. É também o direito de tocar o familiar”, afirmou o advogado.