Queimada próxima à Transamazônica, em Rurópolis, no Pará. Governo de Jair Bolsonaro vai aceitar ajuda financeira do governo Biden| Foto: Johannes Myburgh/AFP
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O Brasil está disposto a receber dinheiro dos Estados Unidos – e de outros países desenvolvidos – para ajudar a combater o desmatamento ilegal e as queimadas na Amazônia. Mas desde que não haja interferência na soberania brasileira e que isso seja entendido como o cumprimento das responsabilidades internacionais das nações desenvolvidas estabelecidas no Acordo Climático de Paris.

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Os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) conversaram na última quarta-feira (17), por teleconferência, com o enviado especial do clima do governo norte-americano, John Kerry. Os ministros brasileiros afirmaram que o país está comprometido com a pauta ambiental, mas deixaram claro o interesse de que os EUA também assumam compromissos.

A Gazeta do Povo apurou que o governo federal deseja que os EUA e a União Europeia cumpram com sua parte no Acordo de Paris – que não é só a redução de suas próprias emissões de gases causadores do efeito estufa, mas também financiamento de países em desenvolvimento para que eles também possam acelerar suas políticas nessa área. O ex-presidente dos EUA Donald Trump tirou o país do Acordo de Paris. Mas, no último dia 19 Biden formalizou o retorno dos EUA ao tratado climático.

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O entendimento do Brasil é de que a preservação ambiental tem um custo, assim como o controle da emissão de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases poluentes. E que tudo isso impacta a economia, especialmente de nações em desenvolvimento e pobres. Portanto, os países desenvolvidos têm de ajudar os demais.

“Uma parte razoável do que o Brasil produz de CO2 vem de decorrência indireta do desmatamento. Mas, para que isso deixe de ocorrer e para que façamos esforço adicional e cumpramos metas, precisamos, também, de apoio financeiro”, diz um assessor do Itamaraty. Outro assessor reforça que não há demérito nisso. “Isso está na letra da Convenção de 1992 [a Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima], a ideia de financiamento de recursos adicionais para os países em desenvolvimento”, diz.

Na reunião com John Kerry, Ernesto Araújo e Ricardo Salles deixaram claro que a diplomacia brasileira quer manter uma boa relação com os EUA, mas irá defender o interesse nacional. Como dizem interlocutores reservadamente, o Brasil não será submisso ao governo de Joe Biden. Pelo Twitter, Ernesto Araújo afirmou ainda que a agenda ambiental pode aprimorar a parceria com os americanos.

Fontes do Itamaraty relataram à Gazeta do Povo que John Kerry concordou que os dois países têm muitas convergências e muito o que avançar na pauta ambiental. Pelo Twitter, ele afirmou que a conversa com Araújo foi "boa" e que falaram sobre cooperação climática, a liderança do Brasil nessa área e crescimento sustentável

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Brasil e EUA não trataram de detalhes da verba para a Amazônia

A videoconferência da última quarta-feira teve um caráter introdutório, para iniciar as negociações entre os dois governos na área ambiental. Em função disso, Brasil e EUA não chegaram a tratar, por exemplo, do montante de recursos que podem ser transferidos para a preservação ambiental, de prazos e de como a ajuda financeira seria feita por parte do governo Biden.

“Pode ser que isso seja feito no próprio âmbito do Acordo de Paris, como no entendimento de um acordo bilateral entre os países”, diz um interlocutor de Ernesto Araújo. “Mas ainda não está claro como isso ocorrerá. Foi uma reunião de apresentação, há muitas discussões convergentes nessas áreas”, acrescenta um técnico do Itamaraty.

Ficou acertado que Brasil e EUA irão realizar novas reuniões bilaterais para discutir a agenda ambiental. Mas esses novos encontros não ocorrerão entre os ministros brasileiros e John Kerry – e sim entre responsáveis pelas respectivas áreas do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente com a assessoria técnica norte-americana.

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Em 2020, Biden fez ameaças. E Brasil "congelou" verba estrangeira na Amazônia

As negociações diplomáticas entre Brasil e EUA para que haja dinheiro estrangeiro na preservação da Amazônia marca uma guinada tanto na postura do atual presidente americano quanto na do governo brasileiro.

Durante a campanha presidencial nos EUA, no ano passado, Joe Biden chegou a citar uma cifra para repassar ao Brasil para que preserve a Amazônia: US$ 20 bilhões. Mas a declaração de Biden teve um tom de ameaça ao Brasil – o que foi rechaçado pelo governo brasileiro à época. Na ocasião, Biden disse, se referindo ao Brasil e à Amazônia: “Eu estaria me reunindo e garantindo que os países do mundo venham com US$ 20 bilhões e digam: 'Aqui estão US$ 20 bilhões. Pare! Pare de derrubar a floresta e, se não fizer isso, você terá consequências econômicas significativas’.”

Já a abertura do governo brasileiro ao financiamento estrangeiro para a proteção do meio ambiente também representa uma mudança de rumo. O Fundo Amazônia, programa ambiental no Brasil que era mantido com recursos da Noruega e Alemanha, por exemplo, foi "congelado" pelo governo federal por desentendimentos com os dois países. Até o fim do ano passado, o fundo tinha uma lista de 40 projetos com processos de análise parados, somando R$ 1,409 bilhão.

