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Reunião entre ministros do STF, governo e Congresso para liberar emendas parlamentares, em 201 de agosto
Reunião entre ministros do STF, governo e Congresso para liberar emendas parlamentares, em 201 de agosto| Foto: Gustavo Moreno/STF

A iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de destravar o andamento de propostas para frear o avanço do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre competências do Legislativo deu esperança à oposição de que o equilíbrio entre os Poderes da República pudesse ser restabelecido. Apesar disso, juristas consultados pela reportagem afirmam que a PEC 28/2023 tem poucas chances de ser aprovada. Essa proposta de emenda à Constituição (PEC) permitiria ao Congresso sustar decisões da Corte que criem normas não previstas em leis, como tem se tornado comum nos últimos anos.

Um dos motivos apontados para a dificuldade na tramitação é a fundamentação da PEC, que é considerada frágil e genérica no meio jurídico. Outro ponto é o recente acordo firmado no Supremo para retomar o pagamento, pelo governo, de emendas parlamentares, o que também deve arrefecer o avanço da proposta desengavetada por Lira.

Na semana passada, depois que o STF suspendeu o repasse de emendas parlamentares, Lira destravou sua tramitação, remetendo-a à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Nesta quinta-feira (22), a presidente do colegiado, Carol de Toni (PL-SC), designou o correligionário Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) para ser o relator.

Caberá a ele apresentar um parecer pela constitucionalidade da proposta e submeter o relatório aos membros da comissão. Depois, a PEC ainda deve tramitar numa comissão especial para análise do mérito e só então, em caso de aprovação, será levada ao plenário da Câmara, onde precisará ser aprovada por 308 deputados (3/5 dos 513), em dois turnos. A PEC 28/2023 reúne apoio de ao menos 184 deputados federais, que a subscreveram quando foi apresentada. A mesma tramitação é necessária no Senado, onde a aprovação depende de 54 dos 81 senadores.

A reportagem questionou o deputado sobre como ele pretende fazer a PEC avançar, sobretudo após o acordo sobre as emendas, e também como iria rebater as objeções quanto à constitucionalidade da proposta, como a de possível violação à separação de poderes. Ele não respondeu aos questionamentos.

Fundamentação da PEC é considerada frágil no meio jurídico

Além do acordo sobre as emendas, que atenuou a revolta do Centrão contra o STF, a fundamentação jurídica ainda frágil contribui para a dificuldade de avanço da PEC. O texto mexe em dois pontos da Constituição: no primeiro, obriga os ministros da Corte a submeterem imediatamente a referendo decisões liminares que tomam monocraticamente – em casos mais relevantes, isso já vem sendo feito dentro do STF.

O segundo ponto trata da possibilidade de suspensão de uma decisão da Corte, que poderia ser aprovada por 2/3 da Câmara e do Senado quando a decisão “exorbita do adequado exercício da função jurisdicional e inova o ordenamento jurídico como norma geral e abstrata”.

No meio jurídico, a permissão é considerada muito genérica, podendo enquadrar uma gama enorme de decisões do STF com relação à análise da constitucionalidade das leis. Em boa parte desses julgamentos, ao declarar que determinada norma é inconstitucional, o STF precisa suprir lacunas deixadas pela ausência dessa regra, enquanto uma nova lei não for aprovada em substituição. Em outros casos, a lei é mantida, mas a Corte determina o modo como deve ser interpretada e aplicada pelo poder público, o que também acaba, indiretamente, criando uma nova norma.

Há pelo menos duas décadas que decisões assim – de interpretação conforme a Constituição – têm se tornado comuns no STF. Ocorreu isso, por exemplo, na decisão que permitiu a união estável entre pessoas do mesmo sexo; na criminalização da homofobia, como delito correlato ao racismo; na recente descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal. A mesma técnica é defendida por parte dos ministros para descriminalizar totalmente o aborto.

