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O veto do presidente Jair Bolsonaro a dispositivos do Marco Legal do Saneamento pegou muitos parlamentares de surpresa. Entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ele chamou de "lapso" a decisão do chefe do Executivo, por entender que houve o descumprimento de um acordo entre o Palácio do Planalto e o Congresso.
O senador tem em suas mãos a caneta que pode reverter a decisão de Bolsonaro. Cabe a ele, como presidente do Congresso, convocar uma sessão de deputados e senadores para avaliar o veto do presidente e, eventualmente, derrubá-lo. No entanto, apesar de Alcolumbre ter criticado a postura de Bolsonaro e de existir um ambiente no Congresso favorável à rejeição da medida do presidente, o senador tem evitado chamar as sessões do Congresso.
Ainda não houve nenhuma sessão conjunta para apreciação de vetos desde o início da pandemia de coronavírus. E não há previsão da realização de um encontro. Além do veto ao marco do saneamento, outro contrariou os congressistas: o imposto à medida que amplia a desoneração da folha de pagamento a 17 setores da economia.
Alcolumbre diz esperar um "acordo" entre os líderes partidários em torno do tema. Em entrevista ao G1, cobrou os colegas de Parlamento: "preciso que os líderes conversem e se entendam”. Ele disse que o entendimento estabelecido por causa da pandemia previa o foco em temas ligados ao combate ao coronavírus e à tramitação de medidas provisórias (MPs), que têm prazo para apreciação.
Além dos vetos ao marco do saneamento e à folha de pagamento, outros 36 aguardam avaliação do Congresso. Sete deles foram despachados por Bolsonaro ainda em 2019. Para que um veto seja derrubado, é necessário que a maioria tanto de deputados quanto de senadores vote pela rejeição. Os votos são contabilizados separadamente.
Ambiente é de derrubada de vetos, o que desagrada Planalto
O adiamento das sessões para análise dos vetos frustra parlamentares de diferentes partidos, em especial quanto às leis de saneamento e desoneração da folha de pagamento. A crítica dos congressistas em relação ao marco do saneamento se aplica principalmente em relação ao veto ao artigo 16, o que permitia a órgãos públicos a renovação de contratos que hoje estão no estágio informal.
Já no debate sobre a desoneração da folha de pagamento, os parlamentares entendem que a medida poderia contribuir para a reaceleração da economia após o fim da pandemia de coronavírus. A derrubada do veto é defendida também por associações patronais.
Líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR) diz identificar que Alcolumbre evita pautar a sessão do Congresso por "estar muito próximo" do governo Bolsonaro e por ter percebido que, hoje, a maioria dos congressistas é contrária à decisão do presidente da República. "Há um consenso pela derrubada. Por isso que a sessão está sendo protelada", declarou. Apoiador do governo, o senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ) avalia também que existe uma "tendência de derrubada" no veto às desonerações — e, segundo ele, é possível que o próprio governo oriente pela derrubada.
O que está por trás da sintonia entre Alcolumbre e governo?
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse recentemente, a diferentes veículos de imprensa, que a decisão de Alcolumbre de adiar a realização de sessões sobre os vetos atende a outro objetivo: o de o presidente do Senado ganhar o apoio do Palácio do Planalto em uma eventual tentativa de reeleição.
Já Alvaro Dias não vê conexão entre as iniciativas: "não creio que haja ligação. O Davi está bastante ligado com o presidente. Eles se entenderam, e houve então essa decisão de não colocar os vetos em pauta. Mas não creio que isso tenha conexão com uma busca por votos para que ele continue na presidência do Senado. Há uma proximidade, uma parceria, entre o presidente do Senado e o presidente da República".
O desejo de Alcolumbre por apoio do Planalto se explicaria por uma necessidade de mudança nas regras do jogo. Pelas normas atuais, Alcolumbre não poderia disputar novamente a presidência do Senado. A Constituição veda que senadores sejam reeleitos presidentes durante uma mesma legislatura, regra que desde já barra Alcolumbre, vitorioso em 2019. Mas com uma gestão bem-avaliada entre os senadores e sem um concorrente "natural" para o posto, Alcolumbre tem ensaiado movimentações políticas para verificar a viabilidade de modificar a regra. A adesão do governo à iniciativa seria, nesse contexto, um triunfo.
