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Crise dos fertilizantes

Brasil enfrenta desafio geopolítico para preservar agronegócio dos efeitos da guerra

O que o Brasil está fazendo para evitar os efeitos da guerra na Ucrânia no agronegócio nacional.
Desembarque de carregamento de fertilizante no Porto de Paranaguá: insumo estratégico ao agronegócio no centro de um xadrez geopolítico. (Foto: Gazeta do Povo/Arquivo)

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O governo federal deflagrou um esforço para reduzir os danos da guerra na Ucrânia sobre a agronegócio brasileiro, especialmente na importação de fertilizantes. Mas essas ações estão inseridas em um xadrez geopolítico e logístico sobre o qual o país não tem domínio de todas as peças.

A posição do Brasil em relação à Rússia, um dos principais fornecedores mundiais do insumo agrícola, faz parte desse jogo. O país condenou a guerra nas Nações Unidas (ONU), mas tem evitado subir o tom contra o governo de Vladimir Putin, como estão fazendo as potências ocidentais. Isso fez com que o Brasil não tenha sido considerado pela Rússia um país "hostil" – o que abre a possibilidade de manter o comércio entre as duas nações na área agrícola. Em paralelo, o governo busca estreitar laços com outros países produtores de fertilizantes, diante do cenário em que as sanções à Rússia se estendam por tempo indeterminado.

Mas há jogadas nesse xadrez sobre as quais o Brasil não tem completo domínio. Por exemplo: além da Rússia, não há muitos fornecedores de fertilizantes no mercado internacional, o que se torna um problema logístico: garantir o abastecimento ao mercado interno.

Além disso, o Brasil é pressionado internacionalmente por nações ocidentais (e até mesmo internamente) a adotar uma posição mais dura em relação à invasão da Ucrânia, o que poderia levar o país a ser retaliado pelos russos na área de fertilizantes. E existe o risco de a própria Rússia bloquear unilateralmente o fornecimento do insumo, não em função do Brasil em si, mas como estratégia de guerra mais ampla, já que é um importante fornecedor mundial do insumo – o que afetaria a agricultura, não só brasileira, mas de vários países.

Diante dessas possibilidades, interlocutores do governo até admitem que o Brasil pode vir a mudar seu posicionamento em relação aos russos, adotando uma posição mais dura. Mas, se isso vier a ser feito, vai ocorrer se o agronegócio nacional estiver salvaguardado.

O Ministério da Agricultura monitora diuturnamente o combate armado no leste europeu e a evolução do conflito a fim de acompanhar se existe, de fato, algum risco para o comércio de fertilizantes. Por ser um país que importa em torno de 85% do fertilizante utilizado na produção agropecuária, grande parte dele da Rússia, a dependência brasileira deixou o governo em alerta sobre a possibilidade de uma ruptura geopolítica obstruir a importação do insumo, que é estratégico e vital para toda a cadeia agrícola e econômica do país.

Técnicos do Ministério da Agricultura dizem que o cenário padrão trabalhado pela pasta atualmente não sugere o risco de ameaça disseminada ao agronegócio brasileiro. Interlocutores apontam, porém, que o alerta está ligado e que todos os esforços serão adotados para mitigar os danos da guerra.

O discurso feito por técnicos da pasta é de que as ações adotadas independem da posição do governo acerca da guerra. Na ONU, o Brasil votou contra a Rússia. Parte da base do governo defende um posicionamento mais crítico em relação aos russos.

Como o governo tenta reduzir os impactos da guerra no agronegócio

Algumas medidas foram anunciadas pela própria ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para mitigar os impactos da guerra no agronegócio brasileiro. Ela anunciou uma viagem ao Canadá para o dia 12 de março com o objetivo de negociar o aumento de fornecimento de cloreto de potássio, que é o principal fertilizante importado da Rússia e amplamente utilizado na produção de soja.

"O nosso maior gargalo no Brasil é o potássio. Nós importamos mais de 90% do que consumimos. Esse é o produto que temos mais preocupação. Cada vez mais o Brasil e outros países vão precisar desse fornecimento do Canadá", afirmou em entrevista à CNN Brasil na quarta-feira (2). O Canadá é um dos países classificados como "hostis" pela Rússia.

