Ao longo dos cinco primeiros meses de mandato, o governo Jair Bolsonaro apresentou uma série de propostas no setor de segurança pública. Uma delas, que ainda não passou pelo Congresso Nacional, é um pacote anticrime, que prevê uma série de mudanças na legislação com o objetivo de atacar o crime organizado. Outras quatro iniciativas atacam mais diretamente o crime de contrabando. Conheça abaixo cada uma dessas propostas.
1) Pacote anticrime
No início de fevereiro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, apresentou uma proposta de lei anticrime, que altera pontos de 14 leis diferentes. O pacote tem 19 diferentes objetivos, que atuam no ataque a três problemas: corrupção, crime organizado e crimes violentos. Com relação ao crime organizado, o projeto pretende alterar a legislação de forma que todos os condenados reincidentes ou com indícios de “conduta criminal habitual, reiterada ou profissional” cumpram pena em regime fechado, desde o início.
O projeto também define que líderes de facões armadas comecem a cumprir pena em presídios de segurança máxima. E altera o conceito de organização criminosa, incluindo na definição as associações que “se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo” para cometer crimes.
2) Centro Integrado de Operações de Fronteira
Ao fim de março, o ministro Sergio Moro publicou uma portaria que cria um grupo de trabalho com o objetivo de apresentar o projeto de instalar um centro de operações em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira com Argentina e Paraguai.
O grupo de trabalho vai detalhar a proposta, mas a ideia é que o centro reúna, num único local, autoridades de todos os órgãos envolvidos com as operações de ataque ao contrabando e ao descaminho, incluindo Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Secretaria Nacional de Segurança Pública, Departamento de Recuperação de Ativos e as polícias Civil e Militar.
3) Centro Integrado de Inteligência Nacional
A fim de reunir informações de diferentes órgãos, de todas as regiões do Brasil, o ministro Sergio Moro e o secretário de Operações Integradas, Rosalvo Ferreira Franco, inauguraram no início de maio o Centro Integrado de Inteligência Nacional.
Cada uma das regiões do país vai ganhar seu próprio centro integrado, com o objetivo de aumentar a eficiência no combate ao crime organizado e ao tráfico de armas e drogas. Como informa o ministério, o centro vai “elaborar diretrizes para garantir que os Centros Regionais sejam estabelecidos e operados de forma consistente, resultando em esforços de coordenação, parcerias reforçadas e melhorias de capacidades no combate ao crime organizado.
Além disso, ajudarão os administradores a desenvolver políticas, gerenciar recursos e avaliar os serviços associados ao centro integrado”.
4) Redução dos impostos para os cigarros
Em 23 de março, Sergio Moro lançou a portaria 263, determinando a criação de um grupo de trabalho para, como afirma o texto, “avaliar a conveniência e oportunidade da redução da tributação de cigarros fabricados no Brasil e, assim, diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à saúde dele decorrentes”. O grupo vai realizar estudos sobre a tributação de cigarros fabricados no Brasil e propor mudanças na política fiscal e tributária para esses produtos.
A iniciativa provocou polêmica, porque a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que o aumento de impostos sobre o cigarro tem resultados diretos na redução do consumo – e o Brasil é signatário de um tratado da OMS que tem por objetivo limitar o comércio do produto.
Mas duas entidades que estudam o problema do contrabando concordam com a iniciativa. Consideram que, com o aumento dos impostos, o consumo não diminuiu, mas apenas migrou para produtos importados, de qualidade inferior e que não pagam impostos.
“É uma iniciativa inteligente, porque ataca uma das pontas do mercado ilícito, a do consumo”, diz Edson Luiz Vismona, presidente do ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). “Reduzir o preço do cigarro brasileiro pode ser a medida mais eficiente de todas, porque desestimula os grupos criminosos a trazerem o produto ao Brasil”.
O argumento é reforçado pelo economista Luciano Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf): “Reduzir o preço do cigarro brasileiro pode ser a medida mais eficiente de todas, porque desestimula os grupos criminosos a trazerem o produto ao Brasil”.
Mas Edson Vismona aponta que, considerando o tratado com a OMS, mais eficiente seria convencer o país que mais envia cigarros ilegais para o Brasil a mudar sua própria política tarifária. “Queremos que o Paraguai aumente seus impostos sobre o cigarro”, afirma. De fato, enquanto o Brasil cobra 71% de impostos sobre cigarros, no Paraguai a taxação é de apenas 16%.
5) Cassação da CNH de contrabandistas
Logo nos primeiros dias de mandato, em dez de janeiro, o presidente sancionou a Lei 13.804/19 que prevê a cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) aos motoristas que utilizarem quaisquer tipos de veículos para cometer os crimes de receptação, contrabando e descaminho.
O texto altera o Código Brasileiro de Trânsito e determina que condutores condenados não poderão voltar a dirigir por cinco anos. O texto foi herdado do governo anterior – o projeto, de autoria do deputado Efraim Filho (DEM-PB), presidente da Frente Parlamentar de Combate ao Contrabando havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados em 13 de dezembro.
Entenda a diferença entre contrabando e descaminho
Faz cinco anos que, do ponto de vista legal, contrabando e descaminho são crimes diferentes. A Lei 13.008, de 26/06/2014, atualiza a legislação sobre o assunto, que era datada de 1940. Segundo o novo texto, descaminho é um crime cometido contra a ordem tributária, com pena de 1 a 4 anos – a punição dobra caso o crime seja praticado utilizando aviões ou embarcações de mar e rio.
Descaminho é não pagar os impostos devidos por um produto vindo do exterior. Já contrabando é um crime mais grave, cometido por quem importa ou exporta mercadoria proibida. A pena para contrabando é de 2 a 5 anos. Por ter pena máxima superior a quatro anos, o crime permite que a polícia faça prisão preventiva de suspeitos. Também nesse caso, a pena dobra para quem usa embarcações aéreas e marítimas.
Como explica o estudo "Impacto do contrabando e descaminho na economia brasileira", produzido por pesquisadores da União da Faculdade dos Grandes Lagos, a legislação desmembra o contrabando em diferentes atividades: comete o crime “quem ‘importa ou exporta clandestinamente mercadoria que depende de registro, análise ou autorização de órgão competente’; ‘reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à importação’; ‘vende, expõe à venda, mantêm em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira’; ‘adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida por lei brasileira’”.