A Justiça não vai tolerar notícias falsas (fake news) nas eleições de 2022 e promete agir com rigor contra candidatos e apoiadores que promoverem desinformação nas redes sociais. O recado foi dado pelo ministro Alexandre de Moraes em outubro passado, no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que rejeitou pedidos de cassação do presidente Jair Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão por causa do disparo de mensagens em massa nas eleições de 2018.
"A Justiça como um todo, e não só a eleitoral, não será pega de surpresa. Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro [do candidato] será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para cadeia, por atentar contra as eleições e contra a democracia no Brasil", disse Moraes, antecipando, em parte, o que deverá marcar sua gestão no comando do TSE, a partir de setembro de 2022: o combate às fake news e a "ataques" contra candidatos e à própria Corte.
O ministro assumirá a presidência do TSE no mês anterior ao pleito. Mas, para assessores e advogados que atuam no tribunal, a forma como ele conduzirá a Corte já começa a transparecer e a ser preparada.
"Alexandre de Moraes já é ministro e todo mundo sabe a visão dele sobre o Direito Eleitoral, que já está posta. O que mudará, em primeiro lugar, é a forma como o tribunal se apresenta para o público. Luís Roberto Barroso [o atual presidente] tem uma forma mais moderadora, é mais conciliador. Talvez com uma interlocução mais ponderada com os demais poderes. Alexandre tem perfil mais firme", diz Marilda Silveira, uma das mais experientes advogadas com atuação no tribunal.
O tema do combate às fake news tende a ganhar ainda maior relevância não só pelo crescente debate sobre seu impacto nas escolhas do eleitor, mas também por causa da própria atuação de Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal. Por ser relator dos inquéritos das "fake news", dos "atos antidemocráticos" e das "milícias digitais" no STF, ele diz conhecer a fundo o funcionamento de um suposto esquema de desinformação e ataque às autoridades, que seria orquestrado por apoiadores de Bolsonaro. E tudo indica que usará isso na fiscalização da campanha deste ano.
“Nós já sabemos como são os mecanismos; nós já sabemos agora quais as provas rápidas devem ser obtidas, e quanto tempo e como. E não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas, a partir de financiamento espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos também não declarados”, disse Moraes no julgamento das ações contra Bolsonaro que acabaram rejeitadas por falta de provas.
Os alvos principais de todos os inquéritos que Moraes conduz no STF são apoiadores de Bolsonaro, que também passou a ser investigado pelo ministro por causa das acusações de fraude nas urnas eletrônicas.
Como Alexandre de Moraes pretende agir contra as fake news
Dentro do TSE, no entanto, ainda não está claro, entre servidores e assessores de ministros, como exatamente Moraes irá fortalecer e efetivar o combate às fake news, seja as que atingem candidatos ou as que causam danos à imagem do tribunal.
Um passo já dado na atual gestão, sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, são os acordos firmados com WhatsApp, Facebook e Google nas eleições municipais de 2020. O aplicativo de mensagens colabora na suspensão ou banimento de contas que espalham artificialmente mensagens de forma massiva. A rede social e o buscador, por sua vez, poderão, com a ajuda de agências de "fact-checking" (checagem de fatos) restringir o alcance ou retirar da internet notícias falsas, o que tem sido objeto de debate acadêmico e jurídico, pelo potencial de restringir a livre expressão de ideias políticas.
Uma aposta é que Moraes leve para o TSE delegados da Polícia Federal que o auxiliaram nas investigações tocadas no STF. Essa projeção deixa muitos advogados apreensivos, que temem a punição ou a investigação rigorosa (com direito a quebras de sigilo, por exemplo) de candidatos que não têm controle sobre muito do que fazem seus apoiadores e cabos eleitorais nas redes sociais.
De qualquer modo, em relação a Bolsonaro, é dado como certo o avanço da investigação interna, aberta no início de agosto, por causa da transmissão ao vivo que ele fez, em julho, apontando, sem provas, fraudes nas urnas eletrônicas.
Marilda Silveira nota uma inovação trazida nesse inquérito e que valerá para todos os candidatos: a análise sobre o conteúdo da propaganda eleitoral. Até então, o poder de polícia do TSE na fiscalização da propaganda eleitoral restringia-se à sua forma.
“Antes, o juiz só podia fiscalizar uma propaganda pela sua forma, verificando o tamanho do outdoor ou a proibição de pintar um muro, por exemplo. Nunca se interferia no mérito. Agora sim. Como o tribunal vai mediar isso, passando essa atuação para os demais juízes? O ministro Alexandre de Moraes é quem vai dar o tom”, diz a advogada.
Novas regras eleitorais são desafio à parte
Uma peculiaridade da gestão do TSE em 2022, e que afetará diretamente a gestão de Alexandre de Moraes, é a passagem curta de outro ministro do STF pela presidência do tribunal. No final de fevereiro, Luís Roberto Barroso termina seu mandato na Corte e passa o comando para Edson Fachin, o atual vice-presidente. E é nesse período de seis meses que se concentra a preparação para as eleições de outubro.
Como será Moraes que estará à frente do tribunal no momento do pleito, desde já ele e sua equipe participam dessa preparação. Ela envolve não somente questões estruturais, mas também a aplicação das resoluções que regerão as eleições e aprovadas em dezembro.
