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Negociação forçada pelo STF

Acordo do governo para reonerar folha de pagamento sela derrota do Congresso

Haddad e Pacheco anunciaram os detalhes do acordo entre governo e setores para uma transição na forma de contribuição à Previdência (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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A estratégia do governo de apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pôr fim ao impasse com o Congresso sobre a desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos alcançou o seu objetivo. Graças à parceria entre Judiciário e Executivo, a reintrodução da cobrança do imposto previdenciário nos contracheques de 9 milhões de assalariados foi efetivada, ainda que a partir de 2025 e de forma escalonada.

Pressionado pelo contexto da decisão liminar concedida pelo STF em favor do governo, o Legislativo até recorreu à mesma Corte, mas se encontrava com perspectivas desfavoráveis, já que o julgamento no plenário do STF está a apenas um voto de referendar a liminar ordenada pelo ministro Cristiano Zanin. A alternativa restante seria tentar dialogar ou agravar a crise entre os três poderes.

O Planalto assegurou sua vitória na questão ao abrir negociações diretas com os setores beneficiados, que cederam para sustar a iminente reoneração. A “pacificação” com os empresários, proclamada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, neutralizou qualquer impulso de insurgência vindo da Câmara e do Senado.

Para consolidar o retorno à “normalidade” nas tensas relações entre Planalto e Congresso, foi estabelecido também nos últimos dias um amplo acordo, que inclui pagamento antecipado de emendas parlamentares e recriação do DPVAT (que passou a ser chamado de SPVAT – Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidente de Trânsito), no rastro do unânime socorro ao Rio Grande do Sul, arrasado pelas chuvas.

No início da noite de quinta-feira (9), Haddad e o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acompanhados pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, anunciaram os detalhes do acordo entre governo e setores para uma transição na forma de contribuição à Previdência.

Segundo Pacheco, coube ao Legislativo consentir com a solução alcançada, que provavelmente será homologada ainda nesta sexta-feira (10) pelo STF, mediante petição da Advocacia-Geral da União (AGU). “Podemos questionar decisão da Justiça, mas jamais descumpri-la”, pontuou.

Parlamentares de oposição consultados pela Gazeta do Povo se mostram surpresos com o repentino anúncio de acordo e preferiram emitir alguma avaliação somente após estudarem os termos acordados e ouvirem as impressões dos setores beneficiados.

Disputa com Congresso durou quase oito meses

O governo conseguiu direcionar definitivamente o curso da desoneração da folha de pagamentos após quase oito meses de idas e vindas, resultado de tensa disputa com o Congresso.

Deputados e senadores aprovaram, no fim de outubro de 2023, a prorrogação até 2027, porém, Lula vetou a iniciativa. Depois, os parlamentares derrubaram o veto presidencial, mas o presidente da República surpreendeu novamente ao editar medida provisória (MP) para reintroduzir a cobrança.

Diante da persistência do impasse, Lula substituiu a MP por projeto de lei, que não avançou e ainda foi parcialmente tolhido por Pacheco. O Planalto deu então sua cartada final com a intervenção judicial, suspendendo efeitos da lei que esticou a desoneração.

Pacheco censurou a atitude do governo ao ir ao STF, qualificando-a como “erro primário”, lamentando a falta de diálogo sobre uma matéria sensível. Mas diante das condições dadas, restou para os derrotados negociarem, justamente porque as empresas teriam que pagar no próximo 20 de maio a contribuição previdenciária com a alíquota majorada em razão da decisão judicial.

O presidente do Congresso chamou o acordo de “amadurecimento institucional” e apontou vantagem para os setores em virtude de “nada mudar” este mês e no resto do ano. Os representantes destes setores, entre os quais o de comunicação, criticam a reoneração, sobretudo pela insegurança jurídica e pela súbita volta que frustra o planejamento financeiro das empresas.

Desoneração criada por Dilma é cassada por Lula

Conforme o acordo estabelecido, os setores manterão o benefício da desoneração até 31 de dezembro, pagando alíquota entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta em vez dos 20% sobre a folha de salários. No entanto, a partir de 2025, começarão a perder esse benefício de forma gradual, até que, em 2028, estarão sujeitos ao mesmo regime que os demais setores.

Durante o período entre o próximo ano e 2028, a reoneração partirá de uma alíquota de 5% sobre o total dos salários no primeiro ano, subindo para 10%, 15% e, por fim, alcançando os 20% (alíquota completa). Em resposta à contraproposta dos setores, o governo concordou em manter a desoneração da folha do 13º salário até 2028.

A desoneração a ser desmontada a partir de 2025 vigora desde 2012, quando foi implantada pela presidente Dilma Rousseff (PT) como estratégia para estimular o emprego formal. Na gestão de Michel Temer (MDB), a lista de setores favorecidos caiu de 56 para os atuais 17.

Pequenos e médios municípios, com até 156,2 mil habitantes, passaram a se beneficiar este ano no projeto de prorrogação para empresas. A diferença é que sua contribuição previdenciária sobre a folha dos servidores foi reduzida de 20% para 8%. O acordo do governo com o setor privado não engloba a desoneração das prefeituras, que será objeto de outra negociação.

Para solucionar essa questão, Rodrigo Pacheco já havia agendado para a próxima segunda-feira (13) a realização de uma sessão temática no Senado para discutir a situação previdenciária das prefeituras, tida como protesto do Congresso à decisão da Justiça contra a desoneração.

Esse evento foi agora reconfigurado como uma reunião de representantes da associados de municípios do país com o Congresso e com Fernando Haddad para construir uma alternativa à solução encontrada para os setores econômicos. A Confederação Nacional dos Municípios (CMN) avisou que apresentará uma sugestão para debate.

