Vistas com suspeita por parlamentares da oposição, do bloco da maioria – o chamado “centrão” –, e mesmo por membros do PSL, partido do presidente, as manifestações a favor do governo de Jair Bolsonaro se espalharam por 156 cidades em 26 estados e no Distrito Federal. As pautas antidemocráticas como o fechamento do Congresso Nacional, o fim do Supremo Tribunal Federal (STF) e os ataques à imprensa, que preocupavam parte dos movimentos de direita, deram espaço ao apoio à reforma da Previdência e ao ministro Paulo Guedes, ao pacote anticrime do ministro Sergio Moro, à reforma administrativa do governo e à CPI da Lava Toga. Embora sejam sinal de maturidade democrática, as manifestações deste domingo (26) não devem resolver os impasses entre o governo e o Congresso.
Surgida em aplicativos de mensagens como reação aos protestos de estudantes, professores e da oposição realizados no dia 15 de maio, a convocação para as manifestações pró-governo se misturaram inicialmente a ataques ao Congresso e ao STF, o que criou um racha à direita do espectro político. Lideranças tradicionais como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua (VPR) não apoiaram o ato deste domingo. Procurado, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do MBL duramente criticado nas redes sociais por não ter apoiado as manifestações, afirmou que ainda é cedo para uma avaliação: será preciso esperar terça-feira (28), quando os parlamentares estarão de volta ao Congresso.
A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) foi outra liderança tradicional que se descolou dos atos. Criticou os colegas de partido, a quem chamou de “cegos”, e afirmou que Bolsonaro deveria trabalhar e não fazer drama. Janaina afirma que, embora o saldo do dia tenha sido positivo, com protestos pacíficos, não mudou de ideia sobre o tema. “Eu espero, verdadeiramente, que a esquerda não siga com a ideia de fazer outra, dia 30. Se fizer, a direita fará mais uma em resposta e eu temo o desenrolar de tudo isso. Não sou contrária às manifestações, mas penso ser hora de o país funcionar por meio de suas instituições. Estas, por sua vez, precisam compreender que não podem mais seguir como antes”, afirmou.
O próprio Bolsonaro desistiu de participar dos atos e orientou os ministros a não comparecer. Apenas o secretário da Pesca e Aquicultura, Jorge Seif, foi ao ato em Brasília. No início da noite, Bolsonaro se manifestou pelo Twitter, depois de passar o dia compartilhando vídeos dos atos: “Acredito que o Brasil caminha cada vez mais para o amadurecimento de sua democracia, com representantes sensíveis aos anseios da sociedade. O caráter pacífico dos atos de hoje traduz a esperança e a confiança do povo no compromisso que nós políticos temos com o futuro do país”, escreveu.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, também rompeu o silêncio pouco depois do presidente nas redes sociais: “Festa da democracia. Povo manifestando-se em apoio ao Pr Bolsonaro, Nova Previdência e ao Pacote anticrime. Sem pautas autoritárias. Povo na rua é democracia. Com povo e Congresso, avançaremos. Gratidão”.
De fato, o racha sobre as manifestações abriu espaço para que movimentos menores, como Nas Ruas, Ativistas Independentes, Direita São Paulo, Consciência Patriótica, Patriotas Lobos Brasil, Endireita Brasil e Brasil Conservador despontassem na organização. Foi a liderança desses movimentos e de parlamentares da linha de frente do bolsonarismo no Congresso, como o deputado Filipe Barros (PSL-PR), o senador Major Olímpio (PSL-SP), o deputado Marcos Feliciano (Pode-SP) e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que alinhou as manifestações às pautas positivas e mirou a crítica política no centrão.
Até a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso e recordista de votação para o legislativo federal, foi duramente criticada pelos colegas por não apoiar os atos e chegou a protagonizar um bate-boca com a deputada Carla Zambelli pelo Twitter. Até a publicação da reportagem, Joice não se manifestou sobre as a manifestação em suas redes sociais, nem no grupo de WhatsApp do PSL. Procurada, não respondeu.
