Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Governabilidade em risco

Racha no União Brasil pode provocar primeira mudança no alto escalão do governo Lula

daniela carneiro união
Daniela Carneiro ameaça sair do União Brasil após desentendimentos internos no partido (Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados)

Ouça este conteúdo

A ameaça da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, de deixar o União Brasil, acompanhada de outros cinco deputados da bancada fluminense do partido na Câmara, pode obrigar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a fazer uma mudança no primeiro escalão do governo. O partido comandado por Luciano Bivar promete pressionar o Planalto para manter o controle sobre o ministério.

A legenda ocupa três pastas no governo. Além do Turismo, o ministro Juscelino Filho (União), acusado de usar recursos públicos para fins particulares, comanda as Comunicações e Waldez Goés, que apesar de estar filiado ao PDT, entrou na cota do União Brasil para chefiar a pasta da Integração Nacional, com a expectativa de mudar para a legenda. As nomeações fazem parte da complexa engenharia política montada por Lula para tentar garantir maioria de votos no Congresso, algo que ainda não se confirmou na prática.

O prefeito de Belford Roxo (RJ), Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, marido de Daniela Carneiro e aliado de Lula, assinou na segunda-feira (10) ficha de filiação ao Republicanos, deixando o União Brasil. Na ocasião, ele assumiu a presidência do Republicanos no estado. Segundo a CNN, Waguinho esteve na noite da terça-feira (11) no Palácio do Planalto para dar explicações. Este episódio foi o que explicitou uma crise que pode repercutir na composição da Esplanada dos Ministérios e na base aliada no Congresso.

A ministra, além dos deputados Dani Cunha, Chiquinho Brazão, Juninho do Pneu, Marcos Soares e Ricardo Abrão, chegaram a recorrer à Justiça Eleitoral para solicitar a desfiliação por justa causa, alegando assédio do comando nacional do União Brasil.

Segundo informações do jornal O Globo, o grupo foi impedido de ter acesso às ferramentas para destinar recursos do fundo partidário e de fazer nomeações para comissões municipais provisórias. O presidente do União Brasil, Luciano Bivar, rejeitou que tenha negado verbas para as campanhas dos parlamentares e adiantou que cobrará os mandatos dos deputados que deixarem o partido, conforme permite a regra da fidelidade partidária. Bivar também avisou que não abrirá mão do posto de titular do Ministério do Turismo para o seu partido, a qual foi reservada a indicação.

Exceto durante a janela eleitoral, os deputados só podem trocar de partido sem perder o mandato em algumas circunstâncias específicas, como no caso de fusão ou incorporação do partido, a criação de um novo partido, violação do programa partidário ou discriminação pessoal grave contra o deputado dentro do partido,

O partido nascido da fusão do PSL (partido que elegeu Bolsonaro em 2018) e o DEM, do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, secretário-geral do União Brasil, e do governador Ronaldo Caiado (GO), sempre registrou brigas internas, mas os episódios de desentendimento ficaram mais evidentes após a vitória de Lula e a adesão de seus filiados ao governo dele.

A crise atual é protagonizada pelo deputado Luciano Bivar (PE), presidente da legenda, e o seu vice, o advogado Antonio Rueda. Segundo declarações de membros da sigla à imprensa, o ápice dos conflitos veio da movimentação de Rueda para retirar Waguinho da direção estadual do União e tentar emplacar nomes dele no comando. Nos bastidores, há registros de que o entrosamento entre Bivar e o líder do partido na Câmara, Elmar Nascimento (BA), também não anda bem.

Na prática, a rebelião do partido no Rio de Janeiro pode reduzir sua bancada na Câmara de 59 para 53 deputados, mantendo o terceiro lugar em assentos no plenário.

Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o risco maior está na tendência de deterioração no clima interno da legenda em razão de outros conflitos regionais, como Pernambuco, São Paulo e Bahia. Isto pode se refletir na presença do União Brasil no primeiro escalão do governo. Até mesmo o ministro da Integração Nacional, Waldez Goés (MA), do PDT, foi indicado, segundo Lula, pelo União Brasil.

O vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), negou a possibilidade de uma reforma ministerial. Em entrevista a jornalistas nesta quarta-feira (12), ele afirmou que o cargo de ministro é da confiança do chefe do Executivo. "Não tem nenhuma história de reforma ministerial. Cargo de ministro é responsabilidade e, de outro lado, é confiança do presidente da República. Não tem nenhuma discussão de reforma ministerial", disse.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que se recupera de cirurgia, comemorou o racha do União Brasil num grupo de WhatsApp, avaliando ser algo favorável ao bloco majoritário de deputados que o reelegeu. Lira buscava criar partido, bloco partidário ou federação aliando seu PP ao União Brasil, o que se inviabilizou por questões regionais. Ele já havia reforçado o coro de que os deputados do União em ministérios são resultado de acordo de Lula com senadores da legenda e não com líderes da Câmara.

Do lado do PT, a movimentação partidária foi vista com bons olhos pelo vice-presidente nacional do partido, deputado Washington Quaquá (RJ), que vê a oportunidade de atrair o Republicanos para o governo. Próximo a Waguinho, ele foi um dos principais articuladores do apoio do diretório fluminense do União Brasil para a campanha de Lula em 2022, garantindo a presença de Daniela Carneiro na Esplanada dos Ministérios.

No seu estatuto, o União Brasil se apresenta como partido de centro-direita, resultante do acordo celebrado entre as duas agremiações em 6 de outubro de 2021. Em fevereiro de 2022, o TSE aprovou a fusão e conferiu o registro ao novo partido, que à época contava com 81 membros na Câmara. Em fevereiro de 2023, o partido tinha 1.058.386 filiados e era o sexto maior do país. Atualmente, o partido tem quatro governadores, nove senadores, 59 deputados federais, 100 deputados estaduais e 5.546 vereadores.

Partilha do primeiro escalão buscou a maioria na Câmara

Segundo Eduardo Galvão, professor de relações governamentais do Ibmec-DF, não é por acaso que dos atuais 37 ministérios, 10 foram concedidos ao PT e 25 a outros partidos, tendo em vista a necessidade de governabilidade. As siglas contempladas representam exatos 51% das cadeiras da Câmara.

“No nosso presidencialismo de coalizão, o presidente sem maioria parlamentar precisa negociar uma base de apoio e compartilhar a gestão para se proteger contra possíveis pedidos de impeachment e garantir a aprovação de medidas importantes pelo Legislativo”, sublinha.

Um estudo recentemente divulgado pela consultoria BCW mostra que a base governista no Congresso tem hoje o apoio sinalizado de 70 deputados e 10 senadores do PL, PP e Republicanos, partidos da coligação do candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Com isso, Lula contaria com apoio sólido de 140 deputados, apoio ocasional de 206 e oposição de 167 deputados. Já no Senado, o apoio sólido é de 15 senadores, o condicional, de 36, sendo que a oposição tem 30 senadores.

O estudo ressalva, contudo, que a análise prática da governabilidade depende da observação das votações em plenário, o que ainda não foi testado. Nem as medidas provisórias apresentadas pelo governo foram votadas, impedindo avaliação mais precisa.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.