A ministra também já havia estado no Irã, em fevereiro, em busca de fertilizantes. À época, já havia uma escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia. No governo, também é dito que uma viagem ao Chile, outro produtor do insumo agrícola, também não está descartada. Técnicos da pasta apelidaram essas conversas de “diplomacia dos fertilizantes”.

Tereza Cristina também anunciou o lançamento do plano nacional para ampliar a produção de fertilizantes no país, que deve ocorrer até o fim de março. "Esse plano está pronto, não foi por causa desta crise [guerra]", afirmou Tereza na quinta-feira (3) durante uma live com o presidente Jair Bolsonaro (PL).

O plano nacional de fertilizantes já foi, inclusive, apresentado a empresas canadenses instaladas no Brasil, afirma um técnico da pasta à Gazeta do Povo. Com a viagem da ministra agendada para o Canadá, a expectativa é fortalecer a aproximação comercial e ampliar os acordos agrícolas com os canadenses.

"O que queremos é dar um sinal de manutenção dos fluxos comerciais e uma apresentação dos potenciais que temos a receber em investimentos. Existem fundos canadenses querendo investir no Brasil e queremos estimular para que mantenham o interesse. E empresas canadenses têm potencial de aumentar seus investimentos se entenderem que o plano é interessante", diz o interlocutor.

O mesmo técnico estende o posicionamento a outros parceiros comerciais brasileiros, tais como Arábia Saudita, Catar, China, Marrocos, Belarus e a própria Rússia. "A ideia é que, diferentemente de outros planos, com participação mais estatal, o país tenha um projeto mais inteligente e de atração de conexões comerciais com outros países", destaca a fonte.

Além dessas ações, a pasta permanece vigilante para atenuar os impactos, sobretudo após o presidente russo, Vladmitir Putin, recomendar que produtores suspendam a exportação de fertilizantes, fato que ligou o sinal de alerta. "Estamos sob luz amarela, monitoramos as transações financeiras para essas commodities e a distribuição logística de embarcações. E durante os recentes dias temos monitorado e percebido que têm caminhado", diz um interlocutor. "Estamos cautelosos, mas cientes de que o abastecimentos dos insumos acontece e vai acontecer", acrescenta.

Interlocutores do Ministério da Agricultura dizem que os diálogos com o Itamaraty são constantes e que os diplomatas brasileiros estão atentos às demandas do Brasil por importação. “Tem sido um aprendizado muito interessante; e o Itamaraty é muito rápido e eficiente para lidar com essas questões. Voltamos nossos esforços para garantir nossos principais parceiros, como o Irã e países potenciais fornecedores como o Canadá. São sinais importantes para deixarmos claro que somos parceiros tanto para vender e comprar”, diz uma fonte da Agricultura ouvida pela Gazeta do Povo.

Governo diz que plano de fertilizantes e visita ao Canadá já estavam previstos

As ações adotadas pelo governo abrem o caminho para que o país consiga se precaver de maiores danos ao fornecimento de fertilizantes ao mercado interno brasileiro, caso venham a ocorrer. Mas tanto o plano nacional de fertilizantes como a viagem ao Canadá estavam programados e não são uma resposta ao atual cenário no leste europeu, afirmam interlocutores do Ministério da Agricultura e a própria ministra Tereza Cristina.

Seja por uma ruptura geopolítica ou por uma retaliação russa no caso da adoção de uma postura mais crítica, a pasta entende que os impactos ao agronegócio podem ser mitigados. O cenário mais provável trabalhado pela pasta atualmente, porém, é de que o Brasil não vai mudar sua atual posição em relação à Rússia.

“Claro que o reposicionamento pode acontecer e isso faz parte da política internacional. Mas estamos sopesando todos os aspectos e riscos que podemos lidar com choques de oferta em produtos estratégicos”, diz um interlocutor da pasta.

O Ministério da Agricultura sabe que precisa assegurar bons acordos por fertilizantes e demais insumos para o agronegócio brasileiro. “A Rússia é um player importante para o fornecimento de insumos relevantes. Existem outros? Sim, mas não tantos para termos alternativas para essas crises. Hoje, o mercado de cloreto de potássio é muito concentrado no Canadá, na Rússia e Bielorússia [atualmente, chamada de Belarus]. E a gente tem que evitar ao máximo que isso se some ao fornecimento russo”, diz outro interlocutor do governo. Belarus também está envolvida no conflito, ao permitir que tropas russas usassem seu território para invadir a Ucrânia – e o país igualmente está sofrendo sanções internacionais.

