Quarta fase da Operação Última Milha apura grupo suspeito de utilizar a Abin para espionar ilegalmente autoridades públicas.| Foto: José Cruz/Agência Brasil
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A Polícia Federal deflagrou na manhã desta quinta (11) a 4ª fase da Operação Última Milha, que investiga uma organização suspeita de espionar ilegalmente autoridades públicas e produção de notícias falsas utilizando a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

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A nova fase é um desdobramento da operação que mirou o ex-diretor-geral da Abin durante o governo Jair Bolsonaro (PL), Alexandre Ramagem (PL-RJ), por supostos grampos ilegais para monitorar políticos, juízes, entre outras pessoas, sem autorização judicial. O gabinete de Ramagem, que é deputado federal, foi alvo de uma das fases da operação em janeiro deste ano.

Segundo informou a autoridade, são cumpridos cinco mandados de prisão preventiva e sete de busca e apreensão, expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, Curitiba, Juiz de Fora (MG), Salvador e São Paulo. Informações preliminares apontam que os alvos são agentes, militares e assessores cedidos à Abin durante a gestão de Ramagem. A PF, no entanto, não confirma os alvos.

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“Nesta fase, as investigações revelaram que membros dos três poderes e jornalistas foram alvos de ações do grupo, incluindo a criação de perfis falsos e a divulgação de informações sabidamente falsas. A organização criminosa também acessou ilegalmente computadores, aparelhos de telefonia e infraestrutura de telecomunicações para monitorar pessoas e agentes públicos”, apontou.

Alvos da operação

Apurações dos jornais O Globo e Folha de São Paulo apontam que um dos alvos presos, o policial federal Marcelo Araújo Bormevet, foi segurança de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 e depois nomeado por Ramagem para comandar o Centro de Inteligência Nacional (CIN), da Abin.

Outro preso é Mateus de Carvalho Sposito, ex-assessor da Secretaria de Comunicação Social (Secom) de Bolsonaro e que chegou a ser investigado pela CPI da Covid-19. Já o militar Giancarlo Gomes Rodrigues foi cedido pelo Exército para assessorar Ramagem -- ele teria monitorado o advogado Roberto Bertholdo, próximo dos ex-deputados federais Rodrigo Maia (PSDB-RJ) e Joice Hasselmann (PSDB-SP).

Também foram presos até o final da tarde de quinta (11) os servidores Rogério Beraldo de Almeida, Mateus de Carvalho Sposito e Richards Dyer Pozzer que, segundo a PF, eram os responsáveis por fazer ataques virtuais a adversários políticos do governo Bolsonaro.

Os investigados, diz a PF, podem responder pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, interceptação clandestina de comunicações e invasão de dispositivo informático alheio.

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Três Poderes espionados

No final da manhã, os autos do inquérito que autorizou a operação tiveram o sigilo suspenso pelo ministro Alexandre de Moraes. A investigação aponta que foram espionados membros dos Três Poderes da República e jornalistas:

  • Judiciário: ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luis Roberto Barroso e Luiz Fux.
  • Legislativo: deputados Arthur Lira (PP-AL, presidente da Câmara), Rodrigo Maia (PSDB-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Joice Hasselmann (PSDB-SP), e os senadores Alessandro Vieira (MDB-RS), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
  • Executivo: ex-governador de São Paulo, João Doria; os servidores do Ibama Hugo Ferreira Neto Loss e Roberto Cabral Borges; os auditores da Receita Federal Christiano José Paes Leme Botelho, Cleber Homem da Silva e José Pereira de Barros Neto.
  • Jornalistas: Mônica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista.

“A continuidade das investigações também evidenciou a utilização dos recursos da Abin para monitorar autoridades dos Poderes Judiciário (ministros desta Corte e seus familiares) e Legislativo (Senadores da República e Deputados Federais), com o objetivo de obter vantagens políticas", diz a petição.

