A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, diz que demarcação de terras é prioridade na gestão Lula| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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A retomada nas demarcações de Terras Indígenas, paralisadas no governo Bolsonaro, foi promessa de campanha do governo Lula. Com o início do mês de abril, celebrado como “Abril Indígena” pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), produtores rurais e proprietários de terras em áreas que podem ser demarcadas já relatam ameaças, apreensão e insegurança. O receio é que as famílias sejam expropriadas, sendo indenizadas apenas pelas benfeitorias das propriedades e não por suas terras.

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Os temores das famílias que podem perder suas terras nos processos de demarcação são reforçados por declarações recentes de integrantes do governo Lula. Em solenidade realizada na Funai, no dia 3 de abril, a presidente do órgão, Joenia Wapichana deu início à programação do Abril Indígena 2023 e declarou que está “na expectativa de vários anúncios do Governo Federal ainda no mês de abril”.

As notícias sobre a retomada nas demarcações mobilizam proprietários de terra em todo o Brasil. Desde os primeiros anúncios feitos por integrantes do governo Lula, o secretário de agricultura de Santa Catarina, Valdir Colatto, vem alertando sobre os impactos no estado e teme os prejuízos causados pelas decisões em Brasília. “Temos o receio de que portarias e decretos de demarcação sejam assinados nos próximos dias, especialmente no dia 19 de abril”, afirmou o secretário Colatto.

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Indígenas teriam ameaçado proprietários de terras

No litoral catarinense, pequenos proprietários de terras e famílias que moram na zona rural têm relatado ameaças de indígenas em uma área conhecida como Morro dos Cavalos, em Palhoça, que fica a 40 quilômetros de Florianópolis.

De acordo com lideranças e autoridades locais, o principal receio deles é de que famílias sejam desapropriadas, perdendo, na maioria dos casos, a única propriedade e o seu sustento. “Temos aqui, mais de 100 famílias que vivem ameaçadas pelos índios. Várias pessoas já relataram abordagens dos índios dizendo que as famílias já devem sair das suas terras e deixar a produção agrícola para que os índios colham”, relatou o vereador de Palhoça, Rodrigo Quintino.

Na região de Morro dos Cavalos, verificam-se títulos de propriedade com mais de 50 anos. As propriedades, em sua maioria, vêm sendo passadas de geração para geração. De acordo com o documento da Secretaria da Agricultura, "a imediata homologação de Morro dos Cavalos ensejará a retirada de núcleos populacionais que residem e que retiram seu sustento diretamente da região, sem que haja a construção de uma alternativa clara para resguardar a moradia e a subsistência dessas pessoas".

Liderança de Território da Terra Indígena Morro dos Cavalos, o indígena Jekupê é responsável por acompanhar a demarcação. Ele afirmou que a desinformação é um dos principais problemas que envolvem a questão. “Nós desconhecemos as ameaças mencionadas. Prezamos sempre por conversas pacíficas e por buscar combater a desinformação”, afirmou o indígena.

A desinformação apontada diz respeito especialmente aos limites da terra indígena que, de acordo com o líder Jekupê, tem sido divulgada de forma errada por alguns veículos de imprensa e políticos da região. “Vimos muitos mapas que não condizem com a realidade”, frisou o indígena ao relatar que algumas famílias que temem a demarcação não fazem parte dos limites da terra indígena Morro dos Cavalos.

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Sobre a expectativa de homologação, Jekupê ressaltou que desde a transição do governo Lula, quando a área foi apontada para homologação de terra indígena, eles estão tranquilos e aguardando pela justiça na demarcação das suas terras. Ele reforçou que 19 de abril, dia dos Povos Indígenas e o Acampamento Terra Livre (ATL), que será realizado em Brasília de 24 a 28 de abril, podem ser marcos para a assinatura de portarias e decretos sobre as Terras Indígenas.

Indígenas voltaram de Brasília confiantes em demarcação

No Oeste catarinense, relatos dos agricultores levados ao conhecimento do governo do estado dão conta de que os índios que estiveram em Brasília nos últimos meses voltaram confiantes das demarcações e “achincalhando” os agricultores que podem perder suas terras. Em Abelardo Luz, na área a ser demarcada conhecida como Toldo Imbu, cerca de 100 famílias vivem no que dizem ser um “inferno permanente”.

