Um desastre ambiental e humano causado pelo rompimento de uma barragem de mineração chocou os brasileiros no dia 25 de janeiro, uma sexta-feira, cerca de três anos depois da tragédia causada pela Samarco, em Mariana (MG). Desta vez, o incidente aconteceu na cidade de Brumadinho (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, na mina Córrego do Feijão. Veja tudo que se sabe até agora sobre o mais recente acidente ambiental do país:
O que causou o acidente e de quem é a culpa?
A barragem 1, pertencente à mineradora brasileira Vale, se rompeu por volta de 12h20, causando o transbordamento de ao menos outro reservatório. Milhões de metros cúbicos de rejeitos da produção de minério de ferro soterraram casas e propriedades rurais da comunidade da Vila Ferteco, além de encobrir a área administrativa da mina Córrego do Feijão, incluindo um refeitório.
Vídeos impressionantes divulgados após a tragédia mostram o momento em que a barragem se rompeu, causando um ‘tsunami’ de lama. Funcionários da companhia que estavam na barreira de contenção no momento em que ela entrou em colapso foram arrastados violentamente.
Segundo a Vale, a barragem era uma estrutura de porte médio para a contenção de rejeitos e estava desativada. Seu risco era avaliado como baixo, mas o dano potencial em caso de acidente era alto (oque acabou se confirmando), segundo o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração, do Departamento Nacional de Produção Mineral, ligado ao Ministério das Minas e Energia.
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As autoridades e técnicos em segurança de barragens trabalham com a hipótese de que o rompimento foi causado por um fenômeno chamado de liquefação, caracterizado pela redução da rigidez do solo a partir do acúmulo de água. E-mails trocados entre funcionários da Vale e engenheiros de uma empresa de consultoria, obtidos pela Polícia Federal, revelam que havia falha em pelo menos cinco piezômetros, que são sensores instalados na barragem para monitorar o nível de água e a pressão interna na estrutura.
O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, afirmou que o reservatório que se rompeu estava inativo, em processo de desativação, e tinha 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Ele admitiu no dia 31 de janeiro que a sirene de alerta da mina não foi acionada porque foi rapidamente ‘engolida’ pela lama. “Houve um rompimento muito rápido. A sirene que iria tocar foi engolfada pela queda da barragem antes que ela pudesse tocar”, disse. Mas essa informação foi desmentida pela própria companhia dias depois.
Qual o dano humano nessa tragédia?
O governo de Minas Gerais fez a primeira confirmação de que corpos foram encontrados ainda na noite do dia do desastre. Dois meses depois, a Defesa Civil de Minas Gerais já confirmou 225 mortes. Há ainda outras 68 pessoas desaparecidas.
Boa parte dos mortos e desaparecidos é de funcionários e empregados terceirizados da própria Vale. O mar de rejeitos atingiu o refeitório da mina num momento em que havia centenas de funcionários no local, segundo Schvartsman.
Uma semana depois do rompimento, o governo federal afirmou que, apesar de todos os esforços, nem todos os corpos soterrados poderão ser resgatados, tornando a tragédia ainda mais dramática para as famílias de desaparecidos.
Não bastasse a perda de vidas, casas e empregos, estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) alertou para o risco de surtos de doenças como dengue, febre amarela, esquistossomose e leptospirose na região. Também pode ocorrer o agravamento de pacientes com doenças crônicas como hipertensão e diabetes.
Qual o dano ambiental?
Imediatamente após o rompimento, a lama do rejeito de minério de ferro varreu árvores, campos e plantações e seguiu para o Rio Paraopeba, um afluente do Rio São Francisco, que avança para estados do Nordeste antes de desaguar no Oceano Atlântico. O impacto na fauna e flora do Paraopeba é visível.
Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, uma expedição feita pelas águas do Paraopeba entre os dias 31 de janeiro e 9 de fevereiro revelou que não há mais condições de vida aquática em mais de 300 quilômetros do rio. Indicadores de qualidade demonstraram que não há condições de uso da água. Dos 22 pontos analisados, 10 apresentaram resultado ruim e 12 péssimo. Metais pesados, como manganês, cobre e cromo, foram encontrados em níveis acima dos limites máximos fixados na legislação.
Cálculo do Ibama com base em imagens de satélite mostra que o rompimento da barragem devastou 133,27 hectares de vegetação nativa de Mata Atlântica e 70,65 hectares de áreas de proteção permanente ao longo de cursos d’água. Um hectare equivale ao tamanho de um campo de futebol. A análise foi realizada no trecho que vai da barragem até o encontro do rejeito com o Rio Paraopeba. A destruição total é de pelo menos 269,84 hectares.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco na região do Rio Paraopeba, Winston Caetano de Souza, diz que é grande a preocupação de o mar de lama atingir o ‘Velho Chico’. “Vai atingir, a não ser que o volume de lama fosse pouco. O rio tem velocidade e vai chegar”, explicou.
