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O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, foi denunciado à ONG Me Too Brasil por supostos episódios de assédio sexual. O caso veio a público nesta quinta-feira, em reportagem do jornal Metrópoles, que cita a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, como uma das supostas vítimas. Almeida repudiou as acusações, que classificou como “mentiras”.
Diante das denúncias, a permanência de Almeida no cargo é incerta. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta sexta-feira (6), em entrevista à Rádio Difusora de Goiânia, que pode demitir o ministro se as acusações forem comprovadas. No entanto, Lula afirmou que vai ouvir os envolvidos antes de tomar uma atitude. Ele deve voltar à Brasília na tarde desta sexta para conversar com seus dois ministros. Enquanto Lula não se posiciona, a oposição pressiona pelo afastamento da Almeida.
O caso deve ser investigado pela Comissão de Ética da Presidência da República e pela Polícia Federal. A seguir, entenda as acusações e repercussões do caso em 7 pontos.
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1. Quais são as acusações contra o ministro e como elas vieram a público?
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida está sendo acusado de assédio sexual contra a ministra Anielle Franco e outras integrantes do governo federal.
As denúncias contra o ministro vieram a público por meio de uma organização que acolhe vítimas de violência sexual, a Me Too Brasil. Em nota divulgada pela Folha de São Paulo, a Me Too Brasil afirmou que recebeu relatos contra o ministro, mas não divulgou os nomes das denunciantes, que pediram anonimato. Segundo a entidade, os episódios teriam acontecido no ano passado.
"A organização de defesa das mulheres vítimas de violência sexual, Me Too Brasil, confirma, com o consentimento das vítimas, que recebeu denúncias de assédio sexual contra o ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos. Elas foram atendidas por meio dos canais de atendimento da organização e receberam acolhimento psicológico e jurídico", diz a nota.
Conforme apuração do site Metrópoles, que ouviu 14 pessoas do governo e ligadas a Anielle, os supostos abusos teriam envolvido “toque nas pernas da ministra”, “beijos inapropriados” e uso de “expressões chulas, com conteúdo sexual”.
A ONG Me Too disse que a confirmação do caso para a imprensa foi autorizada pelas denunciantes após elas enfrentarem "dificuldades em obter apoio institucional", mas não informou do que se tratam as acusações.
2. Como o ministro Silvio Almeida se defendeu e o que disse o Ministério dos Direitos Humanos?
O ministro Silvio Almeida negou todas as acusações e disse que as denúncias “são ilações absurdas” que teriam o intuito de prejudicá-lo. “Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim”, disse o ministro em nota publicada no site oficial do ministério comandado por ele.
Silvio Almeida ainda apontou que as acusações seriam falsas, configurando “denunciação caluniosa” conforme previsto no Código Penal. Ele indicou ainda que “há uma campanha” para afetar a sua imagem “enquanto homem negro em posição de destaque no Poder Público”.
"Toda e qualquer denúncia deve ter materialidade. Entretanto, o que percebo são ilações absurdas com o único intuito de me prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro", disse.
"Toda e qualquer denúncia deve ser investigada com todo o rigor da Lei, mas para tanto é preciso que os fatos sejam expostos para serem apurados e processados. E não apenas baseados em mentiras, sem provas", continuou (veja a nota na íntegra mais abaixo).
A mulher de Silvio Almeida, Ednéia Carvalho, saiu em defesa do marido e repudiou o que classifica como “ataques baseados em mentiras, ressentimento e racismo” contra ele e “sua equipe ministerial”.
Ainda na quinta à noite, o ministério dos Direitos Humanos afirmou que as denúncias de assédio sexual contra o ministro Silvio Almeida seriam uma tentativa de interferência da ONG Me Too Brasil no processo de licitação para a gestão do Disque 100, após a separação do Ligue 180 em relação ao Ministério das Mulheres.
Segundo a pasta, a ONG teria solicitado mudanças no processo que configuraria um “conflito de interesses” e que essas tentativas aconteceram durante reuniões com a advogada da Me Too e as gestoras da Coordenação-Geral do Disque 100.
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3. O que diz Anielle Franco?
