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Julgamento da inelegibilidade

Acusação contra Bolsonaro politiza TSE e pode facilitar cassações futuras, dizem juristas

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Braga Netto e o ex-presidente Jair Bolsonaro são alvo de ação de inelegibilidade no TSE (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciou, nesta quinta-feira (22), o julgamento da ação que pede a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e do candidato a vice por sua chapa eleitoral em 2022, o general Walter Braga Netto. A ação foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra Bolsonaro e Braga Netto por suposta prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, o julgamento está sendo politizado e, a depender do resultado, poderia abrir precedentes para que, no futuro, presidentes da República fossem cassados a partir de interpretações subjetivas do TSE.

A análise do processo foi interrompida pouco após o meio-dia desta quinta. Será retomada na próxima terça (27) e deverá se estender pelo menos até a próxima quinta (29).

Na ação, o PDT alega que houve desvio de finalidade em uma reunião de Bolsonaro com embaixadores em julho do ano passado. Bolsonaro teria usado a reunião, segundo o partido, "para atacar a integridade do processo eleitoral" e teria gerado "desordem informacional" sobre o sistema eletrônico de votação.

O primeiro a votar será o relator da ação, o ministro do TSE Benedito Gonçalves, que já sinalizou por falas anteriores e no próprio relatório uma posição desfavorável a Bolsonaro. Embora o relatório tenha um caráter sobretudo descritivo, Gonçalves fala, por exemplo, em um "arco narrativo alarmista" sobre o sistema eleitoral por parte do ex-presidente.

Nesta quinta, além da leitura do relatório, foram feitas as sustentações orais dos advogados de acusação e defesa, e a apresentação do parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE), que é favorável à declaração de Bolsonaro como inelegível e à absolvição de Braga Netto.

O MPE afirma que o discurso de Bolsonaro tentou incutir nos embaixadores "a errada impressão de que o processo de votação é obscuro, insuscetível de gerar confiança e aparelhado para manipulações de resultado em favor de um candidato e em detrimento de outro". Diz ainda que as falas "se voltam para animar parcela do eleitorado" a retratar Bolsonaro "como fustigado pelo sistema vigente" e que o problema se agrava porque o discurso ecoou episódios anteriores em que o ex-presidente criticou o sistema eleitoral.

Bolsonaro, segundo o MPE, teria influenciado parte do eleitorado "a desconfiar do sistema eleitoral", o que teria se confirmado por fatos posteriores, "alguns violentos, de inconformismo com os resultados das eleições presidenciais, em que se lhes atribuía a pecha de ilegítimos e fraudulentos".

O órgão aponta "uma inédita mobilização de parcelas da população que rejeitavam aberta e publicamente o resultado do pleito, por não serem legítimas". Para embasar esse argumento, o MPE recorre ao atos do 8 de janeiro, recordando os acampamentos e as manifestações que teriam reunido "pessoas convictas de que as eleições haviam sido fraudadas", e destacando que estão "muito presentes e nítidas as imagens" de "destruição e de acintosa violência aos Poderes constituídos".

O advogado do PDT, Walber Agra, deu destaque em sua sustentação à ideia de que as acusações contra Bolsonaro são concretas e não carecem de objetividade. Para o PDT, o "amplo alcance" que as falas de Bolsonaro obtiveram derrubariam a tese de que a reunião com os embaixadores foi um mero ato de governo.

Agra costurou uma relação entre a reunião com embaixadores, falas prévias de Bolsonaro sobre o sistema eleitoral, a minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e até os atos do 8 de janeiro para afirmar que Bolsonaro tinha como propósito último atacar as instituições democráticas. Segundo ele, o objetivo da acusação é "impedir que nossa civilização seja atacada novamente por essas hordas", em referência aos apoiadores de Bolsonaro.

Politização marca processo contra Bolsonaro, dizem especialistas em Direito Eleitoral

Para Richard Campanari, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o processo contra Bolsonaro é "reminiscente do estilo kafkiano". "A juridicidade, com todo respeito, é apenas aparente", afirma. "Eventual condenação do [ex-]presidente Bolsonaro será apenas a confirmação de que o processo político se instalou no Judiciário."

