O emprego de militares no território conhecido como Amazônia Legal é a principal aposta do governo federal para conter as ocorrências de desmatamento e queimadas no período mais seco do ano no país. Mas, a julgar pelo valor gasto pelas Forças Armadas até agora, a "missão" não vem sendo cumprida.
Levantamento da ONG Contas Abertas para o jornal O Estado de São Paulo revela que apenas 0,7% do orçamento da Operação Verde Brasil 2 foi desembolsado até a última sexta-feira (3). Isso equivale a R$ 454 mil de um total previsto de R$ 60 milhões. Deste, somente R$ 2,323 milhões já foram empenhados, ou seja, reservados para o pagamento de serviços executados. Isso equivale a 3,8% do total planejado. Na prática, uma parcela ínfima aplicada em ações para prevenir e punir crimes ambientais.
A Operação Verde Brasil 2 teve início em 11 de maio, depois que o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), autorizando o empregos das Forças Armadas na região amazônica. Prevista para durar um mês, a operação foi prorrogada por mais 30 dias e está prevista para ser encerrada no próximo dia 10 de julho.
De largada chamou a atenção o orçamento da operação para os primeiros 30 dias: R$ 60 milhões. Isso corresponde a 79% do orçamento anual do Ibama para ações de controle e fiscalização ambiental em todo o território nacional, que é de R$ 76 milhões para esse tipo de atividade em 2020 — 25% menos do que no orçamento de 2019. Agora se vê que, por enquanto, todo esse dinheiro ainda não foi liberado.
A militarização da fiscalização ambiental repete uma estratégia usada no ano passado e que, na avaliação do governo, tem sido bem sucedida, com prisões e apreensões de madeira, veículos e equipamentos. Todo esse esforço é para evitar uma polêmica ambiental parecida com a do ano passado, quando a comunidade internacional criticou o Brasil por um suposto desleixo com a floresta. A efetividade da estratégia, porém, é contestada por organizações como o Greenpeace.
A Verde Brasil 2 está em curso nos estados da Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Quem comanda a operação é o vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão, no âmbito do Conselho Nacional da Amazônia, coordenado por ele.
“Nós traçamos como prioridade esse tipo de operação para enfrentar as ilegalidades que vêm sendo cometidas nas terras notadamente da União, áreas de preservação e terras indígenas buscando impedir e também trazer para as barras da Justiça, da lei, aqueles elementos que estão cometendo infração”, explicou Mourão na deflagração da operação, em maio.
De acordo com o Ministério da Defesa, o efetivo empregado é de 3,8 mil homens das Forças Armadas, 110 viaturas, 12 aeronaves e 20 embarcações. Na prática, a ofensiva deflagrada a partir da GLO subordinou Ibama e ICMBio ao Exército, tirando dos órgãos ambientais autonomia de ação.
“Na verdade, é uma operação para fazer uma maquiagem. É quase como querer tratar uma fratura exposta colocando um band-aid. Além de tudo você rebaixa quem é mais especializado nesse combate [o Ibama], que entre 2004 e 2012 conseguiu baixar em 80% o desmatamento, e deixa abaixo de uma estrutura que não foi feita para fazer esse tipo de serviço, que não tem a inteligência de campo, não tem o traquejo do campo”, critica Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.
Em nota, o Ministério da Defesa destacou que as ações ocorrem com a presença de profissionais do Ibama, ICMbio, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança Pública, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e Secretarias de Meio Ambiente dos estados.
"Cada órgão parceiro tem um papel a cumprir nessa missão. As Forças Armadas não têm experiência em fiscalização ambiental e nem lhes foi atribuída as tarefas de autuar, apreender ou inutilizar durante a Operação Verde Brasil 2”, diz a pasta.
O que explica o baixo gasto no orçamento da operação
Os números oficiais sobre valores gastos e empenhados, informados pelo próprio Ministério da Defesa, frustram até mesmo o valor oficialmente autorizado até agora para a Verde Brasil 2. O recurso total disponível até o momento, na realidade, tem limite de R$ 7,5 milhões.
A reportagem questionou o governo sobre a falta de execução dos recursos. Inicialmente, por meio de nota ao Estadão, o Ministério da Defesa declarou que “o assunto recursos está sendo equacionado no âmbito do Conselho da Amazônia Nacional da Amazônia Legal, responsável pela coordenação do tema”.
Numa segunda abordagem, ao ser perguntado sobre os dados detalhados que foram apurados, a Defesa admitiu que, na realidade, ainda não recebeu nada do que estava previsto, especificamente, para sua nova operação militar na Amazônia. “Uma vez que os fundos específicos para a Operação Verde Brasil 2 ainda não foram disponibilizados pela área econômica, o Ministério da Defesa adiantou recursos orçamentários previstos específicos da rubrica de (Garantia da Lei e da Ordem) GLO para o pagamento de horas de voo iniciais da operação”, informou.
O ministério citou operações anteriores e declarou que, “para cumprir estas e outras missões de GLO, e não prejudicar a atuação das tropas e o resultado da missão, as Forças Armadas adiantam os custos, utilizando seus próprios recursos orçamentários, enquanto não há o repasse dos recursos específicos”.
