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O assessor especial da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, embarca para a Ucrânia nesta quarta-feira (10) no intuito de minimizar o desgaste com o Ocidente causado pelas declarações pró-Moscou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Seu objetivo é preparar o terreno para o encontro do G7, o grupo dos países mais ricos do mundo, do qual Lula vai participar neste mês, no Japão.
A expectativa dos aliados de Lula é de que com a visita de Amorim à Ucrânia, os países integrantes do G7 diminuam as cobranças contra o petista. O grupo é composto por França, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá, países aliados da Ucrânia contra a invasão russa.
Lula vem dando declarações seguidas de apoio a Moscou na guerra. Ele afirmou, por exemplo, que a Ucrânia seria tão culpada pelo conflito quanto a Rússia. Porém, foram os russos que lançaram uma invasão de larga escala contra a Ucrânia em fevereiro de 2022.
O presidente brasileiro também vem criticando a hegemonia do dólar como moeda de comércio internacional e pregando um alinhamento político com a China, parceira da Rússia, para "equilibrar a geopolítica mundial".
Essa será a primeira visita de um integrante do governo brasileiro à Ucrânia, que foi invadida pela Rússia há mais de um ano. Antes disso, o assessor especial de Lula já havia feito uma visita ao governo russo, onde ele se encontrou com o presidente Vladimir Putin.
Ainda em fevereiro, o encarregado de Negócios da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkach, chegou a afirmar que uma visita de Lula à Ucrânia poderia “mudar a atitude” do petista sobre guerra. Depois disso, o próprio presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, convidou Lula para visitar Kyiv.
Mas Lula não quis correr os riscos de uma viagem ao campo de batalha. Só nesta terça-feira (9), a Rússia lançou 15 mísseis de cruzeiro contra a capital ucraniana, que é o destino de Amorim. No domingo (7), Moscou lançou o maior ataque de drones suicidas contra a Ucrânia desde o início da guerra. Mais de 60 aeronaves carregadas de explosivos voaram em formação de enxame até se chocar contra alvos o território ucraniano durante quatro horas seguidas.
Agora, aliados do presidente brasileiro dizem acreditar que a visita de Amorim ao território ucraniano vai embasar o discurso de Lula junto aos líderes do G7. O presidente pretende apresentar ao grupo de países ricos uma proposta de construção de paz para o conflito.
Porém, ela acontece em um momento no qual a paz é considerada praticamente impossível, pois ambos os lados beligerantes acreditam que podem vencer o conflito. A Rússia segue recrutando mais 415 mil soldados e a Ucrânia prepara uma contraofensiva de larga escala para retomar território, segundo dados da inteligência americana que foram vazados no início do ano.
Recentemente, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que o “clube da paz” proposto pelo petista deve ter a presença de países que sejam “relevantes” e tenham contato “com os dois lados”. Mas, durante uma entrevista à TV estatal chinesa em abril, Lula admitiu que não possui nenhum plano de paz concreto para a Ucrânia para apresentar.
"O Brasil não quer e não se arvora em ser o negociador da paz e ter a chave para a solução. Nós queremos mobilizar todos, inclusive as duas partes, para que haja um início de conversas que possam levar à paz", disse o chanceler brasileiro em entrevista publicada pelo jornal português Público.
Integrantes do governo avaliam que Lula pode convencer os integrantes do G7 sobre a atuação do Brasil na busca por diálogo justamente por ter canais abertos com Moscou e Kyiv.
“Falei com [Emmanuel] Macron [presidente da França] sobre guerra na Ucrânia. Vou voltar a conversar com ele. Falta conversar com [Narendra] Modi, [primeiro-ministro] da Índia. Se eu conversar com presidente da Índia, é a chance de conversar com quatro grandes e quem sabe a gente encontra jeito de começar a conversar”, disse Lula durante a coroação do Rei Charles III, em Londres, no Reino Unido.
Lula quer evitar constrangimentos por declarações sobre a Ucrânia durante cúpula do G7
Lula foi convidado a participar da cúpula do G7, encontro que irá ocorrer entre os dias 20 e 21 de maio, em Hiroshima, no Japão. A ida do petista foi confirmada na semana passada em um movimento do Itamaraty para tentar conter a crise diplomática com a União Europeia e com os Estados Unidos por conta das declarações sobre a guerra na Ucrânia.
A avaliação dos auxiliares de Lula é de que o governo brasileiro precisa fazer sinalizações claras de que está disposto a buscar o diálogo com os dois lados da guerra. Com isso, a viagem de Amorim à Ucrânia antes do encontro do G7 é vista como um importante aceno do Brasil aos países do Ocidente.
“Celso Amorim [ex-chanceler do Brasil] conversou com [Vladimir] Putin e agora vai para Ucrânia [conversar com Volodymyr] Zelensky. A gente vai juntando conversas e ver quais palavras permitem que pessoas sentem em torno de mesa. Pra isso, tem que parar de atirar, esse é meu dilema”, declarou Lula no último domingo (7).
Lula moderou discurso sobre a guerra para minimizar a crise diplomática com UE e EUA
A crise diplomática ganhou corpo durante a passagem de Lula pela China e pelos Emirados Árabes, em abril, quando o presidente brasileiro chegou a afirmar que a UE e os EUA estariam contribuindo com a guerra ao fornecer armas para a Ucrânia.
"A Europa e os Estados Unidos terminam dando contribuição para a continuidade dessa guerra. Acho que nós temos que nos sentar numa mesa e dizer: chega. Vamos conversar porque a guerra nunca trouxe e nunca trará benefício para a humanidade", disse Lula em Abu Dhabi.
Além disso, o governo petista recebeu o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, que na ocasião disse que a Rússia e o Brasil teriam “visões alinhadas [ou paralelas] em relação aos acontecimentos” no mundo.
O alinhamento com o governo russo chegou a provocar reações da Ucrânia, de países da UE e dos Estados Unidos. Após a repercussão negativa, Lula passou a moderar suas falas e desde então tem optado por ler discursos ao tratar sobre a guerra publicamente.
"Falei da nossa preocupação com os efeitos da guerra que extrapolam o continente europeu. Reiterei minha preocupação com as consequências globais desse conflito em matéria de segurança alimentar e energética, especialmente sobre as regiões mais pobres do planeta", destacou Lula durante encontro com o presidente da Romênia, Klaus Werner Iohannis. O país do Leste Europeu faz parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e tem mais de 600km de fronteira com a Ucrânia.
Além disso, Lula usou sua recente passagem por Portugal e pela Espanha para tentar minimizar o desgaste do Brasil com a UE. Em Lisboa, por exemplo, o petista negou que tenha igualado a Ucrânia com a Rússia e reafirmou a intenção de encontrar um caminho de diálogo para encerrar o conflito.
"Eu nunca igualei os dois países, porque eu sei o que é invasão, sei o que é integridade territorial, e todos nós achamos que a Rússia errou e já condenamos [a invasão] em todas as decisões da ONU”, disse o petista em fala a jornalistas durante sua passagem por Portugal.