No caminho existem duas barragens de hidrelétricas – Retiro Baixo e Três Marias – e a esperança é de que elas retenham a maior parte dos rejeitos, principalmente a primeira. A Agência Nacional de Águas (ANA) acredita que isso “possibilitará amortecimento da onda de rejeito”.
O trabalho de resgate de animais na região de Brumadinho contabiliza 350 bichos salvos, de acordo com a Brigada Animal. A contagem se refere a animais resgatados e devolvidos a seus donos ou aqueles que foram acolhidos na fazenda onde funciona o hospital de campanha.
Os animais que receberam atendimento nas propriedades de seus tutores também compõe esse número. Dos 350 resgatados, 145 seguem em atendimento no local. Lá, os animais recebem procedimentos veterinários e, após os tratamentos, são devolvidos para os respectivos donos.
Os animais de tutores não localizados serão disponibilizados para adoção. Entre os bichos atendidos estão gatos, cães, equinos, bovinos, pássaros e aves - além de uma serpente e um cágado.
O desastre é comparável ao de Mariana?
O desastre de Brumadinho já é a maior tragédia do gênero registrada no país. O volume de rejeitos despejados na cidade é menor que o da tragédia da Samarco, em Mariana (MG). Segundo o presidente da Vale, vazaram 12,7 milhões de metros cúbicos de água e terra na tragédia desta sexta-feira – cerca de um terço do registrado no acidente de novembro de 2015, na barragem do Fundão. Mas as consequências do rompimento em Brumadinho são ainda piores.
O desastre de Mariana causou uma contaminação sem precedentes no Rio Doce, um dos mais importantes de Minas Gerais e da Região Sudeste, matando animais, prejudicando o abastecimento de água e causando um incalculável prejuízo econômico à população ribeirinha.
O rastro de lama chegou até o litoral do Espírito Santo. Na ocasião, 19 pessoas morreram e uma comunidade inteira – Bento Rodrigues – ficou soterrada, sendo condenada pela Defesa Civil. Dezenas de famílias ficaram desabrigadas.
Em Brumadinho, já são mais de 150 mortes e esse número deve aumentar ainda mais. “Possivelmente o dano ambiental será menor, pois o material já era razoavelmente seco, ele não tem esse poder de se deslocar por longas regiões. A parte ambiental deve ser muito menor (em relação a Mariana), mas a parte humana será terrível”, alertou o presidente da Vale, Fábio Schvartsman, no dia seguinte ao rompimento. Ambientalistas discordam do executivo e dizem que os danos ao meio ambiente também são terríveis.
O que as autoridades fizeram até agora?
A Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e as Polícias Civil e Militar de Minas Gerais deslocaram centenas de homens e mulheres para buscar os desaparecidos, com auxílio de helicópteros e equipamentos. O esforço conta ainda com o auxílio de profissionais de outros estados.
A Justiça de Minas Gerais, em duas decisões diferentes, bloqueou preventivamente R$ 1 bilhão da Vale, depois bloqueou outros R$ 5 bilhões, e no dia 27 de janeiro determinou o bloqueio de outros R$ 5 bilhões da companhia, para uso em ações de reparação emergencial e para a reparação dos danos às pessoas atingidas. No dia seguinte ao rompimento, o Ibama informou que a Vale recebeu multas no valor de R$ 250 milhões.
O governo federal anunciou a criação de um gabinete de crise no Palácio do Planalto para acompanhar o atendimento ao incidente. O presidente Jair Bolsonaro determinou a ida dos ministros do Desenvolvimento Regional, de Minas e Energia, e do Meio Ambiente a Brumadinho, além do secretário nacional de Defesa Civil. Bolsonaro sobrevoou a região na manhã de sábado, logo após assinar o decreto que criou um gabinete emergencial de crise, sob comando da Casa Civil.
No dia 28 de janeiro, o governo determinou a fiscalização imediata de todas as barragens “que possuem dano potencial alto associado à vida humana” em todos os estados do país. A decisão é do Conselho Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastres.
Em resolução publicada no dia 18 de fevereiro, a Agência Nacional de Mineração (ANM) estipulou prazo até 2021 para a eliminação de todas as barragens erguidas por meio do método “alteamento a montante”, como a de Brumadinho, determinando que as empresas de mineração retirem suas instalações industriais de zonas de risco.
