Parece a fábula do homem e do leão, em que o homem vê uma pintura de um leão sendo abatido por um humano e acredita ser mais forte que ele. Nas últimas duas semanas, o Índice Bovespa, que mede o desempenho das 56 empresas brasileiras mais importantes na bolsa de valores brasileira, bateu recordes históricos sucessivos, chegando a bater os 76 mil pontos – um número nunca antes digitado pelo programador de telão do pregão.
Na teoria, um ânimo como nunca visto: afinal, as principais empresas brasileiras nunca valeram tanto. Mas, como na fábula, é só pintura. Se a confiança existe, ela é bem mais tímida. O Ibovespa lá no alto pode até ser um indício de saída do Brasil da lama, mas de um jeito bem menos ousado do que pinta. O leão segue vivo.
Infográfico: Entenda como funciona o Índice Bovespa
Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o doutor em Economia José Guilherme Silva Vieira aponta que há um erro na leitura da pontuação do Ibovespa. “Esse é um recorde nominal. Ele desconsidera inflação e taxa de juros nos últimos anos. Em termos reais, a bolsa não atingiu ainda seu pico. Se trouxéssemos os valores de antes da crise do subprime [o crash mundial de 2008], passaríamos de 100 mil pontos”, diz.
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É que entre 2008 e 2017 a inflação acumulada foi de 73%. Ou seja, os quase 76 mil pontos valem bem menos do que os 73,5 mil pontos a que chegou em 2008, o então recorde. Segundo o jornal Valor Econômico, aliás, trazido para a realidade atual, o Ibovespa de 2008 seria de 127 mil pontos.
Vieira destaca que os números são relevantes mais para mostrar que a bolsa está se recuperando em um ambiente onde a economia não está tão forte assim. “É isso que tem causado espanto nas pessoas. Mas não deveria. As ações do Banco do Brasil hoje estão no mesmo patamar de fevereiro”, diz.
Leis da atração
O fato é que esta alta já estava “mapeada” há algum tempo, como define o administrador Christian Bundt, membro do Comitê Macroeconômico do Isae Escola de Negócios. E vários fatores cartografaram este mapa. Os juros caíram a um patamar onde os investimentos de renda fixa – poupança, por exemplo – já não são bom negócio.
A taxa básica, a Selic, está em 8,25% e deve seguir em queda livre. Isso fez muita gente migrar para as ações. Estima-se que a Bovespa ganhou 30 mil investidores da categoria pessoas físicas em 2017. Ao “G1”, o especialista em mercado de capitais da consultoria Eleven Adeodato Volpi Netto apontou que gestores de fundos de investimento deslocaram nos últimos anos cerca de R$ 140 bilhões da bolsa para aplicações em renda fixa. Agora, a tendência é que o caminho seja o contrário.
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Mas é o dinheiro gringo que parece impulsionar a retomada – o capital de fora representa mais de 50% da Bovespa. “Há uma abundância de liquidez no mundo, de dinheiro buscando oportunidades. O Brasil é uma economia, digamos, estável no contexto mundial. Não temos revoluções, crises civis, e os preços [de ações] são baratos”, aponta Vieira.
Todo este dinheiro “sobrando” lá fora, por conta dos juros mais baixos e até negativos em muitos países desenvolvidos, fizeram os investidores olharem a bolsa brasileira com mais desejo do que o PSG quando viu Neymar. “É mais um movimento de oportunidade das [empresas de investimento] estrangeiras de virem para cá. A crise também é uma oportunidade. Neste caso de as firmas chegarem e comprarem nossas empresas”, diz.
Investidor está mais confiante
Mas há um ponto há comemorar neste movimento. A confiança, ainda que tímida, está aí. “A economia é como se fosse uma montanha russa. Saímos de uma baixa em que permanecemos dois anos e chegamos naquele ponto que começa a subir. Isso é natural e faz parte do ciclo econômico”, aponta Pedro Coelho Afonso, diretor de operações da corretora Gradual Investimentos.
“Passamos por momentos complicados, onde não se tinha segurança jurídica, estabilidade política, definição econômica. Ficava naquilo de um dia ser um presidente e, no seguinte, poder ser outro. Não que hoje esteja 100%, mas está bem melhor do que já esteve. Essa melhora acaba gerando mais confiança no investidor de maneira geral”, aponta.
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Onde há confiança, há otimismo para a melhora da mais grave crise econômica da história brasileira. Na concepção de Christian Bundt, “o Ibovespa antecipa o que vem na economia”. “O que os investidores da bolsa estavam esperando era por continuidade. Eles queriam saber as chances de as reformas [previdenciária e trabalhista] saírem do papel, de as condições econômicas melhorarem”, diz. Aparentemente, o fortalecimento do presidente Michel Temer, após uma série de denúncias tê-lo feito balançar, convenceu o mercado.
Está longe de ser uma saída imediata. Por enquanto, nem homem e nem leão provaram ser mais forte. “Esses números no fundo não estão mostrando nada”, decreta Coelho Afonso. “Eles são indicadores de que a gente pode estar no caminho de melhorar. Mas, até agora, números efetivos de geração de empregos, crescimento econômico, aumento da atividade industrial, isso a gente não teve”, diz. “O recorde do Ibovespa pode até dar uma indicação. Mas, o que melhorou até agora? Nada”, diz.
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