Advogados de manifestantes presos em atos políticos, como o 8 de janeiro deste ano e o 12 de dezembro de 2022, relataram em audiência pública, nesta quarta-feira (13), violações de direitos humanos ocorridas contra os clientes durante o processo de detenção. Os defensores alegaram descumprimento do processo legal, torturas e péssimas condições de encarceramento.
A audiência foi realizada na Comissão de Segurança e Combate do Crime Organizado da Câmara dos Deputados e ocorreu no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento de Aécio Pereira no inquérito que investiga as manifestações de 8 de janeiro.
O advogado Cláudio Luís Caivano, que representa o cabo Gerson Luiz dos Santos e a esposa dele, Marcela Tatiane de Oliveira Santos, leu um relato feito pelo cliente sobre o processo de prisão feito pela Polícia Militar em relação aos manifestantes acampados em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, no dia 9 de dezembro. O casal não havia participado dos atos de vandalismo do 8 de janeiro, mas eles presos por estarem acampados.
"Falaram que teríamos que ir embora e nos deram o prazo de uma hora. Juntamos nossas coisas e fomos para frente de um palco que foi montado com caixas de som, esperando uma resposta do próprio Exército, de outras autoridades. [...] Fomos enganados. Um oficial do Exército falou no megafone para entrarmos nos ônibus que estavam ali porque iam nos levar em segurança para um local seguro e só fariam uma triagem. Os ônibus desfilaram por toda Brasília para a imprensa ver. Nos levaram para um Batalhão da Polícia Militar, onde ficamos sem água, sem comida, sem banheiro por horas. Não havia banheiro no local. Eles usaram a parede do fundo do Batalhão da Polícia Militar", disse o advogado.
Tendo uma filha de quatro anos e outra de 15 anos, a expectativa relatada pelo advogado era de que Marcela seria solta de imediato. De acordo com o Código de Processo Penal, em seu artigo 318, mães de crianças menores de 12 anos podem ter prisão preventiva convertida em prisão domiciliar.
"A delegada que atendeu minha esposa a tinha liberado para ir embora, pois temos uma filha de 4 anos e outra de 15 anos, mas na hora que ela estava saindo um outro policial parou dizendo que não poderia sair. A delegada disse que eram ordens e que ela não tinha mais o poder discricionário de soltar mais ninguém naquele momento".
Após ser encaminhado para o Complexo Penitenciário da Papuda, Santos contou que, por conta das condições da prisão, adoeceu e teve problemas de coluna. Ao pedir por medicamentos para dor, teve o pedido negado.
"Pedi remédios para os guardas e como é horrível estar naquele lugar. Eles não me deram remédio e não autorizaram eu pegar um remédio que tinha na minha bolsa. Por fim, tive que esperar mais de uma semana para o atendimento médico, com fortes dores na coluna e irradiando para a perna. Tive que rolar no chão da cela para tentar dormir. Só tive atendimento médico no dia 15 de fevereiro, quando levaram cadeira de rodas".
Santos foi solto no dia 15 de março e foi obrigado a utilizar tornozeleira eletrônica. Por determinação judicial, ele precisa se apresentar toda sexta-feira à Justiça para verificação.
Presos no 12 de dezembro de 2022
A audiência desta quarta-feira também ouviu presos nas manifestações de 12 de dezembro de 2022, data da diplomação do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O advogado Geovane Veras Pessoa, que representa o líder indígena e pastor José Acácio Serere Xavante, o Cacique Serere, afirmou que o indígena teve acesso aos medicamentos para diabetes negados pela carceragem da Papuda.
"Eles recusaram (o pedido de medicamentos). Tive que entrar novamente com o pedido juntamente com outro médico especialista em gastro que fez um estudo comprovando que a etnia Xavante morre precocemente por conta de diabetes tipo 2", relata o advogado.
O indígena foi preso por supostas ameaças ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O pedido inicial de prisão foi feito pela sub-procuradora-geral da União, Lindôra Araújo. Na época, a Procuradoria-Geral da União (PGR) pediu prisão temporária para Serere, mas Moraes a converteu em prisão preventiva. O cacique foi liberado no último sábado (9).
Sobre a prisão, Veras Pessoa também relata que, pelos dias que ficou preso, Serere já teria cumprido a pena prevista para o crime em que foi acusado. "Analisando o artigo mencionado, o Serere pegaria, na pior hipótese, 141 dias de detenção. Ele estava com 278 dias. Ultrapassou o prazo legal para a prisão", disse. Ele também conta que fez várias manifestações à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas que o órgão se recusou a recebê-lo".
Ao ser liberado, Serere foi obrigado a utilizar tornozeleira eletrônica, o que segundo o advogado não cabe porque ele já cumpriu a pena. O equipamento também atrapalha o indígena em realizar as atividades religiosas e sociais, já que atende comunidades próximas a Aragaças (GO).
"Ontem eu protocolei um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para retirada da tornozeleira, porque ele já cumpriu a pena. E a alternativamente fiz um pedido para que que fosse estendida a tornozeleira para no máximo 500 km. Ele tem essa função de líder cacique e na hierarquia dos Xavantes ele é o segundo. Ele faz a função de chefe cerimonial e lá dentro prega a palavra de Deus", disse o advogado.
Também presa pelo atos do dia 12 de dezembro, a jornalista Klio Hirano foi outro caso citado na comissão como violação de direitos humanos. Em 29 de dezembro de 2022, ela foi presa por ordem de Moraes na operação que investigou supostos atos de vandalismo. No dia, um grupo protestou contra a prisão de Serere em frente à sede da Polícia Federal. De acordo com o advogado Sérgio Luís Nery Júnior, a jornalista passou meses sem o tratamento para osteonecrose no quadril, uma complicação gerada por uma doença autoimune.
"Ela ficou presa por oito meses, sem tratamento médico, sem tratamento psicológico, sem tratamento psiquiátrico, agravando seu estado de saúde. A necrose começou a subir a atacar atingir outros órgãos dela", disse o advogado. Ele informou que Klio foi solta na última terça-feira (5), após novo pedido de soltura feito pela defesa a Moraes.
"A Procuradoria-Geral da União peticionou no sentido de ser desnecessário a prisão preventiva, tanto da Klio como dos outros. Só existe um único vídeo sobre o caso (em que Klio aparece comentando os atos). Na mesma peça processual, apura-se suposta prática de delitos de associação criminosa armada, dano qualificado e incêndio; majorado a abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de estado. A Klio não se enquadra nenhuma dessas acusações. Ela não estava cometendo nenhum delito, simplesmente ele estava exercendo a sua profissão de jornalista cobrindo o ato", acrescenta o advogado.
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