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Governabilidade em risco

2024: como será o segundo ano da “coabitação” de Lira e Lula no poder

Lula Lira
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), terão em 2024 mais um ano de partilha do poder (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados.)

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Em 2024, seu último ano na Presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) deverá consolidar a peculiar coabitação de poder com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), testada ao longo deste ano perto do fim. Sem maioria sólida entre os deputados, Lula viu-se obrigado a ceder verbas e postos de comando na máquina administrativa, sempre com a intermediação de Lira, em prol da governabilidade. Esse processo tende a se intensificar logo nos primeiros meses do ano, o que deve incluir uma reforma ministerial para acomodar mais indicados pelo Centrão e para atender às crescentes pressões trazidas pelo calendário eleitoral.

A gradual transferência da agenda política e de parcelas do Orçamento da União das mãos de Lula para o Congresso endossou a comparação que políticos e analistas fazem do Lula 3 à situação presente no presidencialismo francês, na qual o chefe de Executivo partilha poder com um primeiro-ministro de outra ideologia, emergido da posição majoritária na aliança de partidos no Parlamento. A perda de poderes do presidente da República para a sua convivência com forças opostas no âmbito das decisões nacionais foi batizada na França de “cohabitation” (coabitação). No Brasil, Lira assumiu o papel desse indesejado mas necessário "primeiro-ministro".

Segundo o cientista político Antonio Lavareda, diante da predominância dos quase 300 deputados do Centrão na Câmara, a pauta legislativa está sujeita ao bloco informal encabeçado por Lira, reeleito em fevereiro por inéditos 464 votos (90,5%) dos 512 colegas. O sucesso de Lula segue dependente dos fiéis apoiadores – PT e partidos de esquerda –, de aliados do centro (MDB e PSD) e de representantes da direita pragmática, descolada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “O arranjo híbrido de parlamentarismo e presidencialismo parece então inevitável diante dessa conjuntura”, disse.

Para Lavareda, falta pouco para a coabitação ser oficializada. “Ela ainda não ocorre de todo, mas o sistema político avança na sua direção. O Congresso tem dado a palavra final em tudo, restando ditar políticas em áreas como Educação e Saúde”, observou. Mas para o consultor João Henrique Hummel, da Action Relações Governamentais, até essas áreas foram incorporadas à batuta parlamentar. Prova disso é que a reforma do ensino médio, enviada pelo governo à Câmara em outubro, está sendo relatada pelo ex-ministro da Educação de Michel Temer, Mendonça Filho (União-PE), num sinal claro de resistência às mudanças no modelo já aprovado pelo Congresso.

Diante desse quadro, Hummel aponta a tendência de deslocamento das negociações dos setores econômicos, antes concentradas em gabinetes ministeriais, para as comissões temáticas da Câmara e do Senado. “É algo que tem deixado mais transparente a disputa de interesse da sociedade em torno de políticas públicas e marcos regulatórios”, disse. Essa foi a razão pela qual, entende o especialista, predominou a medida da desoneração da folha de salários de 17 setores, com veto presidencial sendo derrubado. “De igual maneira, a agenda de costumes do governo não avança, nem mesmo suas tentativas de minar a economia com recuos em reformas e marcos”, observou.

Festejada pelo governo, reforma tributária é trunfo da Câmara

O primeiro ano da coabitação foi marcado pela promulgação da reforma tributária pelo Congresso, no último dia 20 de dezembro. Após décadas de discussões na Câmara e no Senado, a aprovação da medida foi comemorada pelo governo, embora na prática seja uma “consagração do Congresso Nacional”, nas palavras de Lira. “A reforma não nasceu da vontade de um governo. E sim de intensa negociação política, de diálogo permanente entre nós, parlamentares, com diversos setores da sociedade brasileira”, frisou.

O condutor da Câmara segue com sua agenda, que pode incluir a realização de uma Reforma Administrativa para obrigar o governo a cortar gastos. Aparentemente, ele quer ampliar seu legado antes de deixar a presidência da Câmara em fevereiro de 2025.

A coabitação que garante governabilidade ao PT é também a mesma que assusta alguns de seus principais líderes, temerosos de novos revesses no horizonte eleitoral. “A direita vai nos dar um tranco. Estamos agora nessa negociação com o Lira, mas, se nós formos derrotados em 2024, eles vão tomar mais um naco do governo. Já existe governo de coabitação no Brasil. Além do poder real da maioria no parlamento de direita, tem as emendas impositivas ao Orçamento”, analisou o ex-homem forte da legenda, José Dirceu, durante reunião recente de uma tendência interna do partido.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse à militância recentemente que caso a queda de popularidade de Lula se acentue, o seu mandato acabará por ser “engolido” pelo Congresso, que já avança sobre o Orçamento da União. Contra a perspectiva, ela e outros líderes da legenda se colocam abertamente contra a meta fiscal proposta pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) para gastar mais em ano eleitoral e, assim, eleger prefeitos e vereadores aliados.

Projetos para conter ativismo judicial desafiam agenda de Lira

Na agenda da Câmara no segundo ano da coabitação está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada pelo Senado e sob análise dos deputados. Há ainda no campo das iniciativas para conter o ativismo judicial o pedido para abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar casos de abuso de autoridade. Lira tem evitado dar respaldo a essas matérias polêmicas que também contrariam interesses do governo, mas terá dificuldade de contorná-las.

Ao encerrar 2023, Lula consolidou dependência significativa do Senado e de negociações diretas com Lira e com o Centrão. A expectativa de crescimento das adesões ao governo na Câmara, em alta no fim do primeiro semestre, foi frustrada pela complexidade da articulação política. O desafio vindouro para ele envolve perspectiva de crescimento econômico abaixo das expectativas e possíveis impactos sobre o ajuste fiscal. Por outro lado, a relação entre Executivo e Judiciário atingiu o seu auge, transformando-se em ativo crucial para a governabilidade, dentro de um presidencialismo de judicialização.

O STF assumiu, nas palavras do ministro Dias Toffoli, papel de poder moderador da República, legislando, ditando linhas de ação e cobrindo-se de natureza política. Um sinal sintomático dessa investidura foi o discurso de posse do novo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, no fim de setembro, como que apresentando plataforma de governo. Ele listou como alvos o combate à pobreza; o desenvolvimento sustentável; a prioridade para a educação básica; investimento em ciência e tecnologia; investimento em saneamento básico e habitação popular; entre outros.

No próximo ano, também poderá voltar à pauta da Câmara o Projeto das Fake News (ou da Censura, como prefere a oposição), prioridade absoluta do governo, que tem como objetivo regulamentar as grandes plataformas de redes sociais (big techs). Sob responsabilidade dos deputados também há uma série regulamentações de artigos da reforma tributária, com prazo para o governo apresentar propostas, o que não impede de parlamentares também fazem as suas.

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