O governo apresentou seu segundo balão de ensaio em menos de um ano sobre o uso do FGTS para custear o seguro-desemprego. Os primeiros estudos sobre o assunto apareceram na imprensa em setembro de 2016. A ideia era apresentar formas de o FGTS se tornar uma poupança de longo prazo capaz de ajudar a pagar a conta do seguro. Agora, a ideia parece ter ficado mais clara: fazer o trabalhador pagar seu próprio seguro com seu FGTS.
A ideia é tão ruim que é difícil de entender. A proposta do governo é segurar o FGTS e permitir nos primeiros três meses o saque equivalente ao seguro-desemprego. No quarto mês, se não conseguir emprego, o trabalhador saca o que sobrou do fundo e da multa de 40% paga pela empresa, e se inscreve no seguro. Em outras palavras, ele perde duas vezes – não pode sacar o fundo de uma vez e deixa de receber três meses de seguro.
Existem vários problemas no sistema de seguridade do trabalho no Brasil, e um deles é que o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) deixou de colaborar com o caixa da União faz tempo, o que incomoda um Estado falido. Seu gasto em 2017 será de R$ 75,4 bilhões ao ano, custeados pelo PIS-Pasep. Seu maior custo é o seguro-desemprego, R$ 41,6 bilhões. Daí a lógica de tentar cortar o seguro: com isso, haverá sobra a ser aplicada em outras áreas.
O caminho escolhido, no entanto, foi o pior possível. O governo pensa em misturar duas coisas separadas, o direito a um seguro para quem deixa de ter uma renda e a indenização pela demissão. A função do FGTS é ser uma espécie de prêmio pelo tempo de serviço. A do seguro, uma ajuda na transição entre empregos. Os dois têm problemas em sua concepção, mas não devem ser misturados.
Se quiser tirar dinheiro do FAT, o governo tem outras alternativas. A mais simples é acabar com o abono salarial, que custa R$ 15,7 bilhões por ano. Este é um subsídio ao trabalho mal remunerado, pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos. Ou seja, é um benefício não tão bem direcionado quanto o Bolsa Família – que chega a pessoas sem renda a um custo não muito maior – e que não melhora do mercado de trabalho.
O governo também poderia rever a participação do FAT nos financiamentos do BNDES. Não há argumento para defender que um fundo criado para dar suporte ao trabalhador subsidie empréstimos a empresas, entre elas as maiores do país. Além disso, o fundo pode ganhar muita eficiência no seu gasto com capacitação e treinamento – claramente esses gastos não se revertem em aumento da produtividade no Brasil e parte é controlada por centrais sindicais.
As regras de concessão do seguro-desemprego já mudaram para acomodar um aumento de gastos. Passou-se a exigir um tempo maior de trabalho para o primeiro pedido, por exemplo. Duas outras restrições que já existem e não são seguidas por pura falta de organização do governo. A lei diz que pessoas que fazem pedidos recorrentes têm de fazer cursos de capacitação e que quem receber uma oferta de trabalho dentro do Sine perde o benefício se não aceitá-la. A burocracia pública impede que esses dispositivos funcionem. Mais exigências nessa linha (capacitação, esforço para recolocação etc.) seriam salutares. Só que dá mais trabalho do que soltar uma MP cortando o benefício.
O FGTS não é perfeito
O FGTS também tem seus problemas. Ele cumpre no Brasil o papel que a indenização pela demissão sem justa causa tem em outros países – onde geralmente a empresa paga um percentual em cima do salário por ano trabalhado, com algum limite. O modelo estatista brasileiro preferiu deixar nas mãos do governo a gestão dessa indenização para, com isso, se formar um fundo para investir em outras coisas.
Se estivesse preocupado com a competitividade da economia, o governo avaliaria formas de aproximar o modelo brasileiro do que ocorre em outros lugares. O FGTS gera uma indenização de um salário por ano para o trabalhador. Do jeito que é gerido, o dinheiro rende menos do que em aplicações melhores. Uma possibilidade seria permitir investimentos em outros fundos, não só o gerido pela Caixa. Isso geraria competição e maior retorno. No limite, cada empresa poderia ter um fundo próprio.
Outra possibilidade é uma mudança na composição das indenizações e saques. O benefício à construção civil é mais do que questionável. E a multa de 40% nas demissões sem justa causa também. O saque poderia ser facilitado, quem sabe com uma multa para quem saca antes da hora ou não é demitido. As multas e o rendimento maior poderiam compor as indenizações para os demitidos através de uma valorização das cotas (que seriam sacadas sem multa).
Pode não ser a melhor ideia do mundo, mas é só um exemplo de que é possível haver mudanças para que o FGTS deixe de ser um custo enorme para empresas, um benefício parcial para trabalhadores, e uma fonte de dinheiro fácil para o governo.
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