"Pacificação" era desejo do STF, afirma Haddad

Na quarta-feira (8), Haddad se mostrava otimista com a chance de fechar acordo. Ele disse que a contraproposta apresentada na terça-feira (7) pelos representantes dos setores estava em linha com o “caminho de pacificação” após a judicialização do tema.

A decisão provisória do ministro Cristiano Zanin, do STF, em 25 de abril, de suspender pontos da lei 14.784/2023, que prorrogou a desoneração, encurralou o Congresso. Isso porque a decisão foi submetida à análise do plenário virtual, mas o julgamento foi suspenso no dia seguinte, após pedido de vista (prazo extra de análise) do ministro Luiz Fux, quando o placar estava em cinco a zero pela posição do relator. Bastaria um voto para estabelecer maioria.

Segundo o ministro, o governo agora ganhou tempo para concluir a proposta de reforma tributária sobre o consumo e passar a considerar “reformas adicionais”, envolvendo tributação da renda e da folha de pagamentos, considerando o crescente desequilíbrio entre receitas e despesas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Pacheco acrescentou que o Congresso terá todo o ano de 2025 para discutir o financiamento previdenciário, incluindo a possibilidade de se voltar a taxar o faturamento no lugar da folha.

Durante a coletiva de imprensa realizada na Presidência do Senado, após a reunião com Pacheco, Haddad reconheceu que o STF agiu como árbitro no impasse entre Executivo e Legislativo, com seus ministros manifestando desde o início desejo de favorecer um consenso, primeiro com partes interessadas (empresas) e, depois, com o Congresso. “É assim que se faz no mundo civilizado”, disse.

Nessa nova fase caberá ao Congresso não só ratificar o acordo, mas ajudar o Executivo a cumprir o compromisso de buscar recursos para compensar a continuidade da desoneração tida como ilegal pelo próprio governo, autor da ação de inconstitucionalidade, e pela Corte, que viu afronta à responsabilidade fiscal e à Reforma da Previdência.

O ministro afirmou que a busca de meios orçamentários para cobrir as perdas com a desoneração vigente este ano e parcialmente nos próximos pode envolver mais de uma iniciativa, a ser combinada com os parlamentares. Autor do projeto de desoneração, o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), já apontou a cobrança do DPVAT, aprovada esta semana pelo Congresso, como medida compensatória.

Haddad disse que o impacto fiscal da desoneração dos 17 setores e dos municípios tem estimativas conflitantes entre a Fazenda e o Senado, mas acredita que seja “em torno de R$ 22 bilhões”. No 1º trimestre, o Tesouro deixou de arrecadar R$ 4,2 bilhões com a desoneração da folha. Assim, o impacto potencial de abril a dezembro seria de R$ 11,6 bilhões.

Encontros serviram de preparação para acordo

Para observadores das negociações, as ações do governo parecem ter seguido um plano com o STF, cujos movimentos e calendário levaram à inevitável busca por acordo. Um sinal disso seria o fato de que, poucos dias após a decisão liminar do STF e antes do feriado de 1º de maio, Lula se encontrou separadamente com Lira e Pacheco. Nas longas reuniões, eles contornaram divergências e estabelecerem acertos sobre esta e outras questões.

O presidente do Senado destacou que Haddad lhe trouxe os termos do acordo com as empresas como prova de respeito e ressaltou que o seu anúncio foi influenciado pelo clima político dos últimos dias, marcado pela superação de diferenças em favor da união entre parlamentares e poderes para ajudar os gaúchos. O assunto foi tratado previamente na segunda-feira (6) entre o número dois da Fazenda, Dario Durigan, a ministra Cármen Lúcia, do STF, e o titular da AGU, Jorge Messias.

De acordo com o cientista político e consultor eleitoral Paulo Kramer, a estratégia conjunta entre o Planalto e o STF para subjugar o Legislativo é evidente. Ele entende que essas situações só não se repetirão “quando o Senado, fortalecido pela pressão popular, mostrar coragem para afastar ministros da Corte”.

Analistas também apontam que o desfecho do impasse representa um revés significativo imposto pelo Planalto ao crescente poder do Congresso, que vem conquistando mais independência na agenda legislativa, além de avançar sobre o orçamento federal e na definição de políticas públicas.

Poucas horas antes do anúncio do acordo, na longa sessão do Congresso, parlamentares derrubavam o veto de Lula no Orçamento das emendas, garantindo mais R$ 3,6 bilhões em emendas de comissão, num total de quase R$ 15 bilhões. Apesar do veto, eles continuam dependendo do governo para terem esses recursos liberados. Nem todos os vetos de Lula caíram na sessão. O governo conseguiu adiar de novo a análise do trecho vetado na lei que acaba com as saídas temporárias de presos e com o calendário para pagamento de emendas parlamentares.

Compensação de perdas pode gerar novo embate

Para o cientista político e diretor da Action Consultoria, João Henrique Hummell, o panorama pós-acordo de governo e setores econômicos continua desafiador para as relações entre o Executivo e o Legislativo. Isso porque ambos os poderes ainda precisam chegar a um consenso sobre as prioridades de gastos públicos, especialmente diante da necessidade de compensações para sustentar a desoneração total deste ano, recuando gradualmente até 2028. Ele destaca a tendência de o governo determinar o que é prioritário, mas questiona como será possível criar programas sociais sem tirar recursos de outras áreas.

O analista ainda sugere que o Legislativo poderia resolver a questão por meio de um projeto de lei realocando recursos de programas já estabelecidos na lei orçamentária, como o de incentivo aos artistas, para compensar a desoneração da folha de pagamento. No entanto, há uma aparente relutância nesse sentido. Por fim, o especialista alerta que o recente acordo feito com Lula em relação às emendas parlamentares pode sofrer abalos, afetando a comunicação institucional nos próximos dois anos.

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