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Lula e Maduro
Lula ainda não se pronunciou sobre decisão de Maduro de expulsar representantes da ONU após prisão de ativista.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em meio ao aumento da instabilidade política na Venezuela, imigrantes venezuelanos contam suas impressões sobre os últimos acontecimentos em seu país de origem e sobre a postura do Brasil em relação ao ditador Nicolás Maduro. Um aliado do chavismo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou ajudar o autocrata venezuelano em diversas oportunidades no último ano e, até o momento, se mantém calado sobre os abusos cometidos por ele para se manter no poder.

"Lula pediu o voto para Maduro em 2013 e tem defendido ele muitas vezes. Na verdade, uma grande parte da população venezuelana no Brasil não gosta de Lula por isso", conta o sociólogo venezuelano Guillermo Pérez. Há quatro anos vivendo no Brasil, o imigrante avalia a postura adotada pelo petista como um "erro estratégico" e acredita que tal posicionamento "distorce" a imagem de Lula.

"Maduro não é um aliado confiável e essa defesa acrítica ao governo Maduro (e também a ausência de críticas com Nicarágua), acredito que enfraquece o discurso de Lula como defensor da democracia e dos direitos humanos, que é uma imagem que ele tenta projetar no exterior", avalia Pérez.

Com eleições previstas para acontecer neste ano, Nicolás Maduro tem adotado a diversas manobras políticas para evitar que outros candidatos concorram ao pleito eleitoral. Para os venezuelanos ouvidos pela Gazeta do Povo, os últimos movimentos do ditador não foram uma surpresa

"Era previsível que Maduro e os colaboradores mais próximos a ele fossem se inclinar a uma "fechada de porta" para um processo de eleições democráticas. Maduro sabe que ele é extremamente impopular, o país está em uma crescente crise econômica e social que já dura mais de 10 anos. O descontentamento com o governo autoritário de Maduro é quase total, inclusive entre os apoiadores do chavismo", avalia o cientista politico e especialista em politica da Venezuela William Clavijo Vitto.

Clavijo ainda explica que, as atuais medidas tomadas pelo autocrata foram "calculadas". "Para Maduro e seus colaboradores, os custos de sair do poder são mais altos do que o de se manter através do autoritarismo", pontua o especialista. Além de classificar seus principais opositores inelegíveis, o autocrata ordenou, nesta semana, a retirada de membros da Organização das Nações Unidas (ONU) do país.

Para a psicóloga Merlina Saudade, venezuelana que vive no Brasil há sete anos, a retirada de agentes da ONU do país deixa a situação política na Venezuela ainda mais instável. "É uma decisão perigosa porque, de alguma forma, esses observadores internacionais mediavam as negociações entre o governo e a oposição e davam algum tipo de sensação de segurança para quem está lutando pelos direitos dos venezuelanos", avalia.

Instabilidade política na Venezuela

Há mais de 20 anos o país é governado por um modelo autocrático imposto por Hugo Chávez, considerado o responsável por implementar o regime ditatorial que o país ainda enfrenta nos dias de hoje. Chávez esteve à frente da Venezuela por 14 anos e deixou o posto para seu vice, Nicolás Maduro, em 2014, quando morreu em decorrência de um câncer.

Maduro, então, manteve este modelo após a morte de Chávez. Com governos marcados pela perseguição e morte a opositores, colocaram a Venezuela no centro de discussões internacionais. Com a intenção de pressionar esses ditadores a adotarem um modelo de governo democrático, países europeus e dos Estados Unidos impuseram uma série de sanções à Venezuela. O que não surtiu em efeitos concretos.

Lula, que foi um grande amigo de Chávez, sempre se manteve próximo da Venezuela. A aproximação se deu pela identificação ideológica ente os dois e os interesses pela agenda progressista. Com sua morte, o petista tentou manter este laço com Maduro e, nos últimos meses, ficou ainda mais claro as tentativas de Lula em estender a mão ao "companheiro" venezuelano.