Governo comemora resultados da operação na Amazônia
O último balanço da operação, divulgado pelo Ministério da Defesa, informa que até 1º de julho foram apreendidos 25 mil metros cúbicos de madeira cortada ilegalmente, 372 quilos de drogas (maconha e pasta base de cocaína), 178 embarcações e 156 veículos. Também foram realizadas 146 prisões em flagrante e aplicados 1.021 autos de infração no valor total somado de R$ 212,7 milhões.
“Foram ainda realizadas 11.593 patrulhas navais e terrestres, vistorias e revistas. Militares e integrantes de agências inspecionaram 64 madeireiras, apreenderam 9.428 litros de combustível, 70 maquinários de mineração e 55 tratores. Foram ainda embargados 31.880 hectares”, informa o ministério, em nota.
Para Batista, do Greenpeace, apesar do resultado comemorado pelo governo, os números da atividade das Forças Armadas na Amazônia não são muito animadores. “Infelizmente, no Brasil, multa ambiental não pode servir como indicador de sucesso para nada, porque historicamente menos de 5% são pagos”, ressalta.
Além disso, Batista diz que o governo está "inflando" esses números. “Operações que ocorreram até um mês antes da GLO, eles incluíram as multas e apreensões como se fossem resultados da operação”, completa. É o caso de uma megaoperação ocorrida no Pará, entre os dias 4 e 16 de abril, que resultou em 26 autos de infração, 24 apreensões e 17 termos de destruição de máquinas, entre outros itens. Em nota, o Ministério da Defesa reconheceu que os resultados dessa operação no Pará estão no balanço da Verde Brasil 2.
Desmatamento segue crescendo na Amazônia
Ao anunciar a prorrogação da Verde Brasil 2 por mais um mês, no início de junho, Mourão disse ter havido queda no desmatamento na região durante a operação. “Se nós compararmos o índice de desmatamento no mês de maio deste ano com maio do ano passado, a queda é praticamente quase total. Chegamos a um número ínfimo de ilegalidades cometidas. Então, nesse primeiro mês, a operação cumpriu sua tarefa, fora a própria questão das apreensões de madeiras ilegais, das atuações em garimpos, das apreensões de drogas e veículos ilegais, da destruição de equipamentos que não puderam ser retirados da área onde estavam”, disse o vice-presidente
Apesar dos números apresentados pelo governo, o desmatamento segue sendo um problema na região. As queimadas na Amazônia em junho foram as maiores dos últimos 13 anos. No período foram registrados 2.248 focos de calor no último mês, um volume que não era atingido desde 2007 e que representa um aumento de 19,57% em relação ao registrado em junho de 2019, quando 1.880 focos foram detectados. Os dados são do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
“O desmatamento não é um processo que acontece durante um ou dois meses no ano. Ele acontece na Amazônia, que é um território muito grande, em diferentes partes, em diferentes tempos. O que a gente viu esse ano é uma escalada no desmatamento. No mês de maio, em que a gente já tinha a GLO funcionando em mais da metade do mês, foi o mês que mais teve desmatamento esse ano”, diz Batista, porta-voz do Greenpeace.
Ele também faz ressalvas quanto aos registros de queimadas na floresta. “As três primeiras semanas de junho também foram recordes em quantidades de fogo e queimadas que ocorreram na Amazônia, quase chegando na quantidade que a gente viu no mês de junho do ano passado, que foi um ano que a gente já teve um aumento histórico de queimadas na Amazônia”, disse.
O vice-presidente Mourão afirmou que a operação vai conseguir conter os focos de queimadas na Amazônia. “Nosso objetivo é levar as queimadas no segundo semestre ao mínimo aceitável para que deixemos muito claro para o restante do Brasil e para o mundo o nosso compromisso com a preservação da Amazônia”, garantiu.
Coronavírus pode agravar a situação na floresta
Ainda segundo o Greenpeace, o início da seca chegando e o fogo batendo à porta da floresta se somam ao agravamento da vulnerabilidade das populações da Amazônia à Covid-19.
Com a chegada da época mais seca na Amazônia, o quadro fica ainda mais dramático quando o assunto é saúde pública, segundo a ONG. No ano passado, quando o Brasil bateu recordes de alertas de incêndio, o número de crianças internadas com problemas respiratórios dobrou nas áreas mais afetadas pelo fogo.
Foram cerca de 2,5 mil internações a mais, por mês, em maio e junho de 2019, em aproximadamente 100 municípios da Amazônia Legal, segundo estudo da Fiocruz. Atualmente, a Região Norte já enfrenta problemas com hospitais lotados por causa do coronavírus. E na primeira semana de maio, já houve aumento de 38,8% de queimadas em comparação com o mesmo período de 2019.
“Você tem uma previsão que é o pior dos mundos, em que você pode ter pico dessas queimadas com o pico da pandemia em cidades do interior”, alerta o porta-voz do Greenpeace.
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