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) disse ao jornal Correio Braziliense que Alcolumbre é favorito à vitória caso consiga se candidatar: "ele deve ter uma reeleição muito tranquila pelo trabalho que realiza. Tem uma relação muito boa com todos os senadores e tem feito um trabalho de muito equilíbrio, reconhecido por todas as correntes políticas". À Gazeta do Povo, a assessoria do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), apontou que o parlamentar é "favorável à reeleição para a presidência do Senado, independente de quem seja o presidente".
Bolsonarismo "raiz" rechaça possível reeleição de Alcolumbre
Se entre os novos aliados de Bolsonaro uma renovação do mandato de Alcolumbre seria vista com bons olhos, entre apoiadores mais convencionais a ideia é mais contestada.
Arolde de Oliveira (PSC-RJ), que foi eleito em 2018 em parceria com Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), se opõe a uma nova candidatura de Alcolumbre. Ele diz não ser contrário ao atual presidente do Senado, e sim "a favor da Constituição". "A Constituição é muito clara, é literal, quando diz que não pode haver uma reeleição de presidente dentro da mesma legislatura", disse. O parlamentar alega também que não haveria tempo hábil para uma modificação no texto constitucional, já que as eleições no Senado estão agendadas para fevereiro de 2021.
Oliveira relata também ser favorável à "alternância de poder", e defende não ser positivo que um mesmo partido comande as duas casas do Congresso — o DEM de Alcolumbre também preside a Câmara, com Rodrigo Maia (RJ).
Outro aliado do presidente, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) costuma criticar Alcolumbre em suas redes sociais. Recentemente, o congressista atacou justamente a ideia de reeleição: "O senador Davi Alcolumbre quer ir ao STF para pedir que permaneça no cargo de presidente do Congresso. O pedido abriria precedência para desrespeitar LITERALMENTE o regimento interno da câmara e do senado e a CF [Constituição Federal]. Incrível como foi perdido o respeito a norma".
Já o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), também bolsonarista de primeira hora, disse no mês passado que Alcolumbre é responsável pelo fato de que o Congresso não investiga as condutas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): "Alcolumbre é a garantia que a CPI da Lava Toga e os pedidos de impeachment contra ministros jamais passarão. Não será surpresa se seu mandato for renovado, mesmo ferindo o regimento interno. O que abriria um precedente para Maia tentar o mesmo. Quem tem o STF não morre pagão".
Como mudar as regras?
O trecho da Constituição que hoje barra a reeleição de Alcolumbre é o parágrafo quarto, do artigo 57, que diz: "Cada uma das Casas [Câmara e Senado] reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".
Como o Congresso tem poder para modificar a Constituição, os deputados e senadores poderiam aprovar uma emenda para modificar ou mesmo excluir a restrição e, assim, permitir novas reeleições. Mas a tramitação de emendas é um processo lento e que demanda acordo político amplo, por precisar da aprovação de três quintos dos deputados e dos senadores, com duas votações em cada casa.
Segundo o advogado Eduardo Tavares, especialista em Direito Politico e Eleitoral, outras alternativas jurídicas que poderiam ser consideradas envolveriam acionar o STF para que a Corte faça uma nova interpretação da Constituição. "A requisição poderia citar que a determinação da Constituição não se coaduna com o momento presente e, por isso, poderia ser revista", declarou.
Outra estratégia, segundo Tavares, seria pedir que sejam aplicadas a Senado e Câmara as regras que valem às câmaras municipais e assembleias de estados, onde não há limites para reeleição.
Na avaliação do advogado, uma modificação para permitir a reeleição feita apenas no regimento do Senado, sem abordar a Constituição, não tenderia a ter solidez jurídica. "O regimento não pode ir além da Constituição", apontou.