Como seria uma retaliação russa ao bloquear o comércio de fertilizantes

As sanções impostas pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pelo Reino Unido à Rússia já podem, por si só, gerar uma retaliação russa no mercado de insumos utilizados no agronegócio, alerta a coordenadora de agronegócios da BMJ Consultores Associados, Karina Tiezzi. “Uma eventual retaliação da Rússia, que é grande fornecedora de gás natural, também poderia afetar os fertilizantes nitrogenados e a ureia”, alerta.

No caso de um reposicionamento brasileiro em relação à Rússia, que não é descartado pela especialista, os russos poderiam suspender a exportação de fertilizantes ao Brasil. “As negociações de fertilizantes ocorrem no âmbito privado. Não é o governo que compra; é o mercado privado que adquire. O que poderia ocorrer é uma suspensão dos desembarques”, diz Karina.

Um bloqueio russo às exportações poderia impactar o acesso do agronegócio brasileiro aos diferentes grupos de fertilizantes, nitrogenados, fosfatados e os que contêm potássio. “O Ministério da Agricultura tem buscado vias alternativas para que a gente consiga outros parceiros que consigam suprir nossa necessidade. Talvez não necessariamente advinda da retaliação em si, mas se são prejudicados os embarques de potássio, a gente já enfrenta o efeito”, diz Karina.

A coordenadora de agronegócios da BMJ pondera que é importante o governo acompanhar o quanto a guerra vai durar para tomar as decisões mais estratégicas. “Quanto mais tempo ela durar, mais tempo serão os efeitos nefastos e extremamente tristes pelas vidas que são ceifadas, mas, também, por seus efeitos correlatos”, diz.

Técnicos do Ministério da Agricultura reforçam que monitoram a guerra na Ucrânia destacam que a preocupação não é apenas sobre a produção e exportação relacionada ao comércio de fertilizantes, mas também acerca da logística. “A logística é feita por navios grandes, é difícil de embarcar, desembarcar, são sempre volumes grandes”, pondera um interlocutor.

Analista defende participação de Bolsonaro para estreitar relações com o Ocidente

O agronegócio não deve ser o único foco de atenção do governo, defende a cientista política e pesquisadora Noemí Araújo. Para ela, a postura brasileira é correta e os esforços para ampliar os mercados para a obtenção de fertilizantes são imprescindíveis. Mas ela defende que o Itamaraty prepare sua política externa para quaisquer solavancos ao mercado interno brasileiro e para melhorar as relações com outros parceiros ocidentais.

“O Brasil teria que se reposicionar em relação a uma aliança com os Estados Unidos. Na era [do ex-presidente Donald] Trump era mais fácil. O diálogo era mais tranquilo e até a tendência de seguir o que os EUA estavam propondo era mais forte. Caso a Rússia eleve o tom na guerra e o Brasil tenha que se reposicionar e negociar algumas coisas de interesse, vai ter que se reposicionar em relação a países como EUA e a União Europeia”, diz.

A possibilidade de um reposicionamento em relação à Rússia não é descartada pela analista política e, nesse contexto, ela entende que seria importante o próprio presidente Jair Bolsonaro atuar para refazer as alianças e afinar os discursos com o Ocidente.

“Claro que as relações diplomáticas e econômicas não são feitas entre os presidentes; a gente entende que não é feito só dessa forma. Mas, num contexto em que as pessoas recebem a notícia pela mídia, até facilitaria uma conversa de menos animosidades para facilitar uma construção de aliança com o [Joe] Biden e o [Emmanuel] Macron, por exemplo”, diz Noemí, citando os presidentes dos EUA e da França com quem Bolsonaro não mantém boas relações.

A cientista política defende ainda que o Brasil avalie os impactos econômicos da guerra para dar mais atenção a outros setores produtivos além das commodities. “Essa dependência quase total da nossa produção em tecnologia atrasa o nosso desenvolvimento. Precisamos disso para buscar desenvolvimento e autonomia em alguns setores, ou estreitar laços com outros parceiros para não nos vermos reféns de uma situação como essa”, diz.

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