A indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) provocou diversas reações, em especial da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dentre as críticas feitas ao ministro estão desde episódios relacionados à atuação dele durante os atos de 8 de janeiro até polêmicas mais recentes, como o caso da "dama do tráfico", que foi recebida por secretários da pasta no ministério. Dino coleciona ainda uma série de pedidos de impeachment por não comparecer em convocações feitas pela Câmara dos Deputados e declarações questionadas pela oposição.
Logo após a posse de Lula, Dino teve a atuação colocada à prova nos atos de 8 de janeiro. Questionado sobre sua presença no prédio do Ministério da Justiça durante as manifestações, Dino negou que estivesse no local.
Além disso, ele enviou imagens de apenas quatro das 185 câmeras que integram o circuito de monitoramento do Palácio da Justiça. E isso ocorreu somente após sucessivos pedidos feitos pela oposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro.
Em resposta, Dino argumentou que elas não teriam sido sequer armazenadas devido a um problema contratual. “O mesmo problema aconteceu no Senado. É problema contratual. Eu não sabia disso. Não sou gestor de contrato, sou ministro da Justiça. A Polícia Federal veio aqui e recolheu o que precisava. Só soube agora quais imagens a PF recolheu. Eu não conheço o inquérito, está tudo sob sigilo”, declarou.
Na CPMI, Dino foi blindado pela maioria governista, especialmente pela relatora, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), aliada política do ministro. Ela, inclusive, dedicou parte do seu relatório para rebater a suspeita de omissão do ministro da Justiça e direcionar a responsabilidade da inação nos atos de vandalismo às sedes dos Três Poderes ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
Atuação controversa de Dino rendeu pedidos de impeachment
Em pouco mais de dez meses de governo, o ministro da Justiça acumula pelo menos quatro pedidos de impeachment pela sua atuação à frente da pasta e, em especial, pela ausência em convocações feitas por parlamentares. A oposição ao governo entregou os pedidos à Procuradoria-Geral da República (PGR), que não tem prazo para avaliá-los e encaminhar, ou não, as denúncias ao STF.
O primeiro pedido de impeachment do ministro foi protocolado em maio. Na época, a oposição alegou abuso de autoridade quando Dino ameaçou instaurar procedimento investigatório contra o Google. A ameaça foi motivada pela manifestação da empresa contra o Projeto de Lei das Fake News (PL 2.630/2020), que ainda não foi analisado pela Câmara dos Deputados. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão que integra o Ministério da Justiça, impôs à big tech uma multa de R$ 1 milhão por hora caso mantivesse em destaque, em sua página inicial, um link que remetia a um artigo da empresa contrário à aprovação do PL das Fake News.
Em outro pedido de impeachment, Dino é acusado por ter insinuado que a Polícia Federal estaria sob o seu controle. Durante a posse do ministro do Esporte, André Fufuca (PP-MA), Dino disse ao novo colega de Esplanada: "Dinheiro não tenho, mas agora a polícia eu tenho". Embora a Polícia Federal esteja subordinada à pasta comandada por ele, na avaliação de opositores, o ministro teria apontado um possível uso político das forças de segurança.
Ao se defender das acusações, o ministro alegou que a fala teria sido tirada de contexto e que estava se referindo a um programa de segurança nos estádios, o qual deverá ser desenvolvido em parceria com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Essa, no entanto, não foi a única vez que o ministro sugeriu algum tipo de interferência na atuação da Polícia Federal. No início de setembro, ao discursar ao lado do presidente Lula, Dino disse que a PF estaria “a serviço da ‘causa’ de Lula e do Brasil”.
Os outros dois dos pedidos de impeachment foram apresentados pela ausência do ministro em convocações feitas pela Comissão de Segurança Pública.
Embora os pedidos tenham sido apresentados à PGR, o STF é o órgão responsável por julgar crimes de responsabilidade contra ministros. Até hoje, não há registros de condenações.
Fatos ligados à liberdade de expressão pesam contra Dino no STF
Além do caso envolvendo o Google, que rendeu um pedido de impeachment, Dino também é acusado de não respeitar o direito à liberdade de expressão e disseminar desinformação em outros momentos. Um dos casos mais emblemáticos ocorreu durante uma reunião do ministro da Justiça com representantes de big techs. Dino teria ameaçado essas empresas caso elas não mudassem os termos de uso para se adequarem às novas diretrizes de controle do governo.
