Na ponta do lápis, as empresas estatais do governo federal custaram ao contribuinte R$ 19,1 bilhões em 2016 – ou R$ 92 por brasileiro. E neste ano vão onerar os cofres públicos em mais R$ 15 bilhões. É um montante que, se não fosse despejado pela União nessas empresas, seria mais do que suficiente para ter evitado o aumento dos impostos sobre combustíveis, que vai custar R$ 10,4 bilhões no bolso do cidadão em 2017.
Num momento em que o país discute um rombo de R$ 139 bilhões nas contas federais e em que as estatais estão no centro dos principais escândalos de corrupção, o déficit das empresas públicas levanta a discussão: elas são necessárias?
Privatizá-las é a resposta mais imediata a esse questionamento. Mas a solução é mais complexa do que simplesmente se desfazer das estatais a rodo. Algumas podem ser úteis ao país, mesmo não dando nenhum lucro – o objetivo principal de uma empresa. Cada caso é um caso.
Uma centena e meia
O governo federal tem hoje 151 estatais. Apenas uma minoria, 18, depende de dinheiro do orçamento federal – ou seja, do contribuinte – para pagar salários de seus funcionários e as despesas corriqueiras de custeio. Elas não têm condições de andar com as próprias pernas. No ano passado, a União gastou R$ 15,5 bilhões com essas 18 empresas. Em 2017, a previsão é de que o gasto seja ainda maior: R$ 18,7 bilhões.
A rigor, muitas são estatais que não têm como gerar lucro porque desempenham funções típicas de Estado, como a gestão de hospitais e pesquisa científica e de defesa nacional.
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Mas nem mesmo as outras 133 estatais – que geram receita própria para sobreviver – deixam de receber verba do orçamento federal. Em geral, é porque não têm lucro suficiente para fazer investimentos em suas áreas de atuação. E então entregam a conta para a União. Ou seja, para o contribuinte.
Em 2016, foram R$ 6,5 bilhões destinados pelo orçamento para estatais que teoricamente não deveriam depender do Tesouro. Quem mais recebeu foi a gigante Eletrobras: R$ 2,9 bilhões. Na sequência estão a Infraero (R$ 2,3 bilhões) e a Telebras (R$ 685,8 milhões).
Já em 2017, as chamadas estatais “não dependentes” do orçamento vão receber R$ 2,1 bilhões, do orçamento. Segundo o Ministério do Planejamento, 70% desse valor serão destinados para a Infraero fazer obras em aeroportos que ela administra sozinha ou em parceria com empresas privadas – que, em princípio, entraram no negócio para colocar dinheiro novo. Outro aporte generoso será para a Telebras comprar um satélite e criar a infraestrutura de recebimento dos sinais emitidos pelo equipamento quando ele estiver em órbita.
“O ideal é que as estatais fizessem seus investimentos com o lucro que obtêm com sua atividade”, diz Gil Castello Branco, secretário-executivo da Associação Contas Abertas, especializada na fiscalização do uso do dinheiro público.
O lucro não compensa
Se o lucro que as estatais geram não é suficiente nem mesmo para elas promoverem investimentos, a parcela dos ganhos que elas remetem ao Estado tampouco compensa o que consomem do orçamento federal. As empresas públicas pagaram à União, em participações de lucro e dividendos, R$ 12 bilhões em 2015 e R$ 2,8 bilhões no ano passado. Neste ano de 2017, o valor previsto é de R$ 5,8 bilhões.
O saldo final é de “prejuízo” para a União, pois a dotação orçamentária para as empresas públicas foi, respectivamente, de R$ 17,1 bilhões e de R$ 22 bilhões em 2015 e 2016. E será de R$ 20,9 bilhões em 2017. No final, o déficit das estatais foi de R$ 5 bilhões (em 2015) e R$ 19,1 bilhões (em 2016). E chegará a R$ 15 bilhões em 2017.
A conta negativa dos últimos anos sofreu forte impacto da Petrobras, que desde 2014 – ano de deflagração da Lava Jato – só deu prejuízo. E, consequentemente, não remeteu dividendos ao governo.
O problema: ingerência política
E esse é o ponto. A crise da Petrobras tem a ver com aquela que é a unanimidade apontada por todos os especialistas como o principal problema das estatais: a ingerência política.
Gil Castello Branco diz qual é a explosiva fórmula brasileira que envolve as empresas públicas:
As estatais têm muito dinheiro (o que atrai o corrupto), pouca transparência e muita ingerência política. Isso faz com que elas estejam diretamente relacionadas aos principais escândalos de corrupção
O mensalão envolveu os Correios. A Lava Jato descobriu um imenso esquema de desvios na Petrobras, com ramificações para outras empresas públicas como a Eletrobras.
Professor de administração do Insper, Sérgio Lazzarini lembra de outro problema, além da corrupção, provocado pela ingerência: o governo Dilma cedeu à tentação de usar as estatais para intervir politicamente no mercado. Tentou conter a inflação mantendo os preços dos combustíveis e da energia artificialmente baixos. Causou fortes prejuízos às empresas.
