Além da articulação política com o governo e congressistas dos Estados Unidos, um dos motivos que pode ter influenciado a permanência de Eduardo Bolsonaro na América do Norte é a possibilidade de organizar protestos em solo americano contra abusos no Brasil que tenham apelo popular e atraiam público.
Antes de buscar asilo nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro se envolveu na organização de uma manifestação em Nova York, mas o ato não conseguiu reunir público. A reportagem apurou que um de seus objetivos agora é dedicar energia para esse tipo de atividade e não repetir a baixa adesão. Ele está nos EUA há cerca de 20 dias e cogita pedir asilo político no país.
A manifestação citada ocorreu no último sábado (15), na Times Square, em Nova York (NY), e chegou a ter postagem convocando os manifestantes nas redes sociais do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Esse ato também tinha como objetivo expor a perseguição contra a direita no Brasil, pedir apoio a Jair Bolsonaro e à anistia aos condenados do 8 de janeiro de 2023. A mobilização, porém, reuniu cerca de 20 pessoas.
Eduardo Bolsonaro não participou desse protesto nos EUA. Jair Bolsonaro chegou a falar com os manifestantes em uma chamada de vídeo a partir do celular de uma das organizadoras, mas o protesto com baixa adesão teria irritado o ex-presidente.
Interlocutores próximos ao ex-mandatário chegaram a relatar que ele teria ligado para Eduardo Bolsonaro criticando a manifestação e alertando que o movimento teria pesado mais contra do que a favor do pedido de anistia e de sua própria imagem entre os americanos.
Interlocutores do ex-presidente e os organizadores contavam, além de brasileiros que mora nos Estados Unidos, com a adesão de eleitores de Donald Trump, fato que não se confirmou.
A principal atividade do filho do ex-presidente nos Estados Unidos deve ser tentar influenciar autoridades do Executivo e do Legislativo a aplicar sanções contra indivíduos suspeitos de cometer abusos no Brasil. Mas os atos não devem sair do radar. A ideia agora é que ele dedique tempo e recursos para que eles sejam bem estruturados e atriam a adesão de brasileiros e americanos para dar notoriedade ao movimento e à cena política e jurídica do Brasil.
Protestos nos EUA podem atrair atenção internacional para a situação do Brasil
A exemplo de outros exilados políticos nos EUA, especialistas avaliam que Eduardo Bolsonaro deverá aproveitar seu período em solo americano para promover protestos chamando atenção, além das autoridades, da mídia e da opinião pública americana e internacional sobre as condições enfrentadas no Brasil. Porém, essa pode ser uma via de mão dupla.
Para o cientista político Gustavo Alves, a tática é oportuna, mas existem riscos a serem medidos, como um desgaste político caso não haja adesão. Porém, ele lembra de exemplos bem sucedidos em atos de estrangeiros em solo americano, sobretudo relacionado aos direitos políticos e religiosos. Alves cita venezuelanos que se reuniram em junho do ano passado, em Miami, pedindo livres direitos eleitorais no seu país, em meio à escalada da tensão e medidas controversas adotadas pelo ditador Nicolás Maduro.
Na ocasião, eles pediram ainda a possibilidade de voltar a votar à distância nas eleições presidenciais da Venezuela. Com a retirada das representações diplomáticas venezuelanas nos EUA em 2019, muitos cidadãos no exterior ficaram impedidos de participar do processo eleitoral. Os manifestantes relataram frustração com a gestão política do país e, na frente do antigo consulado em Miami, solicitaram o direito de votar contra a política ditatorial de Maduro.
Em agosto do ano passado, após a reeleição contestada de Nicolás Maduro, exilados venezuelanos organizaram novos protestos - mais uma vez em Miami -, nos quais denunciavam fraudes eleitorais e expressavam apoio ao líder da oposição, Edmundo González Urrutia. Americanos e venezuelanos se uniram para denunciar a fraude nas eleições.
“Apesar de não conseguirem votar à distância e Maduro ter supostamente vencido as urnas mesmo sem comprovação, ele sconseguiram a simpatia e a atenção dos americanos e chamaram atenção do planeta sobre a ditadura [na Venezuela]”, afirma o sociólogo Fábio Fernandes, especialista em imigração.