Diante de decisões assim, nas quais os ministros claramente legislam no lugar e contra a vontade da maioria do Congresso, parlamentares conservadores têm defendido reformas no STF, e a possibilidade de suspensão de suas decisões é a mais drástica.

A PEC 28/2023 diz que a suspensão valerá por dois anos, prorrogáveis por mais dois, e permite que o STF restabeleça a decisão suspensa, pelo voto de 9 dos 11 ministros.

A justificativa da PEC 28/2023 é sucinta e resumida em um parágrafo. “A nova regra proposta, sustar decisão do Supremo Tribunal Federal por uma das Casas Legislativas, em boa medida, apenas alonga regra constitucional já prevista na Constituição Federal de 1988, especificamente no art. 49, com a possiblidade de o Supremo Tribunal Federal também sustar a deliberação da Casa Legislativa, o que bem pondera núcleo essencial da Separação de Poderes, freios e contrapesos”, diz o texto da justificativa.

Ministros do STF e Pacheco são contra a PEC

A proposta sofre forte oposição dos ministros do STF e também da cúpula do Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já disse considerá-la inconstitucional, por violação à separação dos Poderes, cláusula pétrea da Constituição que não pode ser abolida.

“Nós temos que ter absoluto respeito às iniciativas de parlamentares. Estão no Congresso para propor aquilo que acreditam e almejam. Mas, em relação a qualquer tipo de instrumento que faça com que decisões judiciais possam ser revistas por outro poder, é algo que parece ser inconstitucional. Portanto, é uma iniciativa da Câmara que respeitamos, mas não vejo no Senado um ambiente para discussão desta natureza”, disse Pacheco, em junho de 2022, ao comentar uma proposta semelhante, de autoria do deputado Domingos Sávio (PL-MG), a PEC 50/2023.

No ano passado, essa PEC foi novamente protocolada, e é ainda mais dura do que a 28/2023, pois não prevê qualquer possibilidade de reversão da suspensão de uma decisão.

“Não há que se falar em um ‘Poder Supremo’ para o judiciário, mas antes em dever Supremo de assegurar o respeito às leis elaboradas por aqueles que detém o poder que emana do povo, ‘o poder de legislar em nome do povo’”, diz a justificativa da PEC 50/2023.

O advogado e professor de Direito Constitucional Felipe Fonte, da FGV-Direito Rio, pondera que não é função típica do Legislativo, em qualquer lugar do mundo, suspender decisões de tribunais constitucionais. Ele entende que o próprio STF poderia derrubar uma PEC desse tipo, caso aprovada. Por outro lado, diz que, mesmo sem essa PEC, o Congresso pode aprovar emendas constitucionais que superem determinada decisão do STF no assunto em questão.

“Acho que seria inconstitucional por violar cláusula pétrea, que o Supremo interpreta de maneira restritiva. Decisão judicial está no núcleo daquilo que o Supremo faz. Para que um mecanismo desse ficasse de pé, creio que apenas o constituinte originário poderia prever. Lembrando que o Congresso sempre tem a oportunidade de superar as decisões do tribunal. Pode editar uma emenda à Constituição. Não vai ter efeitos cassatórios sobre a decisão, mas vai superar a jurisprudência”, diz o professor.

Parte dos estudiosos contrários também acredita que uma PEC assim intensificaria os conflitos institucionais entre Legislativo e Judiciário, além de deixar ainda mais instável a interpretação da Constituição, que passaria a ser disputada também pelos parlamentares.

“A interpretação constitucional não é matemática. Mas, ao menos do ponto de vista de aspiração sistêmica, as decisões do Supremo têm um componente mais técnico que político. Nesse sentido, se o Congresso se imiscuir na tarefa jurídica final de interpretar a Constituição, acho ruim. Mas para deixar claro: o Congresso hoje tem a prerrogativa de editar emenda constitucional superando decisões do Supremo. Já fez isso várias vezes”, diz.

Para ele, a deflagração da PEC representa mais uma reação imediata e momentânea do Congresso do que uma pretensão de aplicar a medida de forma frequente.

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