Até o meio-dia desta sexta-feira, nem o Ministério da Igualdade Racial, nem a ministra Anielle Franco se manifestaram sobre as denúncias. A Gazeta do Povo tentou contato com o ministério comandado por Anielle, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
4. Qual foi a reação da presidência?
Em nota divulgada ainda na noite de quinta-feira, o governo federal reconheceu a gravidade das denúncias e disse que o caso será tratado “com o rigor e a celeridade que situações que envolvem possíveis violências contra as mulheres exigem”.
Poucas horas depois da veiculação das denúncias, a primeira-dama Janja Lula da Silva postou uma foto com a ministra Anielle Franco em suas redes sociais, demonstrando apoio.
Lula, por sua vez, disse que pode demitir o ministro se as denúncias forem comprovadas. “Alguém que pratica assédio não vai ficar no governo”, disse ressaltando que não pode tomar uma decisão antes de ouvir os envolvidos, e que colocou diversos órgãos para apurar as denúncias. “Eu só tenho que ter o bom senso que a gente permita o direito à defesa, a presunção de inocência, de direito de se defender”, disse Lula na entrevista à rádio de Goiânia.
5. Quem está investigando o caso?
A Comissão de Ética da Presidência da República está investigando as denúncias de assedio sexual contra Almeida, no âmbito do governo, e a Polícia Federal confirmou à Gazeta do Povo que também vai apurar o caso.
Na noite de quinta-feira (5), o Ministério dos Direitos Humanos divulgou nota afirmando que Almeida encaminhou ofícios para a Controladoria Geral da União (CGU), ao Ministério da Justiça e à Procuradoria Geral da República (PGR) para que o caso seja apurado. O ministro quer que seja investigada possível "denunciação caluniosa" contra ele.
Consultada na manhã desta sexta-feira (6), a CGU afirmou que ainda não recebeu o ofício mencionado, tampouco teria recebido denúncias contra o ministro. Por meio de sua assessoria, a CGU afirmou que não tem competência em casos envolvendo ministros ou o presidente da República e que apura somente casos que envolvem servidores públicos.
A Gazeta do Povo procurou a PGR para saber se analisará o caso, mas sem retorno até o fechamento desta matéria.
6. Qual foi a reação do mundo político?
A oposição tem pedido o afastamento do ministro Silvio Almeida para que as denúncias sejam devidamente apuradas. A senadora Damares (Republicanos-DF) e os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ) fizeram publicações nas redes sociais para falar sobre o assunto.
Para Damares, que foi ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o governo Lula está sendo conivente com o suposto assédio praticado por Almeida. Ela também se solidarizou com Anielle Franco e disse que a ministra da Igualdade Racial merece respeito.
O senador Flávio Bolsonaro disse que Almeida teria pensado que poderia se utilizar do cargo de ministro para esconder o suposto caso de assédio. Para ele, "agora a casa caiu". Ele ainda se referiu ao episódio como "nojento demais".
Nogueira ironizou. "Se o ministro dos Direitos Humanos continuar no cargo após assediar mulheres e até ministra da 'Igualdade Racial', Lula vai decretar que em seu governo assédio é direito humano? Deve ser o assédio do bem...", disse o senador.
Em nota a senadora Leila Barros (PDT-DF), falou sobre a gravidade das denúncias e também pediu que o caso seja investigado. "É fundamental que o caso seja investigado de forma célere, transparente e imparcial, garantindo o direito à ampla defesa, mas, sobretudo, assegurando que as vozes das mulheres envolvidas sejam ouvidas e respeitadas”.
7. Como entidades ligadas ao movimento negro se manifestaram?
Duas entidades ligadas ao movimento negro se dividiram ao tratar do caso. A Coalizão Negra por Direitos focou sua declaração em se solidarizar com as supostas vítimas, e em especial, com a ministra Anielle Franco. Já o Instituto Luiz Gama apoiou o ministro e descredibilizou a ONG responsável por receber as denúncias.
A Coalizão Negra por Direitos, formada por entidades ligadas ao movimento negro no país, se solidarizou com Anielle e as “demais mulheres vítimas de violências de gênero”, por meio de nota divulgada nas redes sociais. “Exigimos uma apuração rigorosa dos fatos, com a devida responsabilização de quem for culpado e também de quem se omitiu diante de denúncias de extrema gravidade”, diz a nota do Coalizão Negra. A organização não mencionou o nome do ministro Silvio Almeida na publicação.