Em maio de 2023, Maduro foi recebido com honrarias de chefe de Estado por Lula no Brasil às margens da Cúpula da América do Sul. O brasileiro ainda saiu em defesa do autocrata e disse que o venezuelano era "vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo". Lula ainda atuou para reinserir Maduro aos fóruns internacionais e tentou intermediar sua entrada aos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Ainda no último ano, Lula escalou seu assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, para intermediar, junto a Caracas, um acordo com os Estados Unidos. Washington concordou em aliviar os embargos ao país desde que a Venezuela se comprometesse a fazer eleições democráticas e seguras. Maduro, contudo, não tem cumprido sua parte do acordo.

Enquanto empresas norte-americanas voltaram a fazer negócios com empresas venezuelanas, o governo do país tornou os principais opositores de Maduro inelegíveis. A prisão de Rocío San Miguel, venezuelana ativista dos direitos humanos e crítica de Maduro, voltou a reacender a crise democrática no país. Tudo isso ainda se soma à imposição de retirada da ONU do país.

O silêncio do Brasil

Apesar de Lula ter saído em defesa de Maduro em diversas oportunidades nos últimos meses, o petista tem se mantido em silêncio sobre os últimos acontecimentos no país vizinho. O silêncio pode ser motivado pelo receio de estremecer a relação bilateral ou pela cautela após as diversas declarações contraditórias que já fez sobre Maduro e seu regime.

Tal postura, não tem agradado aos venezuelanos que vivem no Brasil. "Não deixa de ser irônico seu foco em problemas um pouco distantes da realidade latino-americana (Israel e Ucrânia) e a falta de interesse pelo que acontece tão perto do Brasil", pontua Pérez que ainda tem familiares que moram na Venezuela.

"Não é fácil tratar com ditaduras. Nunca é. Entendo que o Brasil tem objetivos pragmáticos e que precisa de manter relações com a Venezuela. Mas isso é diferente de tentar "passar pano" ou de melhorar a imagem da Venezuela, principalmente com tantos migrantes venezuelanos no Brasil e que agora também são cidadãos deste país", analisa o sociólogo Guillermo Pérez.

Para o cientista politico e especialista em politica da Venezuela William Clavijo Vitto, que migrou de Caracas para o Brasil, o governo brasileiro pode ser um agente mais ativo nos problemas venezuelanos. "Se o governo Lula quiser desempenhar um papel proativa e construtivo na busca por solução pacífica e que permita o retorno da Venezuela aos trilhos democráticos, ele poderia desempenhar um papel importante, intermediando e sendo um canal de diálogo e de confiança no entorno de Maduro", avalia.

O especialista também explica que para que isso aconteça, é preciso que exista um espaço para essa atuação. "O governo do presidente Lula poderia desempenhar esse papel [de intermediar eleições democráticas na Venezuela], mas o que eu observo, infelizmente, é que essa condições não estão dadas, pelo menos por enquanto. O que se enxerga é o desejo de Maduro se manter no poder de forma arbitrária", pontua Clavijo.

Apesar disso, o especialista pontua que é necessário o Brasil tomar medidas eficazes quanto aos problemas bilaterais com a Venezuela. "Não há um consenso regional sobre o que se fazer com Maduro ou com a situação na Venezuela, mas o Brasil precisa focar na defesa e nos interesses nacionais, isso toca na questão da Fronteira, na questão do pagamento da dívida e no atendimento a brasileiros que estão na Venezuela, essas deveriam ser as prioridades", reflete o especialista.

Levantamento feito pela Gazeta do Povo em setembro de 2023, mostrou que a dívida de Caracas com o Brasil ultrapassa o valor de US$ 1,3 bilhão. No último ano, o Ministério da Fazenda e outros órgão do governo tentaram realizar reuniões com a Venezuela com o intuito de negociar o pagamento do débito, mas sem retornos positivos.

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