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A soltura do traficante André Oliveira Macedo, mais conhecido por André do Rap, levou autoridades a um jogo de empurra a respeito de quem seria a responsabilidade direta e indireta pela libertação de um dos principais líderes do PCC e pela aprovação da lei que permitiu que isso ocorresse.
O ministro do STF Marco Aurélio Mello, que libertou o traficante, alegou só ter cumprido um novo dispositivo do Código de Processo Penal (CPP), que constava do pacote anticrime do ex-ministro Sergio Moro aprovado em 2019 pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. O ex-juiz da Lava Jato explicou que foi o Legislativo que incluiu essa mudança em sua proposta original. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), culpou o Ministério Público (MP) – que, segundo ele, poderia ter evitado a soltura se tivesse recorrido à Justiça. O MP, por sua vez, disse que essa atribuição cabia à própria Justiça.
Para esclarecer esse jogo de empurra sobre as responsabilidades pela soltura do traficante André do Rap, a Gazeta do Povo elaborou uma série de perguntas e respostas que esclarecem dúvidas a respeito do caso. Confira:
O que diz o artigo da lei que beneficiou o traficante André do Rap?
Trecho do artigo do 316 do Código de Processo Penal (CPP), aprovado no pacote anticrime do ex-ministro Sergio Moro, prevê que, decretada qualquer prisão preventiva, o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade da manutenção dessa detenção a cada 90 dias. Caso isso não ocorra, a prisão poderá ser considerada ilegal. Foi com base nesse trecho da lei que a defesa de André do Rap entrou no STF com o pedido de soltura de seu cliente. Os advogados do traficante argumentaram que o prazo da prisão preventiva dele já havia se esgotado sem renovação do pedido de encarceramento. Marco Aurélio Mello concordou com o argumento da defesa, que se baseava na nova redação do artigo 316.
O Ministério Público poderia ter evitado a soltura de André do Rap pedindo a renovação da prisão dele? Quem era responsável por isso?
O Ministério Público (MP) informou que pediu a manutenção da prisão preventiva de André do Rap. Associações que representam procuradores da República (ANPR) e promotores de Justiça estaduais (Conamp) dizem que houve pedidos de renovação da prisão do líder do PCC, antes da decisão do ministro Marco Aurélio, tanto na primeira quanto na segunda instância judicial – que, respectivamente, haviam condenado e confirmado a condenação de André do Rap. Mas, como condenações em juízo de segundo grau não permitem mais a execução da pena definitiva, de acordo com entendimento de 2019 do STF, seria necessário renovar a prisão preventiva para que o traficante permanecesse preso. Segundo o MP, a partir daí há uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com força de norma legal, que estabeleceu que a obrigação de revisar a manutenção da prisão, a cada 90 dias, é da Justiça de primeiro grau ou do tribunal que impôs a medida cautelar. Ou seja, a obrigação de reavaliar a manutenção da prisão preventiva, no entendimento do MP, seria da própria Justiça.
O ministro Marco Aurélio Mello, ao receber o pedido soltura formulado pela defesa de André do Rap, poderia ter decidido de forma diferente?
Sim. Tanto que a soltura de André do Rap foi suspensa por decisão fundamentada do presidente do STF, Luiz Fux. A alegação de Fux é que o assunto não havia sido discutido anteriormente em instâncias judiciais inferiores. E, portanto, o STF não poderia ter “atropelar” a primeira e segunda instâncias. O ministro Edson Fachin, também do STF, foi outro a negar a soltura de um traficante pelos mesmos motivos alegados pela defesa de André do Rap. Além disso, a defesa de André do Rap ingressou com diversos pedidos de habeas corpus (HC) até ele ser distribuído para um ministro com perfil “garantista” – no caso, Marco Aurélio Mello. Juristas afirmam que essa manobra viola o princípio do juiz natural do caso, pois caracteriza uma tentativa da defesa de "escolher" por quem seu cliente será julgado.
O presidente do STF, Luiz Fux, poderia ter cassado a decisão de Marco Aurélio Mello?
Sim. Como presidente do STF, Fux tem prerrogativa para suspender decisões monocráticas dos demais ministros, a exemplo da liminar de Marco Aurélio que mandou soltar o traficante André do Rap.
Sergio Moro propôs o artigo que beneficiou André do Rap no pacote anticrime?
Não. A nova redação do artigo 316 do Código do Processo Penal não estava presente no texto original do pacote anticrime proposto ao Congresso. Quando era ministro da Justiça e Segurança Pública, Moro se opôs à inserção do dispositivo na lei. Em declaração ao jornal Folha de S. Paulo, justificou que temia “solturas automáticas de presos perigosos por mero decurso de tempo”.
Quem inseriu o artigo no projeto anticrime?
Foi o deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), relator do pacote anticrime na Câmara. O parlamentar sustenta, contudo, que o dispositivo não deveria ser utilizado para soltar traficantes, a exemplo de André do Rap. Segundo ele, a ideia do dispositivo era favorecer presos “esquecidos”, que estavam muito tempo em prisão preventiva mas sem condenação criminal definitiva.
O artigo poderia ter sido retirado na votação em plenário na Câmara e no Senado?
Poderia. Mas o governo, que orientou voto contrário à mudança que agora permitiu a soltura do traficante, não tinha apoio suficiente para conseguir derrubar o artigo 316 e aprovar um texto mais próximo do elaborado por Sergio Moro. A liderança governista trabalhou até o último dia de votação. Mas foi voto vencido contra partidos do Centrão e da oposição. Na Câmara, o texto foi aprovado por 256 votos favoráveis, contra 147 votos contrários. No Senado, a aprovação ocorreu em votação simbólica.
Moro sugeriu a Bolsonaro que vetasse o artigo?
Sim. Moro defendeu a derrubada de diversos trechos do pacote anticrime aprovado no Congresso – entre eles, o artigo 316 do Código de Processo Penal. Alegou que o dispositivo contraria os “princípios constitucionais do acesso à jurisdição, da celeridade e economia processual, da proporcionalidade e da razoável duração do processo (...). Além de ir de encontro ao dever constitucional do Estado de garantia da segurança pública”.
O que Bolsonaro fez?
O presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei com 25 vetos. Mas ignorou alguns pedidos de Moro para que determinados trechos da lei fossem vetados – como as mudanças no artigo 316 do Código do Processo Penal, que permitiu a soltura do traficante André do Rap.