Tratam-se das regras e procedimentos mais detalhados para diversas etapas do processo eleitoral: forma da arrecadação de doações e prestação de contas de campanha, ritos das convenções partidárias para escolha dos candidatos, distribuição do fundo eleitoral, exigências para a realização e divulgação de pesquisas de intenção de voto, e fiscalização da propaganda, principalmente.
O maior problema será definir em que medida essas regras do TSE serão afetadas pelo novo Código Eleitoral, que promoveu uma ampla mudança na legislação. Em tese, ele não valeria para as eleições de 2022, porque a Constituição diz que a lei que alterar o “processo eleitoral” não pode ser aplicada ao pleito que ocorra até um ano da data de sua vigência. O projeto já foi aprovado pela Câmara, mas ainda não foi apreciado pelo Senado. Há pressão, no entanto, pela sua aprovação ainda em 2022. Neste caso, haveria dúvida sobre o que poderia valer.
Alguns ministros entendem que algumas novidades já poderão ser efetivadas neste ano, pois não afetariam o “processo eleitoral”. Mas ainda não se sabe exatamente o que já pode valer em 2022.
Há insegurança, por exemplo, sobre como será o financiamento dos candidatos negros. Em 2020, o TSE e o STF decidiram que o dinheiro para essas campanhas deveria ser proporcional ao número de candidatos negros lançados por cada partido.
Essa inovação, construída pelo próprio Judiciário, irritou caciques partidários, a ponto de levar o Congresso a instituir uma nova forma de financiamento no novo Código Eleitoral: a legenda que lançar mais candidatos negros leva uma fatia maior do fundo eleitoral.
O que não se sabe é se esse novo incentivo se somaria ao entendimento sobre o financiamento proporcional, ou o substituiria. O advogado eleitoral Irapuã Santana, autor das ações em favor do financiamento proporcional, entende que as duas regras podem ser compatibilizadas, mas tem dúvida sobre o que ocorrerá.
“Vai precisar editar uma resolução para organizar essa questão. Está bem nebuloso. Há uma interpretação mais restritiva, de que a regra do Código Eleitoral substituiria o do financiamento proporcional. Mas também há a possibilidade de se compatibilizar as duas coisas, que são distintas. O ministro Alexandre de Moraes já disse que tentará compatibilizar da melhor maneira possível”, afirmou.
No TSE e no STF, Moraes votou a favor da divisão proporcional de recursos para candidatos negros. "O histórico funcionamento do sistema político eleitoral brasileiro perpetua a desigualdade racial, pois, tradicionalmente, foi estruturado nas bases de uma sociedade ainda, e lamentavelmente, racista", disse, no julgamento.
Moraes olha com atenção para julgamento sobre federação partidária
Outro problema a ser solucionado é a formação das federações partidárias. Como mostrou a Gazeta do Povo, trata-se de uma nova forma de aliança entre as legendas, mais duradoura que antigas coligações, que se uniam apenas durante as eleições para tentar alavancar o número de deputados eleitos por cada uma delas, somando os votos de todos os seus candidatos. A federação, aprovada em lei neste ano pelo Congresso, também segue essa lógica, mas determina que os partidos permaneçam juntos durante toda a legislatura, formando bancadas no Congresso com seus deputados.
Em dezembro, o TSE aprovou resolução contendo algumas regras sobre o funcionamento. Os partidos vão manter sua identidade (sigla e número próprio, por exemplo) e terão autonomia sobre suas contas. Cada um terá seu próprio fundo partidário e fará sua própria prestação de contas à Justiça Eleitoral.
Em novembro, o PTB apresentou uma ação no STF contra a existência das federações, sob o argumento de que as coligações, alianças semelhantes, foram proibidas por uma emenda constitucional de 2017. O relator Luís Roberto Barroso negou um pedido de liminar para suspensão imediata de sua validade. Mas o plenário vai analisar o assunto no dia 2 de fevereiro, na primeira sessão de julgamentos de 2022 na Corte. É importante que a decisão final seja dada antes da eleição para evitar que deputados que se elejam em federações venham a perder seus mandatos caso elas sejam posteriormente declaradas inconstitucionais.
Trata-se de um cenário que abarrotaria a Justiça Eleitoral de problemas, seja para substituir eleitos, seja para julgar ações contra essa substituição.
Autora da ação contra as federações, a advogada Ezikelly Barros diz que Moraes poderá ter papel importante para a busca de soluções, não só nesse campo, mas em todas as regras eleitorais que afetam os partidos, sua área de especialização.
“O ministro Alexandre de Moraes possui uma visão multifacetada da Justiça Eleitoral, por ter atuado nessa área em diferentes posições — como membro do Ministério Público, como advogado eleitoralista e até mesmo como presidente de órgão partidário municipal. Ele tem uma visão prática da política partidária, de como funciona um partido político e não apenas teórica e doutrinária, como a maior parte dos magistrados”, diz a advogada.
Trata-se, novamente, de mais uma tarefa que exige diálogo com os demais poderes, uma das principais missões de quem comanda a Justiça Eleitoral.
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