A marcante influência de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) na cena política do país – desde que assumiu a presidência do Senado (2019-2021), para a qual deve voltar no biênio a iniciar em 2025 – foi desafiada pela negociação entre Executivo, Legislativo e Judiciário para regular emendas parlamentares. A maior prova disso veio da reação que o senador externou na quarta-feira (21), um dia após a reunião da cúpula dos poderes no Supremo Tribunal Federal (STF), se prontificando a intervir em pontos do acordo sobre alocação de verbas federais. Ele se queixou sobretudo de mudanças nas emendas de bancada para obras estruturantes, alegando risco de prejudicar municípios.
Mas de onde vem o poder de Alcolumbre e por que ele comprou a briga das emendas parlamentares agora?
O senador avisou que vai “construir entendimento” com o presidente do Senado, seu aliado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre mudanças no acordo antes do prazo de 10 dias para governo e Congresso definirem novos parâmetros para as emendas. Além de proteger seu papel como definidor da destinação de recursos federais para estados, com o qual reforça o seu poder pessoal no Legislativo, o senador amapaense também se preocupa em preservar a dinâmica de repasses para o seu próprio estado, proporcionalmente o mais beneficiado pelo Tesouro nos últimos anos.
Com apenas 16 municípios, o Amapá recebeu significativas transferências federais, somando R$ 8,9 bilhões no ano passado e R$ 5,18 bilhões apenas este ano, até julho, conforme o Portal da Transparência do governo. Esses valores explicam a habilidade de Alcolumbre em assegurar verbas por meio de acordos no Congresso.
Em suas redes sociais, o senador destaca uma série de obras financiadas por emendas de seu mandato, com valores que variam de R$ 700 mil e R$ 2 milhões destinados à construção de praças, passarelas e outras infraestruturas urbanas. Todas essas entregas a prefeituras reforçam ainda mais a sua expressiva influência política local.
Ao argumentar que pelo acordo os municípios ficarão desassistidos, está na prática tentando preservar esse poder. Ele está se opondo a uma tentativa governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de retomar o controle das verbas de emendas, direcionando os recursos para programas com o carimbo do governo federal.
Eleição garantida de Alcolumbre para presidir Senado revela acerto de bastidor
Márcio Coimbra, diretor do Instituto Monitor da Democracia, avalia que o poder acumulado por Alcolumbre reflete um estilo próprio de atuação nos corredores do poder. “Ele é essencialmente um político de bastidor, muito acessível e afável com seus pares, capaz de construir relações duradouras. Ao contrário de muitos, evita holofotes e discursos de plenário e prefere a discrição nas redes sociais. Contudo, é efetivo no diálogo reservado e no estabelecimento de alianças e composições”, sublinha. O cientista político destaca ainda a firmeza do ainda jovem senador no cumprimento de suas promessas como essencial para celebrar alianças.
Além de sua persistência, habilidade para negociar apoios de colegas e buscar acertos pragmáticos com os demais poderes, a influência de Alcolumbre e o seu favoritismo para ser escolhido o próximo presidente do Senado também se explicam pela forma como funciona a chamada Casa da Federação (Senado). Nela, todos os estados têm igual peso, com três representantes cada, privilegiando quem domina as regras do jogo interno de poder.
Marcus Deois, diretor da consultoria Ética, atribuiu o clima de “já ganhou” para Alcolumbre na disputa pela presidência do Senado à aposta na habilidade do parlamentar em articular apoios e na sua capacidade de identificar e explorar estrategicamente as oportunidades que surgem. “Ele sabe exatamente o que seus pares esperam dele e tem leitura precisa das causas e consequências do cenário político”, resumiu. O especialista lembra que a cadeira de presidente do Senado é extremamente cobiçada nos últimos dois anos de um governo federal, quando se concentram entregas voltadas à eleição para o mandato seguinte.
Governo espera conter influência de Alcolumbre com acordo para emendas
Outro fator crucial para o poder de Alcolumbre é a força no reduto eleitoral, conquistada com expressivas verbas para o Amapá, segundo menor estado do país, com menos de 800 mil habitantes. Com essa base garantida, ele se mantém seguro para avançar com desenvoltura tanto na esfera local quanto nas deliberações de plenário do Senado e nas disputas entre poderes.
Informações de bastidores dão conta de que o governo enxergou na pressão do STF pela repactuação no trâmite de liberação das emendas uma forma de enfraquecer Alcolumbre, à medida que tira dele o poder central na gestão desses recursos, esvaziando articulações para ser eleito presidente do Senado em fevereiro próximo.
O desejo de reacomodação das forças dentro da casa legislativa é movido pela impressão do Palácio do Planalto de que a vitória do senador serve mais a projetos próprios dele do que para consolidar a base aliada, além de um receio por mais cobrança por indicações de postos estratégicos da máquina pública.
A esperança do governo é dar chance a candidaturas alternativas à presidência do Senado, como a do governista Otto Alencar (PSD-BA) ou, ao menos, melhorar os termos de parceria com Alcolumbre.
Ascensão de Alcolumbre iniciou após derrota histórica de Renan Calheiros
Como atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Alcolumbre é hoje o nome praticamente imbatível para suceder a Pacheco, de quem foi o antecessor e com o qual forma um grupo dominante desde a derrota do grupo do presidente anterior, Renan Calheiros (MDB-AL), em 2019. Calheiros se preparava para voltar ao cargo, recebendo o bastão do aliado Eunício Oliveira (MDB-CE), tendo o novo chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), como rival. Mas foi surpreendido, apesar de ter jogado pesado.
Alcolumbre se beneficiou da renovação do plenário com a chegada de aliados de Bolsonaro e, sobretudo, do repentino debate à época sobre a votação secreta para a presidência do Senado, desarticulando acordos de bastidores que envolviam até mesmo apoiadores do recém-eleito presidente da República.
No cenário de 2025, Alcolumbre encontra pouca oposição interna e forte articulação nos bastidores, fazendo com que ele já antecipe movimentos no Senado para os próximos dois anos, na segunda metade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Oposição negocia apoio a Alcolumbre em troca de concessões na pauta e na Mesa
Diferentemente da Câmara, onde a disputa pela indicação do presidente, deputado Arthur Lira (PP-AL), como o seu candidato para sucedê-lo, no Senado a corrida eleitoral se resume a cargos influentes na Mesa e comissões, além de articulações para outros favorecimentos. Nesse contexto, as eleições municipais têm pouca ou nenhuma influência sobre a disputa interna pelo comando do Senado. A tendência hoje é que Alcolumbre seja eleito com margem confortável, a partir de 55 dos 81 votos de senadores. A expectativa é que Alcolumbre busque também a sua reeleição ao fim de seu próximo mandato como presidente do Senado.
A oposição ao governo de Lula tentou, sem sucesso, viabilizar uma candidatura adversária na reeleição de Rodrigo Pacheco, em 2023, encabeçada por seu líder Rogério Marinho (PL-RN), mas acabou amargando a derrota, que resultou na retaliação aos opositores com exclusão dos espaços de poder e da pauta no Senado.
Por essa razão, a estratégia deles agora é evitar confrontos com Alcolumbre e, pelo contrário, negociar concessões em troca de apoio. Temas sensíveis, como a anistia a aliados de Bolsonaro e projetos para conter o ativismo judicial devem ganhar destaque nas discussões no recesso parlamentar que antecede a eleição da Mesa Diretora.
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