Investigação da Polícia Federal (PF) identificou nas quebras de sigilo de empresas do grupo do doleiro Alberto Youssef que contas em seis bancos com sede no Brasil foram utilizadas para movimentar US$ 232 milhões, dinheiro desviado da Petrobras. Esses valores foram lavados por meio de contratos de câmbio fraudulentos. Os recursos passaram por 109 contas de empresas apontadas como de fachada pelo Ministério Público Federal, que foram utilizadas para atividades ilícitas por meio da simulação de contratos de importação e exportação.
O Bradesco hospedou 39 contas dessas empresas de fachada mantidas pelo grupo de Youssef. O Itaú Unibanco 18 e o Santander, 13. Além deles, o Banco do Brasil hospedou 11 contas, Caixa, 13 e o Citibank outras 15.
No caso do Bradesco e do Citibank, além de hospedarem contas dessas empresas com atuação ilícita, eles também efetuaram contratos de câmbio apontados pelos investigadores como fraudulentos.
As principais responsáveis pelos contratos de câmbio fraudulentos foram a Labogen Química Fina e Biotecnologia; Indústria e Comércio de Medicamentos Labogen; Hmar Consultoria em Informática; Piroquímica Comercial, Bosred Serviços; e RMV & CVV Consultoria.
As empresas estavam em nome do doleiro Leonardo Meirelles, ligado a Youssef. O Ministério Público Federal denunciou os dois em abril de 2014. Segundo os investigadores, Leonardo Meirelles gerenciava as empresas no interesse exclusivo de Youssef.
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Entenda o caso
Leonardo Meirelles , assim como Youssef, assinou um acordo de colaboração com a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Na ação penal em que Meirelles é réu, a PF anexou uma troca de e-mails em que Leonardo Meirelles responde ao seu irmão Leandro e ironiza a capacidade do grupo de ter grande quantidade de empresas e contas em bancos para, segundo a PF, dissimular as atividades ilícitas do grupo.
Após Leandro enviar uma lista com as contas das empresas em bancos como Bradesco, Santander, Itaú e Caixa, Leonardo responde: “Parabéns, vamos nos profissionalizar”.
“O alvo Leonardo Meirelles, em conversa com outros integrantes do suposto grupo criminoso ao qual faz parte, recebe por e-mail uma lista contendo grande quantidade de contas bancárias que estão sob poder da quadrilha para movimentação financeira. Em determinado comentário, o alvo responde ironicamente ‘vamos nos profissionalizar’, indicando que cada vez mais se torna difícil identificar a movimentação financeira ilegal da quadrilha”, diz o relatório da PF.
Em outra conversa, também entre os irmãos Meirelles, Leandro indica a Leonardo duas contas do Bradesco, uma do Itaú e outra no Santander que seriam “melhor para TEDs” uma vez que, segundo a PF, não levantariam “suspeitas das autoridades fiscalizadoras”. Leonardo responde: “Perfeito”.
Outro lado
Questionado sobre as operações, o Banco Central informou que “não comenta casos específicos”. Disse também que “adota as medidas administrativas cabíveis nos casos em que constata falhas em procedimentos, das quais resultam falta de identificação e de comunicação de operações suspeitas ao Coaf” e que supervisiona continuamente a atuação dos bancos.
O Bradesco não quis se manifestar. O Itaú Unibanco informou ter identificado “atipicidades” nas contas das empresas citadas na reportagem ainda nos anos de 2012 e 2013, ou seja, antes da Lava Jato. De acordo com o banco, tais fatos foram devidamente comunicados às autoridades competentes. “O Itaú Unibanco cumpre a regulamentação de prevenção à lavagem de dinheiro e permanece à disposição das autoridades”, afirmou em nota.
A Caixa, por meio de nota, informou que “segue os mais rigorosos padrões de integridade e compliance, dando inteiro atendimento às regras de prevenção à lavagem de dinheiro.” Sobre o caso específico das contas abertas no banco, a Caixa afirmou que “em razão do sigilo das operações bancárias” não “pode se manifestar sobre o tema”.
O Banco do Brasil informou que as empresas citadas não realizaram movimentações financeiras de valores relevantes ou que implicassem em indícios de atividades ilícitas.
O Santander disse que “adota políticas rigorosas de compliance e cumpre estritamente a legislação e normas de prevenção à lavagem de dinheiro.”
O Citibank afirmou que “mantém altos padrões de controles e compliance, e que todas as informações solicitadas pelas autoridades foram prontamente enviadas pelo banco”. A defesa de Leonardo Meirelles afirmou que ele colabora com as investigações.
Banco Central abriu 31 investigações contra bancos e corretoras
Em 8 de junho, o jornal O Estado de São Paulo revelou que a Receita Federal encontrou indícios que apontam para a responsabilidade dos bancos nesses contratos de câmbio fraudulentos usados para lavagem de dinheiro. A informação consta em balanço produzido pelo Fisco sobre sua atuação na operação Lava Jato. O documento cita cinco tipos de omissões por parte de bancos e corretoras de valores.
A Receita apontou falhas de bancos e corretoras. Até o momento, ocorreram 11 liquidações extrajudiciais de corretoras. O BC não informou quais medidas foram tomadas contra bancos.
O Banco Central instaurou 31 procedimentos administrativos sancionadores (PAS) para investigar a responsabilidade de instituições financeiras - bancos e corretoras - em casos de lavagem de dinheiro investigados na Lava Jato. Entre os casos apurados, estão os contratos de câmbio fraudulentos fechados por empresas ligadas ao doleiro Alberto Youssef.
O BC informou à reportagem que, do total de PAS abertos, 35,5% têm como alvo bancos brasileiros. Entretanto, o Banco Central não revelou os resultados dessas apurações. Esses processos já resultaram em 11 liquidações extrajudiciais de corretoras.
Assim como as corretoras, o bancos estão sujeitos às normativas relacionadas ao combate à lavagem de dinheiro. O Banco Central abordou as práticas a serem seguidas pelos bancos na circular 3.461 que “consolida as regras sobre os procedimentos a serem adotados na prevenção e combate às atividades relacionadas com os crimes previstos” na lei de lavagem de dinheiro.
De acordo com o BC, os bancos “devem implementar políticas, procedimentos e controles internos, de forma compatível com seu porte e volume de operações”.
Para isso, diz o BC, são obrigados a “coletar e manter atualizadas as informações cadastrais de seus clientes permanentes”, como é o caso das empresas ligadas ao doleiro Alberto Youssef, que mantiveram contas nos bancos por períodos superiores a três anos.
Essas informações cadastrais, explica a circular, devem abranger as pessoas naturais autorizadas a representar a empresa, bem como a cadeia de participação societária, até alcançar a pessoa caracterizada como beneficiário final.
Se tivessem seguido as normas, os bancos teriam descoberto, como fez a Lava Jato posteriormente, que essas empresas eram usadas por operadores de propina ligados a grupos políticos.
Complemento
As normas trazidas pela circular 3.461 ainda foram complementadas em nova circular de 2010, a 3.430. Nela, o BC esclarece e reforça que para cumprir a antiga circular os bancos devem reunir sobre seus clientes “informações que permitam conhecer a estrutura de propriedade e controle, identificando a cadeia de controle societário até a(s) pessoa(s) natural(is) que detém(êm), em última instância, o controle sobre a pessoa jurídica cliente”.
“Conhecida a estrutura de propriedade e controle, devem ser coletadas e mantidas atualizadas informações cadastrais daquelas pessoas que detêm poder para induzir, influenciar, utilizar ou se beneficiar da pessoa jurídica cliente para práticas de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo”, completa a circular.