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O presidente Michel Temer tomou posse prometendo mudar isso. Uma de suas primeiras iniciativas foi proibir que políticos assumam cargos de direção nas empresas públicas – regra estabelecida na Lei de Responsabilidade das Estatais, sancionada em julho do ano passado.
Mas Gil Castello Branco considera a lei insuficiente. “As indicações dos diretores continuam sendo feitas por políticos. No caso da Lava Jato, por exemplo, tem um monte de funcionário de carreira da Petrobras envolvido no esquema de corrupção: Pedro Barusco, Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa.”
3 anos e meio
É o período em que o governo conseguiria tapar o rombo nas contas públicas se vendesse todas as estatais. Privatizá-las só para fazer caixa, portanto, é solução de curto prazo.
O que fazer então: privatizar?
A grande questão que se coloca é: o que fazer então com as estatais? Para alguns, é necessário criar regras de governança interna que impeçam a ingerência político e tornem mais difíceis os desvios de conduta.
Embora não descarte isso como algo a ser feito, o secretário-geral da Contas Abertas têm dúvidas se normas desse tipo podem coibir a corrupção. Gil Castello Branco lembra que a Petrobras tem internamente um conselho de administração e outro fiscal. Além disso, suas contas eram alvo de auditorias externas. A empresa ainda podia ser fiscalizada pelo Ministério do Planejamento, Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Congresso. “E ninguém descobriu nada. Foi preciso que a Polícia Federal investigasse um doleiro ligado a um posto de gasolina em Brasília”, diz ele, lembrando do começo da Lava Jato.
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Diante disso, a privatização costuma aparecer como alternativa para evitar que o dinheiro público corra pelo ralo. E, neste momento em que o governo não tem de onde tirar recursos, vender estatais ainda surge em muitos discursos como um jeito de fazer caixa e salvar as contas públicas. Será?
Vender estatais pode ajudar a dar um fôlego financeiro ao governo. Mas Sérgio Lazzarini afirma que a privatização, sozinha, não é solução. Outras medidas seriam necessárias.
Os dados comprovam. O patrimônio das estatais federais brasileiras vale R$ 500 bilhões. Se todas fossem privatizadas, o rombo nas contas públicas (a previsão é de R$ 139 bilhões em 2017) seria coberto por apenas três anos e meio. E o déficit da Previdência, de R$ 215 bilhões, só por pouco mais de dois anos. Ou seja, se o objetivo de privatizar fosse apenas esse, seria um mero paliativo.
Modelo de Estado
O debate, no fundo, é sobre o modelo de Estado que a sociedade quer. “Tem de ter esse tamanho mastodôntico?”, resume Gil Castello Branco.
Simplesmente se desfazer de empresas, contudo, não necessariamente é a melhor ideia. “Uma estatal, quando bem administrada, pode ser boa para o país”, diz Hsia Hua Sheng, professor de finanças da FGV/EAESP.
Sheng lembra que países como China, Cingapura, Índia e Rússia usam empresas públicas como parte da estratégia de desenvolvimento. “As estatais têm a função importante de investir em áreas nas quais o setor privado não vai investir”, diz o professor da FGV/EAESP. É o caso da infraestrutura básica e da pesquisa científica. “A Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] é uma boa estatal”, exemplifica Sheng.
Os especialistas, porém, concordam no princípio (para logo depois discordarem no mérito) que há estatais de determinados setores que poderiam ser privatizadas sem problemas. Sheng sugere vender aeroportos e o que restou nas mãos do Estado de telecomunicações. Lazzarini aposta nos setores de água e saneamento e de energia elétrica. Gil Castello Branco acredita que é preciso pensar inclusive se vale a pena o governo ter bancos e até mesmo uma Petrobras.
Todos voltam a concordar que é preciso fazer um pente-fino para avaliar onde é possível o Estado deixar que a iniciativa privada aja sozinha.
Temos de saber se as estatais estão gerando serviços e produtos que atendam às necessidades do país e se a iniciativa privada pode fazer isso de forma mais eficiente. Cada caso é um caso.
O que o governo está fazendo
O governo Temer afirma que é isso que vem fazendo. O Ministério do Planejamento, que coordena o plano de “desestatização”, informa que “cada caso é analisado individualmente”. “Há possibilidades de incorporação, extinção, liquidação, parcerias estratégicas, vendas parciais e totais [das empresas estatais]”, diz o ministério em nota enviada à Gazeta do Povo.
Segundo a pasta, a Petrobras está buscando vender parte de seus ativos. A Eletrobras pretende passar para a iniciativa privada seis distribuidores de energia (Ame-GT, Boa Vista Energia, Ceal, Cepisa, Ceron e Eletroacre). Por enquanto, apenas uma distribuidora, a Celg-D (de Goiás), já foi vendida.