No dia 29 de janeiro, a Justiça mineira determinou a prisão de dois engenheiros da empresa alemã Tüv Süd e de três funcionários da mineradora Vale que teriam atestado a segurança da barragem em Brumadinho. As investigações apontaram o nome dos profissionais e há suspeita de fraude em documentos. Eles ficaram uma semana detidos até serem beneficiados por uma decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 5 de fevereiro, que concedeu habeas corpus.
No dia 15 de fevereiro, uma ação deflagrada pelo Ministério Público de Minas, com apoio das polícias Civil e Militar, prendeu oito funcionários da Vale nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro acusados de negligência no rompimento da barragem. Mas, no dia 27 de fevereiro, todos foram soltos por uma decisão do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nefi Cordeiro.
No dia seguinte à tragédia, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, determinou a criação de uma força-tarefa para apurar as responsabilidades da tragédia de Brumadinho. A equipe deverá conduzir as investigações e manter interlocução com outros órgãos como, a Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais e Defensoria Pública da União.
O Senado e a Câmara dos Deputados instalaram duas comissões parlamentares de inquérito (CPIs) nos últimos dias 13 e 14 de março para apurar as causas do rompimento da barragem, bem como as responsabilidades pela tragédia. Embora não tenham poder de punir a empresa, as comissões de inquérito são instrumentos de pressão política, podem requisitar documentos, interrogar autoridades e recomendar o indiciamento de pessoas e empresas.
O que a Vale fez para mitigar os danos?
Imediatamente após o vazamento, a Vale acionou seu Plano de Atendimento a Emergências para Barragens e instalou um Comitê de Ajuda Humanitária, com equipes de acolhimento, entrega de cestas básicas, marmitas e remédios. Instalou canais de atendimento criados para que a população informe sobre desaparecidos e solicite assistência emergencial.
A companhia anunciou dias depois do incidente que doará R$ 100 mil para parentes de vítimas e a contratação de uma equipe de psicólogos especializados em vítimas de tragédias do hospital Albert Einstein para dar apoio às vítimas na região do acidente. A empresa disse ainda que vai manter o pagamento de royalties ao município de Brumadinho. Segundo Siani, cerca de 60% da arrecadação da prefeitura em 2018 veio da produção de minério.
No dia 20 de fevereiro, a mineradora anunciou um acordo com a 6ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte em que se compromete a pagar uma indenização em dinheiro a cada um dos moradores de Brumadinho durante um ano. Será um salário mínimo mensal (R$ 998) para cada adulto, meio salário mínimo (R$ 499) para cada adolescente e um quarto de salário (R$ 249,50) para cada criança que vive na cidade.
No dia 22 de fevereiro, a Vale firmou um acordo parcial com o Ministério Público do Trabalho e sindicatos de Minas Gerais para prestar assistência às famílias de funcionários da mina do Córrego do Feijão. Entre os itens acordados, está o compromisso da garantia de emprego ou pagamento de salário dos funcionários que trabalhavam em Brumadinho no dia do rompimento da barragem até o dia 31 de dezembro de 2019.
A empresa fornecerá plano médico e atendimento psicológico aos dependentes das vítimas até que eles completem 22 anos. Com relação ao cônjuge, a obrigação será vitalícia. Fornecerá ainda auxílio creche a cada um dos filhos de trabalhadores vítimas ou desaparecidos de R$ 920 por mês até que completem três anos. A empresa também pagará auxílio educação de R$ 998 por mês para aqueles com idade superior a três anos até que completem 18.
A Vale informou ainda que instalou 45 pontos de monitoramento da água entre o rio Paraopeba e a foz do rio São Francisco. Além disso, o sistema de captação de água de Pará de Minas, que está a 115 quilômetros da barragem, será protegido por três barreiras de retenção. As medidas fazem parte do plano da companhia para conter os rejeitos.
Na terça-feira (29), o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, anunciou que a empresa se compromete a acabar com barragens como as de Mariana e Brumadinho, construídas a partir do chamado “modelo a montante” (erguido por meio de degraus, que ficam sobre os rejeitos de minério), que é mais barato e menos seguro
A mineradora tem ainda dez barragens a montante, todas em Minas Gerais. Segundo Schvartsman, a empresa investirá R$ 5 bilhões para devolvê-las à natureza em um processo que demorará de um a três anos, dependendo do caso.
Há risco de outro rompimento?
No domingo (27), os bombeiros iniciaram a evacuação de comunidades de Brumadinho após a constatação de que uma segunda barragem da Vale apresentava risco iminente de rompimento. Trata-se de um repositório de água com 1 milhão de metros cúbicos. Um alarme de aviso sobre rompimento de barragem soou às 5h30. A possibilidade de um novo rompimento foi descartada depois. Desde então, o nível da outra barragem vem sendo monitorada constantemente. A maior preocupação é com as chuvas que atingem a região desde o dia da catástrofe.
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