Na região objeto da demarcação existem algumas posses e títulos de propriedade que remontam ao século passado, os quais serão prejudicados com a homologação da área indígena. Em documento formulado pela Secretaria de Agricultura de Santa Catarina, o governo do estado afirma que agricultores que sobrevivem de sua produção há várias décadas poderão ter seus meios de subsistência comprometidos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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Invasões no Mato Grosso do Sul motivaram visita da Ministra Guajajara

Já no Mato Grosso do Sul, há invasões de indígenas em propriedades privadas sendo registradas. A invasão da chamada Fazenda do Inho, no município de Rio Brilhante, ganhou repercussão nacional por pertencer ao presidente do diretório do Partido dos Trabalhadores (PT).

O caso motivou uma visita da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, ao estado. Na oportunidade, ela se reuniu com o governador do estado, Eduardo Riedel e ambos anunciaram que vão tentar solucionar o caso por meio de uma parceira entre os governos federal e estadual, que passa pela aquisição de terras tituladas.

De acordo com o governador Riedel, a questão da demarcação de terras é cara para o Estado, para as comunidades indígenas e para os produtores, mas, com a parceria e o apoio do Governo Federal, a solução se torna possível. No entanto, ainda conforme Riedel, o Ministério do Planejamento e Orçamento já teria sinalizado a intenção de destinar recursos financeiros para este fim.

Para o advogado sul-mato-grossense que atua na questão indígena desde a década de 90, Cícero Alves da Costa, não há dúvida de que haverá o processo de instrução para as demarcações neste governo. “Eu vejo com muita preocupação [o andamento dos processos já em tramitação na Funai]. Nós temos 154 áreas produtivas invadidas no estado. No caso de Rio Brilhante, por exemplo, sequer existe um laudo, um estudo preliminar da Funai”, comentou. O advogado ressalta ainda que as propriedades invadidas têm títulos com entre 40 e 70 anos.

Diferente dos últimos quatro anos, sob o governo Bolsonaro, quando as demarcações foram paralisadas, no governo Lula as declarações de que as demarcações devem voltar ainda neste ano são frequentes.

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Demarcação indígena é compromisso no Governo Lula 

O compromisso com os indígenas foi selado ainda na pré-campanha. Em abril de 2022, durante o Acampamento Terra Livre em Brasília (evento organizado por grupos indígenas desde 2002) Lula foi presenteado com uma caneta guarani e ouviu o pedido das lideranças indígenas para que assinasse a homologação das terras com ela.

Em entrevista concedida em janeiro, após assumir o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas, a ministra Sonia Guajajara afirmou que pelo menos 14 áreas podem ser demarcadas ainda neste ano. "Temos 14 processos identificados, que estão com os estudos prontos, concluídos, já têm a portaria declaratória. A gente espera que o presidente Lula possa assinar a homologação", disse.

Já em fevereiro, ao receber a Comissão Guarani Yvyrupa, que reúne comunidades indígenas Guarani de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a ministra se comprometeu com a demarcação de 12 terras nos 100 primeiros dias de governo Lula. Nesta oportunidade, a ministra também recebeu uma caneta decorada com grafismos guaranis, com a qual foi convidada a assinar as portarias de demarcação.

Mais recentemente, durante o evento de abertura do Abril Indígena na Funai, a ministra Guajajara salientou que “está trabalhando de forma articulada com os outros setores do Governo Federal que tratam da temática indígena, a fim de avançar, por exemplo, nos processos de demarcação”.

Ao ser convidada na terça-feira (11) para falar na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados, a ministra voltou a afirmar que reconhece e defende territórios indígenas .

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Mas, em paralelo às colocações da ministra na audiência, o PP protocolou no Supremo uma ação questionando a decisão do governo de atribuir a questão da demarcação de terras para o Ministério dos Povos Indígenas. A petição diz que o processo deixa de ser isonômico, impessoal e privilegia os indígenas.

Processos sobre áreas indígenas foram suspensos pelo Supremo

Os advogados que atuam na questão indígena ouvidos pela reportagem afirmam acreditar que os processos de demarcação devem continuar suspensos enquanto não é finalizado o julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do Recurso Extraordinário 1017365.

A afirmação se baseia na decisão do Ministro Edson Fachin, de maio de 2020, que suspendeu em âmbito nacional os processos judiciais envolvendo ações possessórias e as demarcações. A decisão diz ainda que o “termo final” dessa determinação seria o “término da pandemia da COVID-19 ou do julgamento final da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365 (Tema 1031), o que ocorrer por último”.

Apesar da decisão, os advogados relatam que a Funai tem movimentado os processos administrativos de demarcação, além de dificultar o acesso à integralidade dos autos, cerceando assim o direito de defesa dos proprietários de terras.