Em 3 de março, o ministro da Economia, Paulo Guedes, esperava transformar os atos convocados para o dia 15 daquele mês em um evento pró-reformas. Ele almoçou com diversos representantes de movimentos como o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre (MBL) e pediu apoio popular a um conjunto de propostas, entre elas as reformas administrativa e tributária. “Temos 15 semanas para mudar o Brasil”, disse Guedes, segundo relatos de participantes do encontro.
Uma semana depois, o ministro encaminhou um ofício aos presidentes da Câmara e do Senado pedindo celeridade e aprovação de 19 projetos considerados prioritários pela equipe econômica para transformar o Brasil. Guedes escreveu que as propostas tinham “a capacidade de proteger o Brasil da crise externa”, "recuperar espaço fiscal suficiente para a concessão de outros estímulos à economia” e “aumentar a segurança jurídica para os negócios e atrair investimentos".
Mas, àquela altura, o coronavírus já tomava cada vez mais a forma de uma pandemia que pararia o país. E parou. O próprio Ministério da Economia teve que se reinventar e passar de uma pasta focada em desenhar reformas para uma pasta que agisse rápido e anunciasse medidas emergenciais. Um grupo de monitoramento dos impactos econômicos da pandemia da Covid-19 foi montado dentro do ministério com essa missão.
Medidas começaram a ser anunciadas a cada 48 horas, mesmo que sua implementação viesse a ocorrer semanas depois. As resistências iniciais em aumentar o gasto público foram dando espaço a um conjunto de créditos extraordinários para bancar um amplo leque de ações emergenciais. E as sessões plenárias do Congresso, que antes funcionavam de terça a quinta, passaram a aprovar as medidas emergenciais remotamente e até mesmo aos fins de semana.
Passadas as 15 semanas citadas por Paulo Guedes, o Congresso aprovou em tempo recorde inúmeros projetos de leis e medidas provisórias. O governo já gastou R$ 135,8 bilhões dos R$ 404,5 bilhões previstos até o momento para preservar empregos, manter empresas e garantir renda aos mais suscetíveis à crise. E o Banco Central e os bancos públicos liberaram bilhões de reais em crédito, mesmo que uma parte ínfima ainda tenha de fato chegado à ponta.
Agenda de reformas deve voltar no 2.º semestre
Só que a agenda de reformas não ficou esquecida. Em meio às medidas de flexibilização da quarentena, o governo e o Congresso entendem que o Brasil precisa olhar para frente e voltar a discutir as propostas, até para se recuperar da crise.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que a economia vai encolher 7,4% neste ano, podendo chegar a 9,1% se tivermos uma segunda onda de Covid-19. Qualquer desses resultados seria o pior em 120 anos. E a recuperação não deverá ser em V, como mencionou o ministro Paulo Guedes: será “parcial e gradual” a partir de 2021, segundo a organização.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), manifestou que sua prioridade número um para o segundo semestre é a reforma tributária. Ele pensa em retomar os trabalhos de discussão sobre o texto a partir de julho, mesmo que virtualmente.
O governo, além de aprovar a tributária, quer dar celeridade a uma série de marcos leais, à nova lei de falências, à autonomia do Banco Central, ao projeto que autoriza a privatização da Eletrobras e às PECs do pacto federativo, só para citar alguns exemplos.
Ou seja, o desejo da equipe econômica é que o Congresso volte a discutir os 19 projetos prioritários, citados lá no início da crise do coronavírus. É uma nova chance para colocar em prática o que o ministro Paulo Guedes chamou de “15 semanas para mudar o Brasil”.
O que dizem especialistas
Especialistas, contudo, divergem se o caminho ideal para o pós-pandemia é retomar a agenda de reformas ou adaptar às propostas.
Luciano Nakabashi, doutor em Economia e professor da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto, da USP (FEA-RP/USP), diz que é muito importante o governo manter a sua agenda, ainda mais agora que o país vai aumentar o seu endividamento para bancar as ações de combate à Covid-19, deteriorando ainda mais as contas públicas.
O Ministério da Economia projeta rombo de R$ 540,5 bilhões para as contas do governo central em 2020, número que seguramente ficará maior, pois ainda não conta com a prorrogação do auxílio emergencial e dos R$ 60 bilhões de ajuda a estados e municípios.
Guilherme Tinoco, mestre em macroeconomia e especialista em finanças públicas, acredita que a pandemia muda bastante o quadro. “Por um lado, você tem mais necessidade de faz reformas, de fazer a economia crescer, pois o Brasil perdeu muita renda, e o caminho sem dúvida é fazer reforma estrutural. Por outro lado, o governo perdeu popularidade com a gestão dessa crise do coronavírus e pode ser que venha a perder ainda mais”, explica.
Newton Marques, doutor em Economia e professor licenciado da Universidade de Brasília (UnB), considera que o ideal é que o governo e o Congresso mudem a agenda. “Agora a terra está arrasada. Do que adiante falar em reformas se a economia não vai se recuperar? Não dá para retomar essa discussão sem resolver os gargalos [gerados pela crise do coronavírus]”, afirma o professor.
Para ele, o maior desafio do pós-pandemia será resolver o elevado índice de endividamento das pessoas e das empresas, além da situação financeira frágil dos estados e municípios. “O governo vai ajudar essas empresas que sobreviveram e aquelas que quebraram? Governo vai perdoar dívida? Governo vai bancar a dívida, caindo no colo do Tesouro?”, questiona. “O consumidor não vai consumir porque está endividado e a empresa não vai sobreviver porque também está endividada”, completa Marques.
Nakabashi diz que ainda estamos pagando a recessão de 2014-2016 justamente por demorar a tirar do papel as propostas estruturantes. “Essa trajetória [de reformas] é importante para uma retomada mais sólida da economia. Nos anos 2000, tivemos elevado crescimento, mas poucas reformas. E a crise de 2014 ainda estamos pagando porque teve falta de ação em reformar o setor público.”
Para o professor da USP, é importante que o governo e o Congresso foquem em reformas que de fato reduzam a burocracia, aumentem a produtividade e facilitem o ambiente de negócios para atrair investimentos. Nesse sentido, ele cita como primordiais a reforma tributária e a aprovação de marcos legais.
Guilherme Tinoco concorda que o essencial é focar em projetos que aumentem a produtividade do país, como a reforma tributária e o marco do saneamento. Mas alerta que, apesar de necessário, não será nada fácil tocar a agenda de reformas daqui adiante.
“Ao ano passado já foi difícil [aprovar a reforma da Previdência]. Esse ano é ainda mais desafiador para essa agenda começar a andar, porque o clima não está bom, os Poderes estão brigando entre si e, mesmo com uma base maior no Congresso [o presidente Jair Bolsonaro se aliou a parte do Centrão], tem o fator popularidade, que está em baixa”, diz o especialista.
“Quando você está com uma agenda ambiental confusa, agenda de saúde confusa e presidente brigando com os Poderes, você diminui as chances de você crescer, mesmo com as reformas. Talvez o governo devesse concentrar em diminuir um pouco a tensão. Com isso, ainda que as reformas não passem agora e passem só no ano que vem, o governo mostra uma unidade [o que tende a aumentar a confiança na economia brasileira]”, explica Tinoco.
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