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Buscando emplacar uma agenda que traga destaque para o Brasil por meio do G20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está minando esses esforços com crises diplomáticas que causou ao longo dos últimos meses. Para analistas, desde pequenas “gafes” a sérias distorções da realidade e relativismos injustificáveis protagonizados pelo petista têm ofuscado a agenda de sua política externa.
Desde que assumiu o terceiro mandato em janeiro de 2023, Lula adotou o slogan de que “o Brasil voltou” ao cenário internacional. À frente do G20 desde dezembro, o petista busca ecoar discursos como a reforma dos organismos globais, a agenda verde e transição energética e o combate à desigualdade social. Mas, o que tem chamado atenção na política externa de Lula, são as polêmicas.
No último ano, Lula fez declarações polêmicas sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia que o afastou da possibilidade de ser um mediador, como ele queria. Em uma de suas afirmações, Lula chegou a equiparar a responsabilidade de guerra entre os dois países.
Mais recentemente, o mandatário causou uma crise diplomática entre o Brasil e Israel após fazer críticas ao país. Enfrentando uma guerra contra o grupo terrorista Hamas, Lula comparou a contraofensiva israelense na Faixa de Gaza ao Holocausto. Após a comparação, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, declarou Lula persona non grata e chamou de “imperdoável” o que foi dito pelo petista.
Para especialistas, os deslizes do chefe do Executivo brasileiro atrasam a agenda internacional do Brasil. O petista também não consegue emplacar agendas antigas e que ele tem tentado promover à frente do G20 e em fóruns internacionais. Ao mesmo tempo que a crise diplomática com Israel escalonava, o Brasil sediava o Encontro de Chanceleres do G20 no Rio de Janeiro — reunião que acabou ofuscado pelo ruído criado com Jerusalém.
"Esperava-se que essa reunião [do G20 no Rio de Janeiro] tivesse uma importância mais alardeada e que trouxesse prestígio para o Brasil e também a possibilidade de desenvolver, sediando a reunião, a condição de propor políticas e ações de governança internacional. Isso deveria ficar em evidência dentro de outras coisas que o país tem proposto, como mecanismos de políticas sociais de combate à fome; desenvolvimento econômico; medidas de proteção ambiental... mas tudo isso acabou sendo eclipsado", avalia Elton Gomes, professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Crise com Israel ofuscou encontro de chanceleres do G20 no Rio
A crise entre Brasil e Israel movimentou o Palácio do Planalto e o Itamaraty nos últimos dias. Além dos ruídos entre os dois países, os Estados Unidos — país que tem manifestado apoio irredutível a Jerusalém — se posicionaram contra as acusações de Lula sobre Israel.
“Fomos bastante claros que não acreditamos que um genocídio ocorreu em Gaza. Queremos ver o conflito encerrado quando for possível. Queremos ver o aumento de ajuda humanitária para civis em Gaza. Mas não concordamos com esses comentários”, declarou o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Matthew Miller.
A crise diplomática com Israel aconteceu na mesma semana em que o Brasil recebeu chanceleres do G20 no Rio de Janeiro. No evento oferecido pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, o intuito era discutir a situação geopolítica do mundo atual com os países-membros do bloco.
Diversas nações enviaram seus representantes para participar do encontro, entre elas Rússia, China, Estados Unidos, Argentina e União Europeia. A cúpula que durou dois dias teve pouco destaque na mídia nacional ou internacional, apesar da relevância do tema em discussão.
"O evento foi eclipsado e isso aconteceu devido às declarações de Lula em desfavor do Estado de Israel. Então essa discussão toda [ocorrida durante a reunião de chanceleres no G20], que já tem as muitas divisões entre os países mais ricos e os países em desenvolvimento, os Estados Unidos e China pela hegemonia mundial, e a questão ambiental cada vez mais importante, acabaram nem aparecendo tanto em função dessa declaração", pontua Gomes.
Às margens da cúpula, Lula teve encontros bilaterais que ganharam mais destaque e chamaram atenção da mídia. Em seu gabinete no Palácio do Planalto, o petista recebeu o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, dois dias após a crise com Israel. O secretário veio ao Brasil para o encontro do G20 mas passou em Brasília para se reunir com o petista.
No encontro, Blinken reforçou o posicionamento oposto dos EUA à declaração de Lula e explicou como a memória do Holocausto, que causou o genocídio de milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, ainda é uma memória latente para o povo israelense.
Comentários de Lula sobre guerras o afastaram e de discussões internacionais
Com o lema de que o “Brasil voltou”, Lula assumiu este terceiro mandato com a intenção de colocar o país dentro das principais discussões mundiais. Ainda nos primeiros meses deste governo, chegou a propor uma espécie de Clube da Paz para solucionar a guerra entre Rússia e Ucrânia na Europa.
A proposta, que não passou de uma ideia, foi colocada de escanteio quando o brasileiro passou a dar declarações contraditórias sobre o conflito. Em meio a acenos à Rússia, acusou o G7 (grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Itália, França, Japão e Reino Unido) de ser responsável pelo conflito armado entre os dois países e também a Ucrânia.
As afirmações lhe renderam uma série da críticas. O Brasil também foi contrário à assinatura de declarações em que havia condenações à Rússia pela invasão à Ucrânia. Lula tem evitado receber o presidente Volodymyr Zelensky no país.
Ainda em outubro, quando o Hamas atacou Israel, Lula afirmou que estava à disposição para “encontrar uma solução para o conflito” mas rejeitou condenar o grupo terrorista. Levou, inclusive, sete dias para que o petista chamasse de terrorista o ataque que matou cerca de 1,2 mil israelenses.
Desde então, o brasileiro passou a atacar Israel e em mais de uma ocasião chamou de “genocídio” a contraofensiva israelense contra o Hamas. Em meio a isso, Lula foi isolado das negociações que buscam uma solução para a crise no Oriente Médio, enquanto nações como Estados Unidos, Qatar e Egito ganham destaque nessas tratativas.