Outra manifestação recente de estrangeiros em solo americano foi a de cubanos exilados em Miami, que enfrentaram simpatizantes do regime ditatorial em seu país de origem. O ato ocorreu em outubro do ano passado, depois que uma exilada cubana confrontou manifestantes pró-regime que protestavam contra o embargo americano a Cuba. A mulher questionou os manifestantes sobre sua posição em relação à ditadura cubana, o que gerou um confronto verbal.
“O episódio evidenciou, à época, a crescente presença de simpatizantes do regime cubano entre os imigrantes em Miami, gerando protestos. E a tensão existente entre diferentes grupos da fuga cubana chamou atenção mais uma vez”, descreve.
Em 2015, brasileiros que moravam nos EUA aderiram a protestos contra o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Em março daquele ano, membros da comunidade brasileira nos Estados Unidos participaram de manifestações em cidades como Boston, Miami, Nova York e Washington.
Em Boston, centenas de pessoas se reuniram na Praça de Harvard; em Nova York, os manifestantes se concentraram na Times Square. “Os protestos por lá e daqui, somada à cena política interna no Brasil, levaram ao impeachment. Ou seja, eles têm poder de publicizar condições externas, alheias aos Estados Unidos, e que pode levar à mudança”, reforça Alves.
No sábado passado, dia da manifestação de apoio a Jair Bolsonaro e pela anistia dos presos do 8 de janeiro nos EUA, outros grupos - americanos e estrangeiros - protestavam na Times Square. Entre eles estavam sul-coreanos cristãos exilados nos Estados Unidos que pediram o direito de manifestar sua fé em seu país de origem.
Para o advogado Luiz Augusto Módolo, especialista em Direito Internacional, Eduardo deveria focar nos trabalhos de bastidores, no qual seria mais efetivo e assertivo. Segundo ele, há o risco de as autoridades brasileiras avaliarem que ele está promovendo ou estimulando conspiração ao promover as manifestações nos EUA.
“[Será oportuno] se ele conseguir mostrar para quem tem poder [nos Estados Unidos], o papel de cada um no que foi feito aqui no Brasil, falando só de Alexandre [de Moraes], assessores, delegados”, avalia Módolo.
Eduardo Bolsonaro articula com congressistas e membros do governo Trump sanções a Moraes
Neste período em que está nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro tem se encontrado com congressistas e membros do governo Trump. Um dos objetivos é viabilizar a votação de um projeto que busca impedir a entrada no país de autoridades estrangeiras que violam a Primeira Emenda, que trata de liberdade de expressão, o que atingiria também o ministro Alexandre de Moraes, do STF. A medida já foi aprovada em um comitê da Câmara dos Representantes, equivalente à Comissão de Constituição e Justiça no Brasil.
Além disso, o deputado brasileiro tem trabalhado para articular possíveis sanções financeiras contra Moraes com a Casa Branca e com o Departamento de Estado.
A possibilidade de pedir e receber asilo político nos Estados Unidos é real e dada como certa, na avaliação de especialistas. O deputado anunciou que vai se licenciar temporariamente da função na Câmara dos Deputados e só pretende voltar ao Brasil quando o ministro Alexandre de Moraes “estiver devidamente punido por seus crimes e por seu abuso de autoridade”, segundo vídeo publicado em suas redes sociais. O fato, no entanto, pode levar meses e até anos, de acordo com a avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem.
“Se Alexandre de Moraes quer prender meu passaporte ou mesmo me prender, para que eu não possa mais denunciar seus crimes nos EUA, então é justamente aqui que vou ficar e trabalhar mais do que nunca”, disse. Ele também reforçou que está no país em busca de “sanções para os violadores dos direitos humanos” no Brasil.
Em entrevista à CNN, na terça-feira (18), Eduardo Bolsonaro afirmou que cogita o pedido de asilo diante de um cenário em que a direita no Brasil vem sendo perseguida pelo ministro Alexandre de Moraes e reforçou cerceamento à liberdade de expressão.
