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Por fala sobre "genocídio"

Queixa da ala militar na PGR contra Gilmar põe à prova trégua de Bolsonaro com STF

Recente paz do governo Bolsonaro com o STF sofreu um abalo com as declarações de Gilmar Mendes que causaram incômodo aos militares.
Recente paz do governo Bolsonaro com o STF sofreu um abalo com as declarações de Gilmar Mendes que causaram incômodo aos militares. (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), detonou uma nova crise em Brasília ao atacar a atuação dos militares e do governo Jair Bolsonaro no combate à pandemia de coronavírus. No sábado (11), o magistrado disse que "o Exército está se associando a um genocídio" pelo fato de o Ministério da Saúde ser comandado há quase dois meses por um general da ativa, Eduardo Pazuello.

Em resposta, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, divulgou uma nota assinada em conjunto com os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, nesta segunda-feira (13). No texto, os militares dizem que "repudiam veementemente a acusação apresentada pelo senhor Gilmar Mendes" e que a fala de Gilmar é uma "acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana. O ataque gratuito a instituições de Estado não fortalece a democracia". Eles disseram ainda que acionariam a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que fossem tomadas "medidas cabíveis" contra Gilmar.

O posicionamento do ministro da Defesa e da cúpula das Forças Armadas foi endossado por outros integrantes do governo Bolsonaro. O vice-presidente Hamilton Mourão disse que Gilmar "ultrapassou um limite" ao falar em genocídio e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, disse que reafirmava seu apoio à nota de Azevedo, chamando a declaração do integrante do STF de "injusta agressão".

Bolsonaro não se pronunciou sobre o caso, nem por entrevistas e nem por meio de suas redes sociais. O presidente, que testou positivo para Covid-19, tem cumprido agendas com restrições, despachando no Palácio da Alvorada. Mesmo com o silêncio do chefe do Executivo, as manifestações de integrantes do primeiro escalão do governo e de bolsonaristas em geral sobre o caso podem sugerir que a trégua política que Bolsonaro vinha construindo nas últimas semanas pode estar sob ameaça.

O presidente interrompeu a troca de farpas habitual que mantinha com chefes de outros poderes, e chegou a utilizar a palavra "entendimento" para se referir ao diálogo que vinha construindo com os comandantes da Câmara e do Senado, respectivamente Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). O STF, alvo recorrente de críticas de Bolsonaro e seus apoiadores, também vinha sendo poupado.

"Ministro tem que se desculpar imediatamente", diz vice-líder do governo

Apoiadores do presidente no Congresso subiram o tom contra o ministro Gilmar Mendes. À Gazeta do Povo, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), vice-líder do governo no Congresso, disse que o episódio indica um excesso por parte do STF.

"Acredito que o Ministro, em mais uma demonstração de que o STF está extrapolando seu papel institucional, errou, fez uma crítica indevida, desvinculada da realidade. O Ministro, e o Supremo, precisam entender que não são o governo, não podem fazer oposição ao governo e não tem o direito de opinar sobre qualquer assunto que desejem", afrimou. "O ministro tem de se desculpar imediatamente", acrescentou.

Nas redes sociais, bolsonaristas citaram decisões recentes do STF e o inquérito das fake news para contestar Gilmar. Parte dos apoiadores do presidente avalia que a Corte tem atacado a liberdade de expressão ao determinar investigações contra críticos do tribunal, como os jornalistas Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio. "Ministros do STF falam a vontade contra tudo e contra todos, mas quando falamos contra eles a PF bate na nossa porta. Ditadores", contestou o deputado federal Sargento Fahur (PSD-PR).

Presidente nacional do PTB e aliado recente de Bolsonaro, o ex-deputado Roberto Jefferson também criticou as falas de Gilmar Mendes e disse que pretende colocar a estrutura do seu partido à disposição de militares que desejam processar o magistrado. "Um grupo de militares da reserva me procurou hoje. Deseja apoio do PTB para processar criminalmente, representação à PGR, o ministro Gilmar Mendes, por crime de calúnia, difamação e abuso de autoridade. Respondi que sim. Vamos para cima dos criminosos togados", escreveu, em uma rede social. Jefferson foi alvo de um mandado de busca e apreensão por ordem do Supremo, recentemente.

As falas de Gilmar também motivaram críticas de políticos não-alinhados com o governo. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) postou em suas redes sociais que Gilmar "abusa das suas prerrogativas de ministro do STF há muito tempo, ofendendo pessoas e instituições. Em um país sério já teria sido afastado via impeachment". Vieira é crítico habitual de membros do STF e tentou, em mais de uma ocasião, instalar no Senado uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis irregularidades do Poder Judiciário.

Mas as reações às falas de Gilmar Mendes podem estar até acima da disputa habitual entre governo e oposição. A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-bolsonarista, endossou as críticas do magistrado à atuação do governo no combate ao coronavírus. A parlamentar rompeu com o bolsonarismo mas não passou a integrar a oposição formal, já que vota o com o governo na maioria das pautas.

Nesta segunda-feira, ela e outros integrantes do PSL que divergiram do Bolsonaro foram às redes sociais para descartar uma reaproximação entre o partido e o presidente da República. Os dois lados se separaram no fim do ano passado e uma aproximação foi levantada nos últimos dias, dentro do esforço do governo para ampliar sua base de apoio no Congresso.

Uma opinião na direção oposta da maior parte das expressas nesta segunda veio por parte de um dos vice-líderes do governo na Câmara, o deputado Maurício Dziedricki (PTB-RS). À Gazeta do Povo, o parlamentar disse não acreditar que o episódio leve a uma crise entre os poderes. "O sinal que o governo tem dado é de diálogo. Há um esforço constante para se aprimorar o diálogo entre as instituições", ressaltou.

Quais são as "medidas cabíveis"?

O Ministério da Defesa e as Forças Armadas divulgaram na nota que protocolariam uma representação para que o procurador-geral da República adote "as medidas cabíveis" em relação ao caso.

A trajetória para que uma eventual punição a Gilmar Mendes se aplique em virtude do episódio é longa, segundo explica o jurista Irapuã Santana, mestre e doutorando em Direito Processual. Após o recebimento da representação, o PGR precisaria avaliar se apresentaria ou não uma denúncia ao STF em virtude do ocorrido. Com isso, o caso chegaria à Corte, onde receberia um relator, designado por sorteio, que teria que emitir parecer se aceita ou recusa a denúncia. Se aceita, a denúncia seria avaliada pela totalidade do STF, e o ministro seria submetido a julgamento. De acordo com Santana, julgamentos de ministros pelos seus pares são extremamente raros no âmbito da Suprema Corte brasileira.

O jurista ressalta também que, caso o PGR não aceite a denúncia, não há a quem o ministro da Defesa e a cúpula das Forças Armadas recorrerem. "O detentor da ação é apenas o PGR", apontou.

Santana esclareceu que o rito deste caso não se assemelha ao aplicado quando se discute um processo de impeachment de ministro do STF. A trajetória de um caso como o de Gilmar Mendes é a aplicável aos crimes comuns; já o impeachment avalia crimes de responsabilidade, e é julgado exclusivamente pelo Senado. Nos últimos meses, pedidos de impeachment de ministros do STF — entre eles, Gilmar Mendes — se acumularam no Senado, sem avanços na tramitação.

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