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A confusão envolvendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e seu filho com uma família de brasileiros em Roma também pode, em tese, trazer problemas para o magistrado na própria Justiça. Se as imagens do bate-boca provarem que, de fato, Moraes chamou de “bandido” uma das pessoas que ele acusou de ofendê-lo, ele também poderia ser acusado de injúria.
Num prazo de até seis meses, a própria vítima poderia acusá-lo diretamente junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), cabendo aos demais ministros analisar o caso e julgar Moraes. “Quem poderia processar o ministro é a vítima, numa ação penal privada”, explica o delegado aposentado, autor e professor de direito penal Silvio Maciel.
Ação penal privada é aquela em que apenas a vítima tem legitimidade para ajuizar, por afetar, em geral, somente ela mesma. É o que ocorre nos casos de crimes contra a honra, como injúria, calúnia e difamação. Nesse cenário, a Procuradoria-Geral da República (PGR) poderia participar do processo não como parte, mas como fiscal da lei, averiguando se todos os procedimentos estariam de acordo com as regras processuais.
O crime de injúria consiste em insultar alguém “ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. A punição é de detenção de um a seis meses ou multa. Como a pena é muito baixa, uma eventual condenação não levaria a uma prisão. O próprio Código Penal diz que a Justiça poderia ainda deixar de aplicar a pena quando a pessoa ofendida, “de forma reprovável, provocou diretamente a injúria” e também no caso de “retorsão imediata, que consista em outra injúria”, ou seja, quando o xingamento foi proferido em resposta a outra ofensa do tipo.
Com base nas declarações dadas até o momento pelo advogado do casal Roberto Mantovani e Andreia Munarão, acusados por Moraes de ofendê-lo no aeroporto de Roma, o ministro teria xingado de “bandido” o genro do casal, Alexandre Zanatta. Isso teria ocorrido no momento que Moraes deixou uma sala VIP do aeroporto para buscar seu filho, que discutia com Andreia.
“O ministro Alexandre de Moraes sai de dentro do interior da sala VIP, vem até o seu filho, coloca as mãos nos seus ombros e o conduz para dentro dessa sala. Nessa oportunidade em que o ministro sai, ele tira algumas fotografias, nesse mesmo instante, ele faz menção de que eles seriam responsabilizados de alguma forma por isso. O genro pega o celular, faz uma filmagem disso, indaga se ele estaria os ameaçando. Ele diz uma ofensa a essa pessoa e retorna para a sala e, aí, se encerra na Itália”, relatou à GloboNews o advogado Ralph Tórtima.
Ainda segundo ele, Andréia discutia com o filho de Moraes porque “supôs equivocadamente que o ministro estivesse furando fila” para entrar na sala VIP. “Ela não se voltou contra o ministro, mas sim contra o fato de supor equivocadamente que ele teria tido algum privilégio […] Foi isso que aconteceu. Nada direcionado ao ministro muito menos ao seu cargo, ao Poder Judiciário”, disse.
O advogado acrescentou que o filho de Moraes teria se dirigido a Andreia “com ofensas pesadas, muito desrespeitosas a uma mulher”. Teria sido nessa discussão que Roberto teria afastado o filho de Moraes com o braço, dando-lhe um tapa.
A Gazeta do Povo procurou o advogado para saber se a família Mantovani apresentaria uma notícia-crime contra Moraes, mas não houve resposta. Se isso for feito, um outro ministro será sorteado no STF para relatar e conduzir o processo. Se uma queixa for apresentada contra o filho de Moraes, o processo correrá na primeira instância da Justiça.
A reportagem também procurou o STF, por meio de sua assessoria de imprensa, para ouvir Alexandre de Moraes sobre o episódio e o vídeo. Foi comunicado que o ministro não se manifestará sobre o caso.
PF investiga se houve desacato e perseguição contra Moraes
O caso foi trazido ao Brasil por iniciativa de Moraes, que pediu à Polícia Federal para investigar o caso. A lei permite que isso seja feito quando o ofensor ou a vítima são brasileiros e chegam ao Brasil, sem que uma investigação e um processo tenham sido abertos no exterior, e quando os crimes têm pena superior a dois anos.
No caso da injúria, em princípio, isso não seria possível, porque a pena máxima seria de um ano caso tenha ocorrido alguma violência física (“vias de fato”). Mas ainda seria possível aplicar uma regra de um tratado entre Brasil e Itália para extradição que permitiria processar aqui um crime com pena de um ano.
Com base nas acusações do ministro, a PF apura se houve desacato contra ele, que consiste em afrontar um funcionário público em razão de sua função, com pena de até dois anos; e perseguição, definido como o ato de “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, também com pena de até dois anos de reclusão.
Silvio Maciel entende que é possível que a família Mantovani seja processada por desacato, caso se prove que chamaram Moraes de “bandido”, “comunista” e “comprado”. “Caso tenham usado essa palavra ‘comprado’, a ofensa estaria intimamente relacionada à função dele como juiz”, diz o professor, que, no entanto, descarta a possiblidade do crime de perseguição. “Esse delito novo, também chamado de ‘stalking’, pressupõe uma conduta reiterada, habitual, realizada há algum tempo, que não parece ser o caso, de um ato isolado.”
As condutas dos supostos agressores de Moraes – Roberto, Andreia e Zanatta, ou outro eventual envolvido – serão indicadas pela PF com base nas imagens de câmeras de segurança, gravações privadas, depoimentos e na representação do ministro (relato documentado, com pedido de investigação) feito à própria PF.
Um relatório será enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que já atua no caso perante o STF. Em regra, não caberia à Corte processar esse caso, uma vez que os supostos agressores não têm cargos com foro privilegiado. O caso só aportou no STF porque o delegado da PF Hiroshi Sakaki, que trabalha para Moraes em inquéritos contra outras pessoas acusadas de ofender os ministros, disse que a confusão em Roma pode ter relação com “atos antidemocráticos”, que já são investigados no STF pelo próprio ministro.