Dino insinuou ainda que a “liberdade de expressão como um valor absoluto” teria sido “sepultada” no Brasil. “Esse tempo da autorregulação, da ausência de regulação, da liberdade de expressão como um valor absoluto, que é uma fraude, que é uma falcatrua, esse tempo acabou no Brasil. Acabou. Isso foi sepultado. Tenham clareza definitiva disso. Se os senhores não derem respostas que nós consideramos como cabíveis e ajustadas, nós vamos tomar as providências que a lei determina”, disse o ministro em um trecho da reunião que viralizou nas redes sociais em maio deste ano, um mês depois do encontro com as empresas.
O ministro também chegou a bloquear vários de seus desafetos nas redes sociais após críticas. Pelo menos nove pessoas, entre parlamentares, ativistas e até mesmo um jornalista da Gazeta do Povo já foram bloqueados por Dino no X, antigo Twitter. A ação impede que os bloqueados vejam as publicações do ministro e façam comentários. A conduta já foi adotada algumas vezes pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o mandato, e ele era intensamente criticado pela então oposição ao seu governo.
Um dos casos em que Dino espalhou desinformação ocorreu quando ele associou armas com violência na Bahia. “Infelizmente, as organizações criminosas se fortaleceram muito nos últimos anos, aumentaram o acesso às armas em todo o Brasil, por conta de uma política errada que havia no nosso país”, disse Dino.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, em setembro, avaliaram que a guerra entre facções criminosas no estado nordestino era o principal fator do conflito e não a política de armamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Visita ao Complexo da Maré e "dama do tráfico" no ministério
Em março, uma visita de Dino ao Complexo da Maré, favelas comandadas por facções criminosas no Rio de Janeiro, também rendeu reações. Um vídeo do dia da visita mostrava a chegada do ministro e assessores em dois carros oficiais acompanhados de alguns homens que não exibiam armamento. O episódio gerou críticas e questionamentos diante da facilidade com que ele e a comitiva adentraram o Complexo da Maré. Policiais disseram à reportagem que tal ação seria impossível sem o aval do tráfico.
Segundo o Ministério da Justiça, membros descaracterizados da PF, além de integrantes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Militar e Polícia Civil do estado teriam participado da segurança do ministro.
Recentemente, a divulgação de agendas cumpridas por Luciane Barbosa Farias, conhecida como a “dama do tráfico amazonense”, integrante da facção criminosa Comando Vermelho, também abalou a pasta comandada por Flávio Dino. De acordo com uma apuração feita pelo jornal O Estado de S. Paulo, a "dama do tráfico" teria sido recebida duas vezes neste ano por assessores do ministro, no prédio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Brasília.
O Ministério da Justiça admitiu que a “cidadã”, como se referiu a Luciene, de fato, foi recebida por secretários do ministro Flávio Dino, como parte de uma comitiva e que, portanto, teria sido impossível para o setor de inteligência ter detectado sua presença.
Mas a oposição na Câmara cobra esclarecimentos de Dino e aprovou quatro convites para comparecimento na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Parlamentares também criticaram a falta de transparência nas reuniões dos secretários da pasta com Luciane Barbosa Farias, que é esposa de um líder do PCC e já foi condenada em segunda instância por organização criminosa, lavagem de dinheiro e associação para o tráfico.
Dino diz que já tem votos suficientes para chegar ao STF, mas rejeição no Senado pode atrapalhar
Dino precisa do apoio de ao menos 41 dos 81 senadores para chegar ao STF. Matéria da Gazeta do Povo mostrou que o histórico de aprovações de ministros do STF pelo Senado joga a favor dele, mas as contrariedades e as controvérsias geradas por sua indicação podem dificultar esse processo. A oposição promete empenho para tentar barrar a indicação do ministro da Justiça para a Suprema Corte.
Além dos pontos citados anteriormente, a postura midiática do Dino, o desempenho fraco, sobretudo na área de segurança, e o desrespeito em relação ao Congresso são questões que deixaram ranços no Legislativo e podem dificultar a aprovação de seu nome para o STF. Soma-se a isso o clima de tensão entre os Poderes, o qual ganhou impulso após a aprovação, na semana passada, de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita os poderes individuais dos ministros da Corte.
Mesmo diante de todos esses elementos, Dino mostrou-se confiante de que o seu nome será aprovado para o STF pelos senadores. Na quarta-feira (29), ele afirmou que já tem os votos suficientes para ter a indicação ao Supremo aprovada pelos senadores na sabatina do próximo dia 13 de dezembro. A contabilização ocorreu poucas horas depois de começar oficialmente as articulações para obter o apoio dos parlamentares – o conhecido “beija-mão”.
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