A possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) vetar total ou parcialmente o projeto de lei sobre abuso de autoridade, algo que ele vem mencionando desde a aprovação da proposta pelos deputados, na quarta-feira (14), pode abrir uma nova crise com o Congresso.
Um eventual veto encontra apoio em deputados da base bolsonarista, como Capitão Augusto (PL-SP), Paulo Martins (PSC-PR), Carla Zambelli (PSL-SP) e o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Já defensores da proposta aprovada pelo Congresso, como Luiz Flávio Gomes (PSB-SP), dizem que o Parlamento tem votos para derrubar qualquer veto imposto por Bolsonaro.
A controvérsia em torno da proposta foi acentuada principalmente pela maneira como se deu a aprovação. A votação foi feita pelo sistema "por aclamação", habitualmente utilizado em situações em que não existem divergências significativas entre os parlamentares. Quando o voto é feito assim, o que vale é a orientação partidária, e não há uma identificação da posição de cada parlamentar.
Muitos deputados protestaram contra o ocorrido. O Novo entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo uma nova votação, e pelo sistema nominal. Outros três parlamentares – Caroline de Toni (PSL-SC), Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) e Eduardo Cury (PSDB-SP) – apresentaram um voto formal contra o projeto.
O "consenso" em torno da proposta foi defendido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e também por representantes de diferentes partidos – entre eles, o PT. O líder petista na Câmara, Paulo Pimenta (RS), pediu que a norma seja chamada de Lei Cancellier, em homenagem ao ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que se suicidou após ser acusado de corrupção.
Bolsonaro disse nesta sexta-feira (16) que a decisão sobre a sanção ou veto será tomada na próxima semana, após reuniões entre e ele e sua equipe ministerial. “Vetando ou sancionando, ou vetando parcialmente, o tempo todo, eu vou levar pancada. Não tem como. Vou apanhar de qualquer maneira”, afirmou.
Pelo menos um veto já estava acordado com o governo
Um dos pontos mais polêmicos do projeto aprovado pela Câmara é a definição, como abuso de autoridade, do ato de usar algema em um suspeito que não ofereça resistência à prisão ou ameaça de fuga. Para os parlamentares contrários ao tópico, o policial não tem como identificar previamente se um detido reagirá ou não à ação das autoridades.
Segundo a Folha de S. Paulo, o veto a esse trecho da lei foi combinado entre Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), e a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-PR). A estratégia era a de aprovar o projeto do jeito que estava para evitar atrasos na tramitação, com uma sinalização para o veto futuro.
O líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO), disse ser favorável à exclusão do ponto sobre o uso das algemas. Mas ele foi um dos parlamentares que contestou o modo de votação – "sem diálogo". Disse esperar que a análise de eventuais vetos não se dê por meio de uma "tratorada".
"Estão acontecendo acordos com os quais não concordamos. E vamos manifestar nossa insatisfação no próximo colégio de líderes", disse, em referência às reuniões periódicas realizadas entre os comandantes dos partidos e o presidente da Câmara. O deputado disse que estuda mobilizar o seu partido até para uma eventual obstrução caso uma nova "tratorada" ocorra. "No Parlamento as coisas devem acontecer por meio do consenso, do diálogo ou do voto. E não com tratoradas", afirmou.
O deputado Vitor Lippi (PSDB-SP) faz análise semelhante. O deputado disse que "ficou sabendo pela imprensa" de alguns pontos do projeto e que a reação de muitos parlamentares foi a de crítica ao pouco debate em torno da proposta. "Isso criou um desconforto. É importante que todos os parlamentares entendam o alcance e a clareza do que está escrito ali [no projeto]", disse o deputado, que também mostrou ser favorável à derrubada do ponto sobre as algemas.
Deputado prega serenidade em caso de veto do abuso de autoridade
Na mão oposta, o vice-líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), acredita que eventuais vetos do presidente Bolsonaro à proposta sobre abuso de autoridade não prejudicarão o cotidiano dos deputados. "A Câmara vai ter serenidade para atuar no caso de eventuais vetos ao projeto", disse.
Efraim contesta também a análise de que a proposta foi aprovada às pressas. "Esse era um tema sobre o qual a Câmara dos Deputados discutia havia bastante tempo", declarou. O deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) endossa: "a Câmara fez um projeto muito bem estudado, que já vinha sendo debatido desde o ano passado".
Como funciona o veto presidencial
A análise do presidente da República é a última etapa de um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional, como é o caso deste sobre o abuso de autoridade. Essas propostas têm origem na Câmara ou no Senado e passam por revisão obrigatória da outra Casa. Após a aprovação do Legislativo, seguem para a Presidência, que pode realizar a sanção – quando o projeto se torna uma lei –; o veto parcial a apenas alguns pontos; ou o veto total. Os vetos, parciais ou totais, retornam para análise dos deputados e senadores, que podem mantê-los ou derrubá-los.
Até o momento, o presidente Bolsonaro fez 29 vetos, entre totais e parciais. Destes, 15 ainda não tiveram sua análise concluída pelo Congresso. Os demais foram todos mantidos, à exceção de um que vetava integralmente um projeto que dispensava os portadores de HIV/aids aposentados por invalidez de passarem por perícia.
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