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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), agendou para esta segunda (21) e terça-feira (22) uma audiência pública para ouvir mais 60 instituições, entidades e especialistas ligados a moradores de rua. O objetivo é embasar o julgamento de uma ação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Psol e da Rede Sustentabilidade. O MTST e os dois partidos acionaram o STF para forçar os poderes Executivo e Legislativo – em âmbito federal, estadual e municipal – a incrementar políticas públicas e destinar mais recursos para atender a população de rua.
A ação foi proposta em maio deste ano, motivada por casos de morte de moradores de rua na temporada de forte frio e chuva que atingiu boa parte do país à época. Na ação, MTST, Psol e Rede apontam suposto descaso do governo federal e do presidente Jair Bolsonaro (PL) com o problema. “Um Estado que chancela gastos milionários no cartão corporativo de um Presidente da República, mas deixa que inúmeras pessoas morram de frio e fome nas ruas, não sabe exatamente mapear as prioridades”, diz trecho da ação, em tom provocativo.
Na maior parte da “arguição de descumprimento de preceito fundamental”, os autores partem da premissa que as mortes e o sofrimento dos moradores de rua, que teriam aumentado na pandemia de Covid-19, são propositalmente causados por uma omissão do Estado em prover a eles os direitos à vida, à saúde, à dignidade humana, à igualdade e à moradia – todos garantidos pela Constituição. MTST, Psol e Rede acusam os governos até mesmo de “tortura”, “uma vez que a omissão estrutural e consciente por parte do Estado acaba, sim, implicando a existência de uma verdadeira situação de tortura em face das pessoas em situação de rua”. De forma mais objetiva, apontam “lacunas de inovação legislativa necessária e de falhas na reserva de orçamento público em quantum suficiente” – ou seja, falta de leis e de dinheiro para a causa.
A finalidade da ação é que o STF declare um “estado de coisas inconstitucional” na situação dos moradores de rua, de modo a acolher um total de 35 pedidos, que afetam governos de todos os níveis da federação, diversos órgãos de assistência social e até mesmo o setor privado.
Há um pedido, por exemplo, para o Estado usar seu poder de requisição para reservar quartos de hotéis onde faltarem abrigos, garantido posterior ressarcimento aos estabelecimentos Outros pedidos incluem o acionamento de alertas meteorológicos e da defesa civil para evitar que moradores de rua sofram nas chuvas e no frio; participação de militares na montagem de barracas de abrigo; apoio da vigilância sanitária para acolher animais dessas pessoas. Também se pede reforço nas equipes de assistência social e dos serviços de saúde, públicos e privados, inclusive na área de doenças mentais; inclusão de todos no programa Auxílio Brasil; impedimento de remoções forçadas e recolhimento de bens nas ações de limpeza urbana. Também há um pedido para que o Estado seja obrigado a fazer um diagnóstico nacional atualizado da quantidade e condições de vida da população de rua. Segundo estudo de 2020 do Instituto de Economia Aplicada (Ipea), do governo federal, são estimados em 221,8 mil pessoas em todo o Brasil em situação de rua.
Ação pede volta de comitês que tinham a participação de entidades como o MTST
Não há entre as dezenas de pedidos a garantia do item mais essencial e assegurado pela Constituição para a população de rua: o fornecimento de uma residência própria. A ação não menciona programas habitacionais dos diversos entes da federação – como o Casa Verde e Amarela, do governo federal, que subsidia a casa própria e já entregou mais de 1,2 milhão de unidades em o todo o país – nem contempla ações sociais e iniciativas de governos locais para abrigar e ajudar a população de rua.
Quase todos os pedidos se resumem a aplicar mais recursos e pessoal na assistência aos moradores, sem muita ênfase em retirá-los das ruas. Mas um deles se distingue por ser mais delineado ao longo das 38 páginas da ação: a reinstituição, em todo o país, de “comitês gestores intersetoriais”. Trata-se de órgãos compostos paritariamente por secretarias de governos locais ligadas à área social e movimentos e entidades de defesa dos direitos humanos e ou representativos da população de rua. Na prática, essas entidades são ONGs do setor ou movimenros como o MTST.
“Como este comitê (art. 3º do Decreto), conta com representantes de áreas relacionadas ao atendimento à população em situação de rua e representantes da sociedade civil e movimentos sociais, constitui garantia de democratização do espaço decisório/político e medida que assegura a participação daqueles e daquelas destinatários da política pública”, diz na ação o MTST, o Psol e a Rede.
O decreto mencionado nesse trecho foi editado em 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que voltará ao cargo em 2023. A norma criou a Política Nacional para a População em Situação de Rua, com objetivos muitos semelhantes aos da ação.
Essa política, porém, acabou sendo esvaziada nos últimos anos, especialmente no governo Bolsonaro – que, em 2019, revogou vários trechos que criava o comitê nacional. A ação quer que todos as cidades e estados do país criem órgãos locais do tipo, chamados também de comitês “poprua”.
Alguns deles, ainda existentes, participarão da audiência pública com Moraes no STF. Também vão falar representantes de movimentos que participam de “popruas”, estudiosos do assunto e militantes do segmento que atuam nas universidades, além de órgãos públicos, como conselhos, defensorias públicas e ramos do Ministério Público interessados no tema.
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Moraes justifica que que caso envolve "violação sistemática de direitos"
A ministro Alexandre de Moraes explicou os motivos de convocar a audiência: “O caso em questão apresenta inegável relevância, na medida em que envolve a violação sistemática dos direitos e garantias fundamentais de pessoas em situação de rua, em um cenário que foi significativamente agravado após a pandemia de Covid-19”. A justificativa está no despacho de setembro em que ele convocou a audiência pública. O ministro do STF registrou que, segundo o Ipea, essa população vulnerável saltou de 92.515 pessoas em setembro de 2012 para 221.869 pessoas em março de 2020.
“O enfrentamento dessa sensível questão social requer a adoção de expedientes normativos e políticas públicas que demanda conhecimento técnico multifacetário, envolvendo notadamente reflexões sobre assistência social e orçamento público”, completou depois o ministro.
A audiência começará às 14h e atravessará a tarde desta segunda, sendo retomada às 10h de terça. O evento será transmitido pelo canal do STF no YouTube.