O Instituto Luiz Gama formado por juristas, acadêmicos e militantes negros, publicou vídeos do ministro repudiando as denúncias e o defendeu. “Contra todas as pessoas que criaram uma trama mentirosa, que nunca quiseram um ministro negro as ofuscando por estar à frente de um Ministério tão importante. Por dois dias seguidos surgem denúncias anônimas. Todo apoio a Silvio Almeida!”, escreveu o Instituto em publicação no Instagram.
Entre as publicações em defesa do ministro, o Instituto também reforçou publicação feita pelo ministério dos Direitos Humanos que diz que a ONG Me Too teria interferido em uma licitação da pasta. “Além da estratégia de 'acusar pelo silêncio' para não ter que provar nada e queimar um desafeto, ainda surge essa novidade vindo dessa ONG. Tudo se explica”, diz a publicação do Instituto.
O Instituto Luiz Gama é ligado ao ministro e teve Silvio Almeida como seu primeiro presidente.
Analistas comentam descredibilização das denúncias
A tentativa de Silvio Almeida, por meio do seu ministério, de descredibilizar as denúncias apresentadas pela ONG Me Too Brasil, tem sido questionada por especialistas. O advogado André Marsiglia destacou que a palavra da vítima no Brasil tem se tornado uma “forma de condenar sem contraditório”. “A palavra da vítima se tornou uma conveniente espada para cortar de imediato a voz do acusado, quando interessa”, disse o advogado em publicação compartilhada em seu canal no Telegram. No entanto, Marsiglia também pontuou que quando a palavra da vítima “não interessa”, ela é descredibilizada. “Quando não interessa, a vítima é descredibilizada e o direito é lembrado, exigindo-se que o acusado seja ouvido, que se espere a justiça”, disse o advogado.
Para Cristiane Britto, ex-ministra da mulher família e direitos humanos e advogada defensora de direitos humanos, trata-se de “um pano de fundo para desacreditar as vítimas dessas graves denúncias”. “Esse comportamento é típico de quem comete assédio. Primeiro tenta desacreditar a palavra da vítima, depois exige da vítima a materialidade que sabemos ser muito difícil nesse tipo de crime. O assédio sexual é crime de difícil comprovação porque muitas vezes ele não deixa vestígios. É a palavra da vítima contra a do agressor e por essa razão 60% das vítimas que sofrem assédio sexual, não denunciam”, explicou a ex-ministra.
Confira a nota de defesa de Sílvio Almeida na íntegra
"Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim. Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de 1 ano de idade, em meio à luta que travo, diariamente, em favor dos direitos humanos e da cidadania neste país.
Toda e qualquer denúncia deve ter materialidade. Entretanto, o que percebo são ilações absurdas com o único intuito de me prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro.
Confesso que é muito triste viver tudo isso, dói na alma. Mais uma vez, há um grupo querendo apagar e diminuir as nossas existências, imputando a mim condutas que eles praticam. Com isso, perde o Brasil, perde a pauta de direitos humanos, perde a igualdade racial e perde o povo brasileiro.
Toda e qualquer denúncia deve ser investigada com todo o rigor da Lei, mas para tanto é preciso que os fatos sejam expostos para serem apurados e processados. E não apenas baseados em mentiras, sem provas. Encaminharei ofícios para Controladoria-Geral da União, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e Procuradoria-Geral da República para que façam uma apuração cuidadosa do caso.
As falsas acusações, conforme definido no artigo 339 do Código Penal, configuram “denunciação caluniosa”. Tais difamações não encontrarão par com a realidade. De acordo com movimentos recentes, fica evidente que há uma campanha para afetar a minha imagem enquanto homem negro em posição de destaque no Poder Público, mas estas não terão sucesso. Isso comprova o caráter baixo e vil de setores sociais comprometidos com o atraso, a mentira e a tentativa de silenciar a voz do povo brasileiro, independentemente de visões partidárias.
Quaisquer distorções da realidade serão descobertas e receberão a devida responsabilização. Sempre lutarei pela verdadeira emancipação da mulher, e vou continuar lutando pelo futuro delas. Falsos defensores do povo querem tirar aquele que o representa. Estão tentando apagar a minha história com o meu sacrifício".