Parlamentares que apoiam atos esperam impacto no Congresso
Carla Zambelli falou com a Gazeta do Povo sobre os resultados dos protestos deste domingo. “O impacto vai ser positivo, porque o Congresso vai perceber que a rua está apoiando o Bolsonaro”, avalia. “Há também um ponto que tenho frisado bastante, que é que há deputados do centrão que querem votar à revelia de seus líderes, mas eles precisam de legitimidade. Quando as ruas começam a falar, isso dá para os deputados a legitimidade de contrariar seus partidos”, afirma.
Essa disputa aparece no Congresso nas votações nominais. O centrão defende a votação por meio de acordo de líderes, mas a estratégia de parlamentares do PSL e de partidos independentes que se alinham a algumas pautas – como o Novo, o Podemos e o Cidadania – é insistir na votação por nome.
O último embate desse tipo foi a votação do destaque para manter o Coaf no Ministério da Justiça: embora tenha sido derrotado e prevalecido o acordo do governo com o centrão, a votação foi apertada: 228 votos a 210. Sob os holofotes, o PSD, que integra o centrão, deu apenas um voto para transferir o Coaf de volta ao Ministério da Economia.
Para o deputado Marco Feliciano (Pode-SP), um dos vice-líderes do governo da Câmara, a manifestação deste domingo surpreendeu. “As manifestações foram além do esperado. Foi ordeiro. Foi pacífico. Mostrou que o Presidente Bolsonaro ainda mantém seu apoio social”, afirma. “Quem tem ouvidos ouça o clamor das ruas: nasce um novo Brasil, nasce uma nova forma de fazer política democrática”, diz.
O deputado Filipe Barros (PSL-PR) também vê com bons olhos a vitalidade das ruas. “A democracia é isso, não é apenas votar de quatro em quatro anos. A democracia é a população pressionando, cobrando seus representantes. Isso deveria ter sido assim desde a redemocratização, mas pela primeira vez nós estamos vendo isso de fato, independente de que lado seja, seja apoiando Bolsonaro, seja a suposta manifestação dos estudantes, que na verdade foi uma manifestação pró-Lula. O Congresso vai aprender, está aprendendo, a ouvir a população”, diz.
Já o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) ressalta o apoio que os manifestantes deram à reforma da Previdência. “As ruas sempre foram importantes, e o fato de os políticos acompanharem os movimentos demonstra isso. Não há novidade nisso. O que foi novo foi o povo defendendo a reforma da previdência, que é tida como impopular”, diz. Van Hattem participou da manifestação em Porto Alegre. “É absolutamente fundamental em qualquer democracia que instituições partidárias sejam fortalecidas com boas ideias. Lá, de forma independente, nós estamos apoiando tudo que é bom para o Brasil, não para endeusar uma pessoa”, afirmou durante o ato.
Oposição reage e centrão dá de ombros
A oposição, por sua vez, já está dando o tom da reação. Na visão dela, os protestos foram bem menores que os de 15 de maio e indicam uma derrota para o governo. A deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), se manifestou pelas redes sociais: “As manifestações de hoje foram muito menores do que o governo previa, o que representa uma derrota para Bolsonaro. Os atos do último dia 15 foram muito superiores em tamanho e qualidade. A luta em defesa da educação continua no próximo dia 30”.
A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) foi mais dura: “Os atos de hoje não se comparam aos do dia 15 em adesão, mobilização e capilaridade. Muito vácuo nas ruas. A mídia apresentou como apoio às reformas. Foram contra a democracia, contra a educação, contra os direitos do povo e pela intervenção militar. Bolsonaro não intimidará com sua tropa”.
Mesmo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, mas apoiador da pauta anticorrupção, escreveu no Twitter que “apesar de serem reduzidas, as manifestações do povo na rua devem ser recebidas com a acato e respeito por parte da classe política. Ainda assim, devemos rechaçar com veemência a tentativa autoritária e sórdida de Bolsonaro em colocar o povo contra as suas instituições”.