Mencionou ainda os nomes do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e a Polícia Federal (PF), que conduz ao menos três inquéritos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Reforçou possíveis retaliações que pode sofrer do ministro do STF, como bloqueio de contas, uma possível apreensão de seu passaporte e até mesmo um pedido de extradição.
Em fevereiro, deputados do PT fizeram uma representação contra Eduardo Bolsonaro, que foi protocolada à PGR, alegando que o parlamentar conspira contra instituições brasileiras nos Estados Unidos. Mas a PGR se manifestou contra e Moraes decidiu arquivar o pedido.
Políticos e personalidades pelo mundo têm pedido asilo nos EUA; deputado brasileiro pode endossar estatísticas
A possibilidade de asilo político a Eduardo Bolsonaro nos EUA é vista como provável por especialistas. “Tecnicamente, há elementos suficientes para o pedido de asilo. Afinal, a conduta do STF em relação a Eduardo é política, tanto que apenas após a polêmica recente arquivaram o pedido [sobre a apreensão do passaporte] que estava parado há um mês”, afirma o advogado constitucionalista André Marsiglia.
“No entanto, todo pedido de asilo passa também por uma avaliação política, não apenas jurídica, e a resistência pode ser no sentido do impacto diplomático que a medida teria no Brasil. Seria a oficialização de que não temos um regime democrático em vigor”, salienta o advogado.
Nos últimos anos, no entanto, pessoas com notoriedade internacional e que sofreram perseguição em seus países buscaram asilo político nos Estados Unidos. Entre os exemplos dos que conseguiram está Ayaan Hirsi Ali, ativista e ex-parlamentar neerlandesa de origem somali, conhecida por suas críticas ao islamismo. Em 2007, obteve residência permanente nos EUA após enfrentar ameaças por suas posições públicas religiosas e políticas.
Outro nome que recebeu asilo nos EUA é de Iman Le Caire, dançarina, coreógrafa e atriz egípcia que fugiu do Egito em 2008 para escapar de uma perseguição social. Orlando Ernesto Pérez Núñez, ex-presidente do Movimento Juvenil Martiano em Cuba, entrou nos EUA em novembro de 2024 e buscou asilo político após cruzar a fronteira com o México.
A chegada dele gerou controvérsia pelo seu passado como defensor do regime cubano, ao qual se diz com laços rompidos. O pedido de asilo nos EUA segue em análise.
Em fevereiro deste ano, o presidente americano Donald Trump chegou a assinar um decreto que estipula corte à ajuda americana à África do Sul, mas ele ofereceu asilo aos chamados africâneres, os sul-africanos brancos de origem europeia.
Trump justificou a suspensão da ajuda à África do Sul com base na nova legislação sobre terras do país, que, segundo ele, prejudica os direitos humanos da minoria branca. O presidente americano solicitou ao seu gabinete que criasse um programa de reassentamento para os africâneres, alegando que eles são "alvos de discriminação racial injusta".
Em sua conta no Truth Social, Trump afirmou que "A África do Sul está confiscando terras e tratando algumas pessoas de forma extremamente negativa".
De acordo com dados do Departamento de Justiça dos EUA, o número de pedidos de asilo vinha aumentando significativamente nos últimos anos do governo de Joe Biden. Em 2023, foram 478.885 solicitações de pessoas de 195 países.
Naquele ano, cerca de 7.715 brasileiros solicitaram asilo nos Estados Unidos, representando aumento de 162% em relação aos 2.938 pedidos registrados em 2022. O Brasil foi o oitavo país naquele ano com maior número destas solicitações. Porém, a aprovação dos pedidos foi de cerca de 11%. Não há dados sobre 2024 divulgados até o momento.
“Se a regra foi mantida para o ano, podemos dizer que em torno de 800 brasileiros tiveram pedido de asilo aceito em 2023”, reforça Alves. “É importante notar que os critérios para concessão de asilo nos EUA exigem que o solicitante comprove medo crível de perseguição no país de origem e isso pode se aplicar às atuais condições de Eduardo Bolsonaro”, afirma o cientista político.
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