O ex-deputado Rodrigo Maia afirmou que "espionagem utilizando aparato estatal a pessoas consideradas adversárias do antigo presidente é comportamento de governo totalitário e criminoso, típico das piores ditaduras". "Assusta imaginar que Alexandre Ramagem, então servidor público, hoje deputado federal, comandou um esquema de monitoramento de pessoas. Tomarei todas as medidas cabíveis contra ele e envolvidos nas esferas cível e criminal", completou em entrevista à GloboNews.

A Gazeta do Povo entrou em contato com a Abin para comentar a nova fase da operação e aguarda retorno. A PF negou à reportagem informações sobre os alvos e se limitou ao que foi divulgado mais cedo, no aviso da operação. E o STF informou que ainda não há mais dados sobre a autorização para a ação.

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Aliados também foram espionados

Um dos alvos do esquema foi o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), que disse à Gazeta do Povo que ficou sabendo da espionagem pela imprensa. Ele era da base aliada de Bolsonaro, mas ainda assim foi espionado.

"Bolsonaristas vivem falando da perseguição do Judiciário, mas quando são eles com o poder na mão, fazem pior. Buscaram informações de assessores do Kim apenas para fazer ataques políticos", disse o Movimento Brasil Livre (MBL), ao qual Kataguiri é ligado.

Um dos coordenadores do MBL, Renan Santos, afirmou que "espionaram ilegalmente o Kim. Tentaram me prender. Tentaram prender e censurar o [Danilo] Gentili. São gente da pior espécie. Autoritários". "Irretocável a mensagem dele", completou Kataguiri à reportagem.

"Abin paralela"

As investigações apontam que o sistema da agência voltado à geolocalização de celulares teria sido invadido reiteradas vezes, sem ordem judicial, para monitorar alvos específicos e estratégicos para o governo. O esquema ficou conhecido como "Abin paralela".

Na época da operação Última Milha, em outubro do ano passado, Ramagem disse que determinou uma auditoria formal em todos os contratos ao assumir o cargo em 2019 e que a análise levou a um pedido de correição na Corregedoria-Geral da Abin, e que a ação da PF foi resultado do "trabalho de austeridade promovido na nossa gestão".

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A PF prendeu, na ocasião, dois servidores da Abin e afastou o “número 3” da agência, Paulo Maurício Fortunato Pinto, por envolvimento no esquema de rastreio irregular de celulares.

A investigação apontou que o monitoramento era feito através de um software israelense chamado FirstMile, comprado pelo governo e que utilizava dados de GPS para monitorar irregularmente a localização de celulares de servidores públicos, políticos, policiais, advogados, jornalistas e juízes.

Na esteira da investigação surgiu a informação de que o programa teria beneficiado membros da família Bolsonaro, o que foi negado por um deles, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Ele considerou a suspeita como uma “mentira” para se criar “falsas narrativas” contra o ex-presidente.

O programa foi adquirido no final da gestão de Michel Temer (MDB) em 2018 e utilizado até parte do terceiro ano do governo Bolsonaro. Na época da operação Última Milha, a Abin informou que o contrato para uso do software foi encerrado em maio de 2021 e “não está mais em uso”.

A agência informou, ainda, que instaurou um procedimento para apurar o caso e que atendeu a todas as solicitações feitas pela PF e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

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O FirstMile utilizava dados de GPS para monitorar a localização de pessoas através de telefones celulares e tablets, e tinha capacidade de inspecionar até 10 mil aparelhos a cada 12 meses. O programa ainda emitia alertas sobre a rotina de movimentação dos alvos, mas não grampeava o conteúdo de conversas ou mensagens.

Segundo fontes, a Polícia Federal apontou que as movimentações geoespaciais de mais de 30 mil telefones celulares teriam sido analisadas pelos técnicos da Abin com o uso do software israelense First Mile. Dessas, cerca de 1,8 mil estariam relacionadas a aparelhos pertencentes a políticos, jornalistas e adversários do governo Bolsonaro.

A investigação decorreu de um ofício encaminhado pela Data Privacy, uma associação brasileira que pesquisa cibersegurança e proteção de dados pessoais, à Procuradoria Geral da República (PGR) em março de 2023, solicitando investigações sobre o uso da tecnologia. À época, a Abin afirmou que o First Mile tinha deixado de ser utilizado em maio de 2021.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]