A visão manifestada por Agra, para Campanari, "não tem precedentes" na Justiça brasileira. "Conheço o prof. Walber Agra, de quem sou amigo e um profundo admirador, mas não concordo com a tese deste caso".

Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Direito e autor do livro "Instituições de Direito Eleitoral (2006)", diz que o parecer do Ministério Público Eleitoral "assume uma posição preocupante para o Direito Eleitoral no futuro". "Um perigoso precedente para relativizar as eleições presidenciais está se abrindo", observa.

Segundo ele, "a atribuição de gravidade 'em si mesma' em uma reunião do presidente da República com diplomatas, como desvio de poder que causaria inelegibilidade, é absurda e destrói por dentro o conceito de abuso de poder e toda a tradição jurídica do próprio TSE". "Em que, objetivamente, uma reunião presidencial com diplomatas afetou as eleições, a sua integridade e beneficiou o candidato à reeleição? Em que proporção?", questiona.

O parecer do MPE, na visão de Soares da Costa, tomou como certo o que deveria ser objeto de prova. "E essa prova seria impossível, porque é inegável que em uma eleição presidencial isso não afetou absolutamente nada, salvo a sensibilidade dos membros da Justiça Eleitoral, que se sentiram ofendidos", comenta.

Caso os ministros concordem com o parecer do MPE, para Soares da Costa, os futuros presidentes da República eleitos ficariam suscetíveis à cassação de seus mandatos "a depender de uma interpretação pessoal de cada composição do TSE".

Como a defesa do ex-presidente respondeu às acusações

A defesa de Bolsonaro e Braga Netto argumenta que a reunião com embaixadores foi um ato de governo, que constou da agenda oficial e que, inclusive, o então presidente do TSE, Edson Fachin, foi convidado para o evento. Diz ainda que o público-alvo da exposição, formado por representantes de países estrangeiros, não tinha nem sequer capacidade de votar no Brasil.

Para a defesa, "uma leitura imparcial e serena" do discurso do ex-presidente revela "falas permeadas de conteúdos técnicos, que buscam debater um tema importante". A defesa diz também que não há "provas contundentes do prejuízo ao processo eleitoral", mas apenas "considerações vagas e imprecisas acerca da eventual gravidade do discurso apresentado aos embaixadores".

Tarcísio Vieira, advogado de defesa, destacou durante a sua sustentação oral que o TSE não pode ser palco de discussões políticas. Em referência à fala do advogado de acusação, que classificou os apoiadores de Bolsonaro como "hordas" que se opõem à civilização, Vieira disse que "não está em julgamento o bolsonarismo".

"Não se está a arbitrar uma disputa sangrenta, imaginária, entre a civilização e a barbárie. Isso não está em julgamento, mesmo porque o Tribunal Superior Eleitoral é um tribunal, não é um parlamento, não é um colégio eleitoral", afirmou.

Ele destacou ainda a importância do devido processo legal, e disse que o atual julgamento não serve "para colocar fim eleitoral em Bolsonaro, no bolsonarismo, ou mesmo para varrer do mapa político um projeto de direita para o Brasil".

Vieira ressaltou que, no Direito, é preciso tratar com objetividade a natureza jurídica das coisas". "Uma reunião com embaixadores é uma reunião com embaixadores", disse. "Isso não traduz uma base fática suscetível de apuração em ação de investigação judicial eleitoral. Se o presidente queimou a largada em matéria de propaganda, que se lhe aplique a multa do [artigo] 36. Se o presidente fez uso indevido em prédio público, que se aplique a multa do artigo 73 da Lei das Eleições", afirmou.

Vieira fechou sua sustentação oral pedindo que o julgamento não reproduza o "Caso Dreyfus", evento histórico do final do século 19, na França, em que o capitão Alfred Dreyfus foi injustamente condenado. "Um caso que, segundo Rui Barbosa, foi baseado em documentos falsos, em manipulação de provas, em revanchismo e imparcialidade da imprensa" e que terminou em "uma vindicta individual, uma condenação rancorosa".

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