O Senado Federal aprovou há uma semana a criação da polícia penal, para transformar os agentes penitenciários em policiais e equiparar benefícios. O papel da nova polícia seria zelar “pela segurança dos estabelecimentos penais e a escolta de presos”, ficando subordinada aos governos estaduais. A questão é: a mudança do status dos agentes para policiais vai melhorar a segurança pública no país?
A resposta é “não”, na visão do presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Cristiano Avila Maronna. Para o especialista, a novidade vai apenas trazer aumento de gastos públicos com a complementação do salário dos agentes, o que pode piorar as medidas de prevenção e combate ao crime.
“Isso só vai tornar as coisas mais difíceis. Os recursos destinados à segurança pública, que são escassos, vão se tornar ainda mais escassos. Isso vai tirar recursos de outros setores. O objetivo dessa PEC é equiparar os guardas penitenciários aos policiais. A meu ver não faz sentido”, avalia.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 14 foi aprovada no Senado em dois turnos e segue agora para a Câmara. Entre os argumentos favoráveis, entidades de classe e sindicatos mencionam que a alta periculosidade ao qual os agentes são expostos leva a crescentes índices de doenças mentais.
Os defensores do projeto também afirmam que a criação da Polícia Penal libera policiais civis e militares do trabalho de custódia e escolta de presos, permitindo que esses agentes atuem na sua função direta, de coibir a criminalidade. Outro benefício seria dar agilidade e reduzir a burocracia em casos de crimes dentro de presídios, permitindo que o policial penal possa investigar o incidente.
Tais argumentos não se sustentam, na visão de Maronna. A mudança do status do agente não irá alterar a lógica da atual política criminal do país e a situação dentro dos presídios, que atualmente são similares a grandes empresas, que têm como sócios a criminalidade e o Estado, avalia o especialista.
“A melhor forma de se melhorar a segurança pública é promover inclusão social. Prevenir prática de ilícitos. Outra medida é combater a desigualdade, o que pode ser feito por meio de uma reforma tributária, reduzindo o peso tributário sobre o consumo para focar as cargas mais altas sobre o lucro, grandes fortunas, e herança. E por fim reconhecer que essa política criminal bélica, de guerra ao crime, só produziu resultados negativos. Isso aumenta a corrupção, violência, o superencarceiramento e fortalecimento do crime organizado. Essa polícia criminal fracassou, é preciso dar um giro de 180 graus. A prisão é problema”, afirmou.
Mudança pode iniciar novo modelo, de polícia segmentada, como nos EUA
Mesmo que traga melhorias para a atuação policial, a PEC das Polícias Penais ainda precisará de mais aprimoramentos caso seja aprovada, com leis que definam os papéis da carreira.
Para o presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (Sindopol-DF), Flávio Werneck, a medida pode ser positiva em alinhar o modelo brasileiro de polícias ao que é praticado nos Estados Unidos. Por lá, a atuação das polícias é bem segmentada, com departamentos especializados em cada tipo de crime. Werneck deixa claro que não faz a defesa de um modelo específico e que há outros instituídos com sucesso, como o de Portugal, onde a polícia atua de forma regionalizada.
“Temos um modelo de segurança pública falido. Estamos em um estado de guerra. Matamos mais que a guerra da Síria. Precisamos migrar o modelo e acabamos atropelando as coisas. Teríamos de fazer mais, de ir além. A PEC das polícias penais é um dos caminhos, com as especializações e a definição de ter o ciclo completo de polícia em cada especialização, como o policial poder investigar e mandar direto para o Ministério Público”, afirmou.
Ele avalia que, caso a polícia penal não seja dotada de capacidade de investigação dos crimes de dentro dos presídios, a mudança será pouco efetiva. Outros projetos que estão em discussão no Congresso podem avançar nisso, como a PEC 430, que tem outras oito PECs apensadas a ela e propõe a definição da atividade completa de cada entidade policial.
“Hoje a polícia penal não tem poder nenhum para investigar. Ela pegaria um crime ocorrido dentro de um presídio, por exemplo um caso de tráfico de drogas, e tem de encaminhar a uma delegacia de polícia, que vai investigar e daí sim encaminhar para o Ministério Público. Vemos um retrabalho aqui”, afirmou Werneck. “Que a gente conceda a eles instrumentos e embasamento para que possam fazer o trabalho completo, o ciclo completo de polícia”, afirmou.
Para justificar a medida, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), autor do projeto, apontou que há uma ligação entre o trabalho dos agentes e a segurança pública em geral. “Os agentes penitenciários prestam serviços públicos essenciais de custódia e vigilância de presos. Sua atividade também preserva a ordem pública e a incolumidade das pessoas”, afirmou, em sua justificativa.
Ele cita estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que afirma que a profissão é a segunda mais perigosa do mundo, depois dos mineradores, e que o Brasil está em quarto lugar no ranking de nações com maior número de presos, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Segundo o senador, para cada agente penitenciário no país, há dez presos.
Debate sobre reforma da Previdência desempacou projetos
A criação de uma polícia para enquadrar os atuais agentes penitenciários é debatida há mais de uma década, e neste ano ganhou força, em parte como reflexo da mobilização de representantes da carreira contra a reforma da Previdência.
Esse foi um dos argumentos apontados pela Associação dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo. Em texto opinativo de seu porta-voz, publicado quando a PEC foi aprovada em primeiro turno, fica clara a posição de que, com a proposta, os agentes poderão receber os mesmos benefícios que os policiais caso a reforma ocorra.
“Mesmo após diversas manifestações da categoria em Brasília, os agentes penitenciários foram excluídos das regras especiais da reforma da Previdência. (...) Sendo aprovada a PEC 14/2016 nas votações do Senado e da Câmara, os agentes penitenciários são transformados em policiais penais e passam a ter direito também aos mesmos benefícios das carreiras policiais do artigo 144 da Constituição”, segundo texto do site.
O presidente do Sindipol/DF avalia que há uma parte do pleito dos agentes que pode ser entendida como uma tentativa de preservar benefícios, mas que atualmente os agentes já tiveram o reconhecimento de que exercem atividade de risco, o que já coloca seus rendimentos e direitos previdenciários em patamar parecido ao dos policiais federais, por exemplo. Werneck reforça que a medida poderá trazer melhorias no ambiente profissional dos policiais, se for concretizada com a posterior definição do ciclo completo de atuação desses agentes.
“Por óbvio que se os agentes forem incluídos como polícia penal no artigo 144 da Constituição, eles poderão vir a pleitear benefícios. Mas no caso dos agentes penitenciários não há hoje muita diferença. A aposentadoria já é parecida com a dos agentes da PF, pois é reconhecida a atividade de risco. Sobre ser um pleito corporativo eu vejo de outro forma. É uma evolução da carreira, mas precisamos dar os instrumentos corretos”, afirmou.