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Recurso ao STF

ANPR contesta decisão de Toffoli para proteger ex-integrantes da Lava Jato

Dias Toffoli preside sessão da Segunda Turma do STF, onde recurso será julgado recurso da ANPR contra decisão que anulou provas da Odebrecht (Foto: Carlos Moura/SCO/STF)

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A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) apresentou nesta segunda-feira (11) um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a decisão do ministro Dias Toffoli que anulou as provas entregues pela Odebrecht na Operação Lava Jato. A associação alega, entre outros pontos, que a responsabilidade por averiguar a conduta de membros do Ministério Público é do próprio MP e que os pedidos do ministro para instaurar investigações contra procuradores que atuaram na elaboração do acordo da Odebrecht extrapolam o pedido formulado pela defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O agravo regimental foi apresentado dentro da mesma ação, ajuizada por Lula em 2020, que contestou a validade de arquivos digitais, entregues pela Odebrecht ao Ministério Público Federal (MPF), em 2017, no âmbito de um acordo de leniência, onde foram registrados pagamentos de propina para políticos, lobistas e doleiros. Os registros eram feitos dentro de dois sistemas, o Drousys e o MyWebDay, criados pela própria empresa, operados por seus ex-executivos e armazenados em servidores na Suíça e na Suécia.

A defesa de Lula conseguiu anular dois processos criminais, que apontavam corrupção e lavagem de dinheiro na relação entre a Odebrecht e o Instituto Lula, alegando que esses arquivos digitais não seriam íntegros, principalmente pela forma como foram transportados para o Brasil. O MPF sustenta que tudo foi feito de forma regular, do ponto de vista formal, e também tecnicamente, conforme atestam perícias da Polícia Federal e do próprio órgão.

Depois do petista, dezenas de políticos, empresários e pessoas acusadas na Lava Jato conseguiram anular, individualmente, processos e inquéritos pelos mesmos motivos. A decisão de Toffoli estende essas anulações para qualquer procedimento que tenha usado as provas.

Possibilidade de procuradores serem investigados e punidos

O principal alvo do recurso da ANPR, no entanto, será uma parte da decisão do ministro que determinou que diversos órgãos – Procuradoria-Geral da República (PGR), Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério da Justiça (MJ), Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), Receita Federal, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – identifiquem agentes públicos que atuaram no acordo de leniência e os responsabilizem nas esferas administrativa, cível e criminal.

Para Dias Toffoli, o acordo de leniência com a Odebrecht teria sido firmado de forma irregular porque não teria passado pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, e portanto ao governo, e que representa o Brasil em cooperações internacionais, inclusive para obtenção de provas.

Em nota divulgada na semana passada, a ANPR esclareceu que o acordo de leniência com a Odebrecht no Brasil foi firmado de forma independente dos acordos pactuados pela empresa nos Estados Unidos e na Suíça. Parte das provas, no entanto, foi compartilhada entre os países dentro do que prevê a legislação, inclusive com participação do DRCI, o que foi ignorado por Toffoli. A entidade também citou perícias da PF e do MPF que atestam a integridade dos arquivos entregues pela própria Odebrecht ao Brasil para provar os pagamentos de propina.

A ANPR rechaça sobretudo a possibilidade de procuradores serem investigados e eventualmente punidos pelos procedimentos adotados no caso. A entidade também não admite que eles sejam investigados por outros órgãos – como AGU, CGU e TCU, ligados ao atual governo e ao Congresso – uma vez que quem investiga os membros do MPF são órgãos internos. A pedido de Ricardo Lewandowski, antecessor de Toffoli na relatoria do processo, a Corregedoria do MPF atestou, em sindicância, que não houve irregularidade no acordo de leniência e na cooperação com a Suíça. Mesmo assim, Toffoli decidiu anular as provas entregues pela Odebrecht.

“As Leis Orgânicas do Ministério Público e da magistratura delimitam as autoridades competentes para a investigação da atuação funcional de seus membros, o que é uma garantia ao livre exercício de suas funções constitucionais, a fim de evitar pressões e ameaças advindas de poderes externos. A AGU e o TCU não têm atribuição para investigar membros do Ministério Público e do Judiciário, no exercício de suas atividades finalísticas, e tal proceder não é adequado no estado democrático de direito, justamente para afastar qualquer tentativa de fazer cessar a atuação de órgãos cujas atribuições estão previstas na Constituição Federal”, afirmou a ANPR em nota pública divulgada após a decisão de Toffoli.

