O governo brasileiro vai solicitar formalmente a adesão ao Acordo de Compras Governamentais (GPA, na sigla em inglês), da Organização Mundial do Comércio (OMC). A afirmação foi feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A adesão ao acordo vai permitir que estrangeiros participem de licitações e concorrências públicas no Brasil em pé de igualdade com as empresas nacionais, ao mesmo tempo em que autoriza que as companhias brasileiras tenham acesso a licitações públicas de outros países.
O anúncio foi feito pelo ministro em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial. Segundo Guedes, os principais objetivos da adesão são alinhar o país às melhores práticas internacionais de compras governamentais, aumentar a concorrência e fazer um ataque frontal à corrupção, já que muitos casos de corrupção recente aconteceram na contratação de fornecedores para órgãos públicos.
“O Brasil está querendo entrar para a primeira divisão de melhores práticas. Isso é um ataque frontal à corrupção e um tema importante da campanha do presidente Bolsonaro. E nós sabemos que boa parte da corrupção foi permitida exatamente com coisas de governo: empreiteiras, obras governamentais, coisas desse tipo”, disse a jornalistas em Davos, antes de participar de dois painéis do fórum nesta terça.
O ministro não deu detalhes sobre quando o pedido de adesão será feito – ainda durante o fórum ou depois. Procurados pela Gazeta do Povo, o ministério da Economia declarou que mais detalhes serão anunciados em momento oportuno e o Itamaraty não se pronunciou.
Acordo de compras governamentais: como funciona hoje
Atualmente, a aquisição de bens, serviços e obras por parte de órgãos públicos é regida pela Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993), atualizada pela Lei 12.349, de 15 de dezembro de 2010.
De acordo com a legislação, o poder público pode estabelecer nas licitações margem de preferência a produtos e serviços de empresas brasileiras ou com atuação no Brasil.
A margem de preferência nada mais é do que permitir que empresas nacionais que atendem aos requisitos estabelecidos tenham predileção, mesmo oferecendo um preço até 25% superior ao concorrente da licitação. O objetivo é a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”. Na prática, a margem de preferência foi usada por governos passados para promoção da indústria nacional.
Além da margem de preferência, há ainda as exigências de conteúdo local em algumas licitações, principalmente naquelas relacionadas ao setor de petróleo e gás. Por exemplo, trata-se de exigir que o vencedor de uma licitação para exploração de determinada área contrate até um determinado porcentual de fornecedores e mão de obra brasileira.
Como o acordo vai ficar
Quando o governo brasileiro vier de fato a aderir ao acordo, as empresas dos países que participam dele vão poder concorrer em isonomia com as empresas nacionais nas licitações de órgãos públicos brasileiros. Em geral, não deverá mais haver políticas locais discriminatórias à participação de estrangeiros em licitações, salvo os casos que forem excetuados no acordo. Em troca, as empresas brasileiras também poderão concorrer mais facilmente a processos licitatórios dos países que fazem parte do acordo de compras governamentais (GPA).
Além de permitir que os estrangeiros concorram em pé de igualdade, o governo brasileiro terá de eliminar barreiras burocráticas à participação de estrangeiros em licitações e concorrências públicas. Deverá, ainda, tornar o processo licitatório mais transparente.
Ao todo, 48 países já aderiram ao acordo, incluindo todos da União Europeia e os Estados Unidos. Desde 2017, o Brasil é um observador do comitê da OMC que trata do acordo, mas nunca chegou a aderir formalmente. A adesão ao acordo é opcional.
Adesão precisa de aval do Congresso
Para aderir ao acordo, o governo brasileiro precisará atuar em duas frentes: interna e externa. No âmbito externo, trata-se de submeter seu pedido formal de acessão ao Acordo de Compras Governamentais da OMC. Feito o pedido, é verificada se a legislação interna do país está adequada aos termos gerais do acordo e s países que já aderiram ao acordo são consultados.
Com isso, começam as negociações, que podem exigir que o Brasil promova mudanças em sua legislação interna para eliminar barreiras aos estrangeiros e mecanismos de proteção a empresas nacionais. Mas é possível, segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, que o Brasil utilize sua posição de “país em desenvolvimento” para manter algumas regras atuais em determinados setores, principalmente os ligados à área militar, sem precisar modificar a legislação.
De qualquer forma, por força da Constituição, o acordo deverá ser ratificado pelo Congresso brasileiro. Ou seja, ele só entrará em vigência no Brasil quando for aprovado pela Câmara e pelo Senado.
Acordo vai ao encontro do liberalismo de Guedes
O embaixador aposentador José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), afirma que a adesão é uma mudança qualitativa da política comercial brasileira, indo no sentido da liberalização da economia, prometida pelo próprio ministro Paulo Guedes.
A adesão também deve facilitar o processo do Brasil para se tornar um país-membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“[A adesão] é um sinal bastante robusto para os investidores de que o Brasil está realmente no caminho da liberalização [econômica]”, afirmou à Gazeta do Povo. “É mais um passo na direção de você se integrar melhor [ao mundo comercialmente]. Você dá acesso ao mercado [interno] aos nossos parceiros, que passam a concorrer com as empresas nacionais em suprimentos e serviços”, completou.
O embaixador Graça Lima também diz que a decisão mostra que o Brasil caminha na direção de abandonar práticas protecionistas, principalmente aquelas discriminatórias e que são condenadas pela OMC.
“O discurso que você tinha em governos anteriores, que tinham uma preocupação maior com mercado interno e em dar vantagens para empresas nacionais, era que compras governamentais eram uma forma de fazer política industrial. Era um tipo de filosofia bem diferente da atual. O governo atual não contempla políticas industriais que se referem à proteção, subsídios, favorecimento, discriminação, tudo que é meio que violatório aos melhores compromissos internacionais”, completou.
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