O governo aprovou, na última reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), a inclusão das estatais de tecnologia da informação Serpro e Dataprev no Programa Nacional de Desestatização (PND). Ou seja, deu o aval definitivo para a privatização das duas companhias. Os estudos para definir a modelagem de venda das empresas estão sendo realizado desde agosto, quando as empresas entraram no PPI, a primeira etapa para a privatização.
Um dos argumentos usados pelo governo para incluir as duas estatais no PND é o fato de elas praticarem preços acima do de mercado e terem custos operacionais e de pessoal elevados, conforme demonstrou auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A fiscalização foi realizada de 2014 a 2017 e o resultado divulgado no ano passado.
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Segundo o tribunal, o preço médio do ponto de função (medida para calcular projetos de software) da Datraprev no período analisado foi R$ 985,67. Já na Serpro, o preço médio do ponto de função foi R$ 1.257,51 para serviços contratados pela Receita Federal, R$ 714,15 para a Secretaria do Tesouro Nacional e R$ 1.192,02 para os demais clientes da estatal.
Depois, o tribunal analisou licitações vencidas por empresas privadas de TI. Ou seja, sem participação de Serpro e Dataprev. As licitações foram feitas a pedido de órgãos públicos federais para contratação de desenvolvimento de sistemas de informação. O período analisado também foi entre 2014 e 2017. O maior valor de ponto de função encontrado foi R$ 1.000,00 e o menor, R$ 255,00.
Ou seja, o tribunal constatou que a média dos preços praticados pela Dataprev (R$ 985,67) está entre os 5% maiores valores observados nas 57 licitações analisadas, sendo menor que somente em uma delas (a que custou R$ 1 mil). Quanto ao Serpro, a média dos preços praticados pela empresa (R$ 1.089,00) é maior que todos os preços vencedores das 57 licitações analisadas.
A área técnica do TCU constatou, ainda, que as estatais possuem baixa eficiência produtiva no serviço de desenvolvimento de sistemas. Computando o índice médio de eficiência produtiva das estatais e das empresas privadas do setor, o tribunal constatou que a eficiência da Dataprev corresponde a 40% da eficiência observada nas empresas privados. No caso da Serpro, o percentual é de 48.
Já em relação a pessoal, o tribunal constatou que as estatais pegam salários mais altos do que o de mercado. Por exemplo, na Dataprev, 26,5% dos analistas receberam remuneração acima da média do mercado. Na Serpro, 79,9% dos analistas. A média da remuneração do cargo de analista na Dataprev é de R$ 9.084,00 e na Serpro, R$ 11.959,00. A média do mercado é de R$ 9.240,00.
De acordo com o TCU, o montante que poderia ter sido economizado pela Dataprev e pela Serpro, no ano de 2016, caso o salário dos analistas fosse limitado a média de mercado (R$9.240,00), seria de R$ 14.602.220,00 e de R$ 78.605.409,00, respectivamente.
Outro lado
A reportagem procurou as duas estatais para comentar a auditoria do TCU e se, depois de um ano, as falhas apontadas foram corrigidas. A Dataprev respondeu que "está adotando as medidas necessárias para atendimento célere e tempestivo do Acórdão TCU nº. 598/2018 - Plenário e suas deliberações subsequentes (Processo 013.463/2017-9), objetivando alcançar maiores índices de excelência em um mercado cada vez mais relevante e competitivo".
A Serpro diz que "diversas ações foram tomadas para a resolução dos problemas apontados, cujos resultados materializados estão refletidos nas demonstrações financeiras tornadas públicas no site da empresa".
Com relação à prática de preços acima do mercado, a Serpro argumenta que "tem seu quadro de analistas de desenvolvimento provido por pessoal especializado na criação de soluções para clientes majoritariamente do setor público, o que torna a comparação dos níveis salariais mais complexa do que a metodologia adotada pelo TCU apontou". E termina: "os preços médios praticados pelo Serpro para os serviços de desenvolvimento são compatíveis com a sua estrutura de custos e de mercado, para serviços de características similares".
Sobre o salário de seus servidores, a Serpro diz que ações estão sendo tomadas para reduzir os custos da folha, assim como incentivos à aposentadoria. Ela acrescenta que "remuneração inicial de seus empregados está aderente à remuneração praticada pelo mercado privado" e diz que variações podem ocorrer "à medida em que as progressões funcionais ocorrem, e principalmente em decorrência de fatores externos, tais como distorções na remuneração dos empregados do Regime Geral quando provido por concurso público – decorrente de obrigação legal – e principalmente de decisões judiciais no âmbito da Justiça do Trabalho."
Situação financeira
Além de apontar baixa eficiência e salários e preços acima do praticado pelo mercado, o tribunal constatou que a Serpro tem passado por dificuldades financeiras. O levantamento mostra que de 2008 a 2016 a União precisou fazer quatro aportes de capital para socorrer a estatal. Esses aportes somaram R$ 700 milhões e foram usados para pagar despesas operacionais. A principal causa para o resultado negativo, segundo o TCU, foi o aumento dos custos e despesas.
O tribunal proibiu que o governo aporte mais dinheiro na empresa. Caso faça isso, terá de classificar ela como uma estatal dependente, ou seja, que não é capaz de gerar receita para bancar suas despesas.
Já a Dataprev está em uma situação financeira melhor, mas, segundo a auditoria, tem enfrentado longos períodos de dificuldades para receber o pagamento dos seus clientes, o que compromete a sua capacidade para investimentos. “Ou seja, apesar de a empresa ter um bom desempenho na geração de receitas operacionais, não consegue manter o mesmo ritmo no recebimento das faturas de clientes, prejudicando sua capacidade de investimento e pagamento”, diz o tribunal.
A situação financeira das duas estatais também foi usada como argumento pelo governo para inclusão delas na lista de privatização.
Perfil das estatais
A Serpro foi criada em 1964, com o objetivo de prestar serviços de tecnologia da informação para órgãos do governo, tanto federal, quanto estadual e municipal. Seus principais clientes são a Receita Federal; a Secretaria do Tesouro Nacional; Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; e Secretaria de Orçamento Federal.
O faturamento da empresa em 2018 foi de R$ 2,7 bilhões, sendo 90% do valor proveniente de contratos com o governo federal. Ela teve um lucro de R$ 459 milhões, o segundo ano com resultado positivo depois de uma sequência de prejuízos.
Já a DataPrev foi criada em 1975 para atender, principalmente, as demandas de tecnologia da informação da Previdência (INSS). Tanto que a União é dona de 51% da estatal e o INSS, 49%. Mas ela também presta serviços à Receita Federal e a empresas privadas. Em 2018 ela teve um faturamento de R$ 1,2 bilhão e lucro de R$ 150,61 milhões.