A entidade entende que vários desses órgãos não têm competência para investigar membros do MPF, mas que procedimentos assim ameaçariam a independência e autonomia de todos os procuradores, que poderiam sentir-se inibidos ou sob ameaça de investigar casos de corrupção por receio de retaliações futuras por outros órgãos de controle, sobretudo se chefiados ou influenciados por políticos.

A ANPR admite, no entanto, ser pequena a chance de revalidar as provas da Odebrecht por meio de seu recurso. Questionado pela Gazeta do Povo se elas seriam defendidas, o presidente da associação, Ubiratan Cazetta, respondeu: “Não diretamente, porque o tema já foi objeto de decisões transitadas em julgado da 2ª Turma e não haveria como o recurso ser aceito”.

De fato, na Segunda Turma do STF, onde será julgado o recurso, várias decisões anteriores de anulação das provas da Odebrecht, em pedidos individuais, já foram confirmadas. Atualmente, o colegiado é formado pelo ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques, Edson Fachin e André Mendonça – só os dois últimos costumam defender a Lava Jato.

Pagamento de indenizações por parte de agentes públicos

Outra parte da decisão que preocupa a ANPR é a possibilidade, mencionada por Toffoli, de que a União cobre dos procuradores eventuais indenizações que réus da Lava Jato venham a pleitear e ganhar na Justiça por causa das investigações que sofreram. Toffoli intimou a AGU a informá-lo sobre ações desse tipo já ajuizadas e permitiu que o órgão cobre os valores dos agentes.

No ano passado, uma decisão ainda mais drástica foi tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando condenou o ex-procurador Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, a indenizar Lula em R$ 75 mil por ter exibido, em 2016, durante entrevista à imprensa, uma apresentação de PowerPoint que colocava o petista no centro de uma organização criminosa. Neste caso, o STJ entendeu que não era o caso de processar a União, mas o próprio agente público, diretamente, para cobrar dele, como pessoa física, a indenização.

Dentro do MPF, outra decisão bastante criticada foi a do Tribunal de Contas da União (TCU) que cobrou de Dallagnol e do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pagamento de R$ 2,8 milhões para ressarcir despesas com diárias e passagens aéreas para ex-integrantes da força-tarefa de Curitiba. A maioria deles não morava na cidade, e por isso a PGR, à época, pagou pelo deslocamento e estadia no local, para que pudessem trabalhar no caso.

Mesmo provando que os pagamentos foram aprovados e fiscalizados internamente, o TCU reprovou as contas e ainda apontou suposto ato de improbidade administrativa. Na primeira instância, a decisão foi derrubada pelo juiz que analisou o caso, mas posteriormente o STJ manteve a cobrança.

Associação de juízes também deve recorrer da decisão de Toffoli

Além da ANPR, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) também deve recorrer da decisão de Toffoli. O foco deve ser a proteção dos juízes. Até a semana passada, a entidade também avaliava que não seria possível contestar todos os pontos da decisão do ministro.

A tendência é de que o recurso questione principalmente a ordem de investigação sobre magistrados, o que poderia, em tese, atingir não apenas o ex-juiz Sergio Moro, mas também Gabriela Hardt, que o auxiliava na 13ª Vara Federal de Curitiba, desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), de Porto Alegre, que julgavam recursos contra decisões da primeira instância, além de juízes da 10ª Vara Federal de Brasília, para onde parte dos processos foi transferida e onde conversas de procuradores hackeados ficaram apreendidas.

O eventual uso de mensagens hackeadas, reveladas na “Vaza Jato”, é outro ponto que alarma procuradores e juízes. Juridicamente, sempre houve o entendimento de que conversas obtidas de forma clandestina nunca podem ser usadas para acusar alguém.

Antes de determinar a investigação contra quem atuou no acordo da Odebrecht, a decisão de Toffoli, no entanto, citou várias dessas conversas, sinalizando que agora elas poderão ser usadas para perseguir Moro, Dallagnol e outros interlocutores. Em 2021, quando os diálogos também foram citados na decisão do STF que declarou Moro suspeito nos processos de Lula, a ANPR e a Ajufe também repudiaram a inclusão dos diálogos na ação.

Toffoli determinou que a 10ª Vara Federal da Justiça Federal, onde as mensagens estão guardadas, dê aos investigados e réus amplo acesso ao material, inclusive com apoio de peritos da Polícia Federal.

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