Por outro lado, não estão claros quais serão os efeitos reais das manifestações sobre o bloco da maioria, que tem sido o fiel da balança nas votações no Congresso e virou alvo preferencial dos questionamentos, junto com os atuais presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Dois dos mais importantes líderes do centrão, os deputados Arthur Lira (PP-AL) e Elmar Nascimento (DEM-BA), já se manifestaram ao blog do jornalista Tales Faria.
"Não mudarão em nada meu posicionamento", afirmou Nascimento sobre as manifestações. "Minhas posições sempre foram claras e antagônicas ao que estão protestando. Nunca pedimos nada nem estamos pedindo e ainda lá atrás assinamos um manifesto de 14 partidos a favor da Previdência, lógico, retirando os rurais e o BPC" , disse Lira.
Enquanto persiste a falta de articulação de uma base política para o governo, o Congresso dá sinais de que pretende investir em uma pauta de protagonismo próprio. Aprovou o orçamento impositivo para 2019, acelerou a votação de uma reforma tributária na Câmara, e estuda limitar o poder do presidente de editar Medidas Provisórias (MPs), acabar com a reeleição para cargos executivos e até mesmo criar um mecanismo de recall (revogação) para o mandato presidencial.
O clima no Congresso era de que, se os atos fossem cheios, os parlamentares tirariam o pé do acelerador. Se fossem esvaziados, isso poderia alimentar a agenda de protagonismo do Parlamento. Por isso, a repercussão dos atos entre os parlamentares vai ser sentida a partir de terça-feira (28), quando o Senado analisa a MP da reforma administrativa e a Câmara deve analisar a MP 868, que altera o marco legal do saneamento.
Novo jeito de fazer política vem se consolidando desde 2013
Para o cientista político Adriano Gianturco, professor do Ibmec, as manifestações demonstram que há uma unidade de propósitos em grande parte dos atores, como a busca reforma da previdência e o combate à criminalidade. “Toda essa diferença era uma questão menor que esquentou. Bolsonaro acha que dá para pressionar o Congresso e ganhar as pautas dessa forma, e o MBL e outros setores acham que é melhor negociar com o Congresso. Na verdade, os objetivos me parecem mais similares, é mais uma diferença de meios”, diz.
“Geralmente, pela forma do famoso presidencialismo de coalização, é mais conveniente negociar, mas é verdade que o Bolsonaro foi eleito para fazer algo diferente. Por incrível que pareça, está funcionando mais do que o normal: já na semana passada o Congresso recuou um pouco, mas é claro que ninguém joga sozinho”, avalia Gianturco. “Agora, tudo dependerá da percepção da guerra dos números, mas uma coisa é a retórica – os dois lados vão defender seu ponto de vista –, outra é ação: será preciso ver como o Congresso vota”, afirma.
Já Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper, avalia que as manifestações se inserem no contexto aberto pelas jornadas de junho de 2013. “É um novo jeito da democracia que muita gente tem dificuldade de entender. São manifestações favoráveis ao governo, mas não organizadas pelo governo, são difusas nas pautas e têm grupos muito heterogêneos. É natural que haja um elemento caótico”, ressalta.
“Se eu tivesse que resumir, diria que predominou um elemento antissistema, um sentimento difuso de que o sistema político trava mudanças que o país precisa enfrentar. A partir daí você tem um conjunto de leituras. Para alguns, a mudança vem pela ética e pelo combate à corrupção. Para outros, pelas reformas econômicas. E alguns outros têm uma leitura autoritária do processo, buscando um líder providencial. A figura do Bolsonaro continua a expressar esse sentimento, mesmo estando na Presidência”, explica.
Schüler, no entanto, vê o risco autoritário como uma narrativa da oposição, que começou no período eleitoral. “Isso é pura ficção científica. Isso não se expressa nas atitudes do governo. Pelo contrário, o Brasil vive uma democracia plena, manifestações ordeiras da situação e da oposição, as instituições funcionam, nós estamos discutindo reformas importantes no Congresso”, diz. “O que acontece é que grupos tradicionais foram alijados do poder e têm dificuldade de aceitar isso e o novo jeito de fazer política”, conclui.