O advogado Hery Waldir Kattwinkel Junior, defensor do segundo réu a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos atos de 8 de janeiro, criticou, na tribuna, a postura do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, na condução do caso.
“É impressionante, com a devida vênia eu peço, eu vejo o ministro Alexandre de Moraes inverte o papel de julgador aqui nessa Suprema Corte. Ele passa de julgador a acusador. É um misto de raiva com rancor, com pitadas de ódio, quando se fala dos patriotas, que são aqueles amam seu país”, disse.
A frase usou expressões parecidas com as que foram usadas em 2018 pelo ministro Luís Roberto Barroso num bate-boca, no plenário, com Gilmar Mendes. Na época, ele disse que o colega “é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”.
Nesta quarta, primeiro dia de julgamento, outro advogado, o desembargador aposentado Sebastião Coelho, disse, perante os ministros, que eles eram “as pessoas mais odiadas” do país, no que foi rebatido por Moraes, que disse que os “extremistas” que invadiram as sedes dos Poderes é que eram odiados e uma minoria, “que perdeu nas urnas”.
Nesta quinta, o ministro também rebateu o segundo advogado, que falou em nome do réu Thiago Mathar, preso dentro do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro.
“É patético e medíocre que um advogado suba à tribuna do Supremo Tribunal Federal com um discurso de ódio, um discurso para postar depois nas redes sociais, que veio aqui agredir o Supremo Tribunal Federal, talvez pretendendo ser vereador do seu município no ano que vem”, disse Moraes. No início da sustentação, Hery disse que já ocupou “tribunas do Legislativo municipal”; no ano passado, ele se candidatou a deputado estadual em São Paulo, mas perdeu.
Moraes disse que sentiu “tristeza” porque, para ele, o advogado não teria defendido o cliente tecnicamente na sustentação oral. “O advogado ignorou a defesa, não analisou absolutamente nada. Não analisou a associação criminosa, o dano. Não analisou nada porque preparou um discursinho para postar em redes sociais. Isso é muito triste”, afirmou.
Dirigindo-se a estudantes de direito presentes no plenário do STF, que segundo o ministro, “tiveram uma aula do que não deve ser feito na tribuna da Suprema Corte do país”.
Advogado citou frase "eleição não se ganha, se toma"
Durante a sustentação, Hery ainda citou uma frase atribuída nas redes socias a Luís Roberto Barroso em 2021, de que “eleição não se ganha, se toma”. “Ato antidemocrático é quando um ministro da Suprema Corte fala que eleição não se ganha, eleição se toma. Isso é preocupante. Isso nos causa medo, insegurança, calafrios”, disse na tribuna, para rebater as acusações contra o cliente de que ele teria praticado “atos antidemocráticos”.
Depois da sustentação, Barroso pediu a palavra e contou que, em 2021, quando presidia o Tribunal Superior Eleitoral, visitou a Câmara a convite do presidente da Casa, Arthur Lira, para argumentar no plenário por que era contra o voto impresso, em discussão na época.
Barroso narrou que, numa conversa no Salão Verde da Câmara com o então deputado Jhonatan de Jesus, dizia a ele que, na véspera, havia se reunido com seu pai, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR). Neste encontro, Mecias disse a ele que era contra o voto impresso, porque na época em que os votos eram contados em cédulas, ganhou eleições em Roraima, mas não foi eleito, porque teriam lhe “tomado” as eleições. Disse então a Barroso que “eleição em Roraima não se ganha, se toma”, referindo-se àquela época.
Barroso repudiou a edição do vídeo que circulou nas redes sociais, em que aparece reproduzindo trecho da frase, na conversa com Jhonatan, cortando a palavra Roraima e o contexto. “A mentira dominou o país e as redes sociais também. Eu jamais disse que ‘eleição não se ganha, eleição se toma’. Essa é mais uma fraude que se pratica online, de pessoas de milícias digitais, que cultivam a mentira, precisam da mentira, se alimentam da mentira”, afirmou, antes de narrar o episódio.
Advogado critica aplicação da tese do crime de multidão
Na sustentação, Hery criticou a aplicação, pelos ministros, da tese do “crime multitudinário”, invocado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e já acolhido pela maioria do STF na condenação do primeiro réu. Segundo ele, ao julgar crimes cometidos por uma multidão, o juiz deve saber diferenciar condutas de grupos distintos, de modo a não condenar inocentes.
“Temos sim, mesmo com crimes multitudinários, grupos. Existem grupos executores, mas existem grupos manifestantes. Não podemos colocar no mesmo balaio aquelas pessoas que estiveram com pensamentos psicológicos diferentes”, disse o advogado.
Ele deu como exemplo casos de brigas de torcidas organizadas em estádios. “Se uma torcida organizada começar a brigar com a outra, daqui a pouco estou respondendo pelos crimes ali cometidos só pelo simples fato de estar no estádio. Porque eu fui com a mesma vontade, de assistir a uma partida, da mesma forma que quis a torcida organizada. Só naquele meio tempo mudou, e eles quiseram partir para a briga. E não é porque estou perto que esteja participando daquilo e com vínculo psicológico para aquilo”, afirmou.
“É preciso também, no caso dos executores [do ato de 8 de janeiro], estabelecer em que grupos havia a mesma motivação. Grupos que queriam depredar, grupos que queriam defender, grupos que estavam ali, sim, para se manifestar”, finalizou.
Ele disse que o cliente foi preso com uma bandeira verde a amarela do Brasil, objeto que não poderia ser usado para tentar um golpe de Estado, como acusa a PGR.
“Nos casos dos crimes impossíveis, não se pode punir nem mesmo a tentativa. Não havia qualquer tipo de lesividade, num golpe de Estado. É como os índios quererem tomar o Planalto e mudarem o Estado Democrático de Direito. É impossível com estilingue, com penas, arco e flecha. Quanto mais com uma bandeira verde e amarela, como era o caso de Thiago Mathar. Pelas imagens vimos canivetes, entre outras coisas, daquela imensidão de pessoas. Era muito pouco material que pudesse realmente mudar a ordem democrática”, afirmou.
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