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Os grupos que se mobilizam para realizar um protesto contra a cassação do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), no próximo domingo, 4 de junho, têm preparado os manifestantes para impedir qualquer conduta, mensagem ou movimentação que abra brecha para a criminalização do ato, como se deu com a manifestação do 8 de janeiro, que descambou para a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Para evitar qualquer semelhança com o episódio, os movimentos pró-Dallagnol decidiram não realizar o ato na capital federal, e pretendem fazer atos em outras 10 capitais. O lema de todos será “Democracia, Justiça e Liberdade”, e há um esforço para evitar participação de grupos que defendam intervenção militar, fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, os organizadores têm mantido contato com as polícias, para garantir a presença de agentes de segurança, definir bem o trajeto e até adotar um protocolo para a possibilidade de infiltrados, como black blocs, aderirem aos protestos para cometer atos de vandalismo e violência e assim mancharem os propósitos da manifestação.
“Nas primeiras reuniões, a gente proibiu que as pessoas levem cartaz pedindo intervenção militar, fechamento do Congresso e STF, palavras de baixo calão e xingamentos”, diz Cristina Leal, do movimento Olho no Congresso Brasil, que apoia e tem ligações com Dallagnol.
“A gente quer reiniciar o processo de volta à ruas. As pessoas estão amedrontadas, com razão, o que aconteceu em janeiro assustou demais. As pessoas estão com medo até de postar. A manifestação é para trazer as pessoas de volta para as ruas, de forma pacífica e para buscar soluções para o país”, diz Cristina.
O grupo dela deverá se reunir com Vem Pra Rua, Fora Corruptos, Grita, União Jovem, Mulheres com Moro e Partido Novo na Avenida Paulista, em São Paulo, por volta das 10h de domingo, para uma caminhada. Ao final, haverá um ato simbólico em referência aos 345 mil votos que Dallagnol recebeu no Paraná e foram invalidados com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Se algum vândalo aparecer, ou se alguém armar alguma confusão ou briga, a ordem é que todos fiquem sentados, para que a polícia possa rapidamente identificar e prender o agressor.
Além de criticar a cassação de Deltan Dallagnol, os manifestantes deverão protestar contra a censura praticada pela Justiça, bem como perseguições a outras lideranças da direita, como Sergio Moro (União-PR), denunciado no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa de uma brincadeira sobre Gilmar Mendes e que também corre o risco de ser cassado. Faixas contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não estarão proibidas, mas não serão o foco.
Além de São Paulo, há protestos programados para Vitória (ES), Goiânia (GO), Campo Grande (MS), Belém (PA), Recife (PE), Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), e Curitiba (PR), que deve ser o maior, além de mais cinco cidades no interior de Santa Catarina: Criciúma, Balneário Camboriú, Palhoça, Jaraguá do Sul e Joinville.
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Brasília não terá manifestação pró-Dallagnol
Os movimentos decidiram não realizar um ato em Brasília não só pelo trauma de 8 de janeiro, mas também porque a logística e organização para atos na Esplanada dos Ministérios se tornou mais difícil junto à Secretaria de Segurança. “Tinha ter pelo menos 5 mil pessoas e por estar em cima da hora, e sem a garantia da Secretaria de Segurança Pública, optamos por não fazer”, diz Lucas Tomas, do grupo União, Juventude e Liberdade.
Ele também diz que, desde antes da divulgação dos atos, houve preocupação entre os organizadores para impedir a participação de “extremistas”. Sempre houve a conversa com os movimentos, que a gente imaginava convidar, que sempre apoiaram a democracia, nunca com ataques. Existem algumas discordâncias, mas isso faz parte. Mas deixamos claro que qualquer tipo de manifestação deixaria bem claro o apreço pela pauta da "Democracia, Justiça e Liberdade". Sem intervenção de extremistas, para que não tenha esse tipo de pessoa”.
Apesar de não estar previsto um ato com pessoas, os organizadores avaliam se será possível ao menos pendurar uma faixa contra a cassação de Dallagnol em algum viaduto de Brasília.
O cuidado maior se deve ao rigor com que o ministro Alexandre de Moraes e outros colegas do STF passaram a avaliar manifestações de rua após o 8 de janeiro. Na decisão que tornou réus manifestantes que estavam em frente ao Quartel General do Exército, e que, em tese, não participaram da invasão e depredação das sedes dos Poderes, Moraes destacou que eles queriam “modificar abruptamente o regime vigente e o Estado de Direito”, bem como “insuflar as Forças Armadas à tomada do poder e a população, à subversão da ordem política e social, gerando, ainda, animosidades entre as Forças Armadas e a instituições republicanas”.
Para analistas consultados pela reportagem, são manifestações com esse teor que estão proibidas pelo STF. O próprio Moraes, no voto de recebimento da denúncia, afirmou que “não é qualquer manifestação crítica que poderá ser tipificada”. “A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva”, escreveu o ministro.
Ele explicitou que são criminosas as manifestações que buscam destruir as “instituições republicanas pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito à Separação de Poderes e aos direitos fundamentais, em suma, pleiteando a tirania, o arbítrio, a violência e a quebra dos princípios republicanos”.
O defensor público da União Gustavo de Almeida Ribeiro, que defende vários réus do 8 de janeiro, avalia que os ministros do STF estarão atentos à manifestação de 4 junho. Mas ele entende que se forem manifestadas apenas críticas, ainda que a uma decisão do TSE, não há qualquer problema. Mas se houver ameaças, há o risco de imputações criminais, como por exemplo alguém portando faixas com ‘morte a fulano’, ‘tem que quebrar tudo’ ou pessoas pregando a destruição do tribunal. "Crítica e vaia, não. Mas palavras no sentido de pregar violência contra o relator do caso Deltan, sim, pode gerar algum tipo de enquadramento penal", resume.
Bruno Jordano, advogado que também atua na defesa de réus do 8 de janeiro, lembra que o direito a manifestações pacíficas e comunicadas à polícia são garantidas pela Constituição. “Penso que a manifestação, desde que seja pacífica, sem armas, em local público, não pode ser confundida propositalmente, nem ter interpretação extensiva, para criminalizá-la. Se não, estaríamos suprimindo o que diz o texto constitucional. A manifestação em apoio ao Deltan é legítima, por mais que vá de encontro a decisão judicial”, afirma.
O horário do ato na Avenida Paulista passou das 14h para às 10h de domingo.
Atualizado em 02/06/2023 às 13:13