Caso a diplomacia brasileira destrave o financiamento internacional para ações ambientais, o dinheiro virá em boa hora. Nos dois últimos anos, o governo cortou drasticamente os recursos que destina ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) para ações contra desmate e queimadas.

No Ibama, o orçamento usado na prevenção e controle de incêndios florestais foi de R$ 49,9 milhões em 2019. Para 2021, o valor previsto é de apenas R$ 29,7 milhões. Nas ações de controle e fiscalização ambiental em geral, o Ibama contou com R$ 111,8 milhões em 2019. Para este ano, são R$ 83 milhões.

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Já o ICMBio, que dois anos atrás teve R$ 180,3 milhões para a fiscalização e gestão das unidades de conservação federais, contará com, no máximo, R$ 96 milhões em 2021.

O último balanço anual mostra que o desmate na Amazônia teve alta de 9,5%. De agosto de 2019 a julho de 2020, a devastação alcançou 11.088 km².

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Brasil também quer regulamentação dos créditos de carbono

O encontro entre Ernesto Araújo, Ricardo Salles e John Kerry transcorreu sem outros pedidos de contrapartida de uma parte ou outra. Os EUA destacaram estar empenhados em apresentar uma Contribuição Nacional Determinada (NDC, em inglês) ambiciosa para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Mas não fizeram qualquer pedido ao Brasil nessa área. Em dezembro de 2020, Salles apresentou a nova meta da NDC, de neutralizar as emissões de gases poluentes até 2060. A meta até então, em vigor desde 2015, previa que até 2025 as emissões seriam reduzidas a 37% em relação a 2005.

Os EUA reforçaram ainda na reunião o convite para que o Brasil participe do encontro Earth’s Summit (Cúpula da Terra) proposto por Biden, a ser realizado em abril.

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O objetivo do governo norte-americano é antecipar discussões para garantir o sucesso da próxima reunião da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), em novembro, em Glasgow, Escócia.

O ministro Ricardo Salles publicou ainda na quarta-feira um vídeo em que resume os principais pontos e enaltece a importância do Earth’s Summit. “[É um] importante assunto, porque é a parceria que nós vamos estabelecer com o governo que se inicia nos Estados Unidos para tratar dos diversos temas. Dentre eles, aqueles recursos relativos aos créditos de carbono, tão importantes para o nosso cuidado com a Amazônia”, afirmou o ministro do Meio Ambiente.

A comercialização dos créditos de carbono é uma das principais metas do governo. Um crédito de carbono é uma espécie de "moeda" que um país ganha ao reduzir suas emissões de CO2. Uma nação pode vender esses créditos para empresas ou países que não conseguem reduzir suas emissões poderem cumprir seus compromissos. A ideia é que, mesmo poluindo, eles estão compensando ao preservar em outra localidade.

Na COP-25 de 2019, Salles mostrou clara frustração e chegou a dizer que a conferência “não deu em nada” porque, no fim das contas, não se discutiu a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que dispõe sobre a compra e venda de créditos de carbono entre países.

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O governo federal sustenta ter boas práticas na agricultura e uma série de avanços de modernização da indústria para o controle da emissão de CO2. Portanto, Salles acredita que o Brasil sairia favorecido com a regulamentação do mercado de carbono. As receitas com a venda dos créditos, segundo o ministro, seriam importantes para investir em políticas ambientais, como o próprio combate às queimadas e o desmatamento ilegal.

Especialista elogia abertura do Brasil para negociação diplomática

A especialista em sustentabilidade Verônica Prates, gerente da BMJ Consultores Associados, elogia a iniciativa do Brasil de abrir negociações diplomáticas na área ambiental. “É a oportunidade de reverter, basicamente, o cenário de pária internacional do Brasil, de uma nação que virou alvo de críticas na área ambiental para um Brasil que tem agenda ambiental propositiva e que quer trabalhar com parceiros estratégicos”, diz ela.

Verônica também concorda que o mundo rico tem de ajudar as outras nações na questão ambiental. “Países desenvolvidos já desmataram, poluíram e cobram dos países em desenvolvimento que parem suas produções em prol do meio ambiente. Agora que eles estão tendo o compromisso com a pauta ambiental. Mas manter florestas em pé tem um custo”, afirma. Segundo ela, o custo da preservação e do Acordo de Paris não é apenas “pegar uma árvore e mantê-la em pé". “É, também, conseguir desenvolver tecnologia sustentável. O Brasil tem uma biodiversidade riquíssima e precisa se desenvolver e investir para utilizar [a tecnologia] de forma sustentável.”

Mas a especialista em sustentabilidade alerta que o Brasil ainda tem muito a avançar em algumas áreas defendidas pelo governo, como a da comercialização do crédito de carbono. Bolsonaro assinou em 2019 o Decreto 10.144 – que, na prática, retira amarras e possibilita aos estados brasileiros comercializarem seus créditos. Mas ela afirma que há projetos e discussões no Ministério da Economia aguardando a regulamentação. “É preciso um marco regulatório disso para o próprio Brasil.”

Com informações da agência Estadão Conteúdo.

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