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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu, por unanimidade, vetar o pedido de importação da vacina Sputnik V por estados e municípios brasileiros em reunião extraordinária nesta segunda-feira (26). Depois de cinco horas de sessão, a diretoria colegiada da agência seguiu a recomendação contrária dos técnicos, que apontaram diversos problemas no imunizante produzido pelo Instituto Gamaleya, da Rússia.
"Um dos pontos críticos e cruciais que nós observamos [na Sputnik V] foi a presença de adenovírus replicante na vacina. Isso significa que o vírus que deve ser utilizado apenas para carrear material genético do coronavírus para as células humanas e assim promover a resposta imune, ele mesmo se replica. E isso é uma não-conformidade grave”, informou o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes.
Isso significa que o adenovírus usado como vetor da Sputnik V no corpo humano pode causar doenças nas pessoas vacinadas, como adenoviroses. Segundo Mendes, esse adenovírus replicante foi detectado em todos os lotes inspecionados pela agência. “Esse procedimento está em desacordo com o desenvolvimento de qualquer vacina de vetor viral”.
O gerente de medicamentos argumentou ainda que documentos necessários para a liberação do imunizante não foram entregues, como relatórios técnicos sobre a segurança e eficácia da vacina russa. Segundo o órgão, sem esses registros, exigidos em resolução da diretoria colegiada, não é possível verificar se a autorização para uso concedida por autoridade internacional alcançou os requisitos mínimos de qualidade, segurança e eficácia, conforme estabelecido na lei brasileira.
Segundo a gerente geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária, Suzie Marie Gomes, a "ausência de dados e as falhas detectadas nas etapas de (a) desenvolvimento da vacina, (b) resultados dos ensaios clínicos e (c) sobre a qualidade do produto acabado não permite garantir que o produto, objeto do pedido de importação, é seguro para a população brasileira".
Decisão da Anvisa atende prazo estipulado pelo STF
O veto é uma resposta à ação judicial protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo estado do Maranhão, que fechou um contrato para aquisição de 4,5 milhões de doses do imunizante russo. O governo maranhense alega o descumprimento, pela União, do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.
Outros nove estados, como Ceará, Amapá e Piauí, também tentam importar o imunizante russo. O Consórcio Nordeste celebrou em março um contrato com o Fundo Soberano Russo para a compra de 37 milhões de doses da vacina.
A reunião extraordinária da Anvisa foi marcada perto da expiração do prazo de 30 dias definido por lei, e confirmado pelo STF, para que o órgão avaliasse os pedidos de importação de vacinas para Covid sem registro no Brasil. “Ultrapassado o prazo, os estados ficariam autorizados a comprar e distribuir o imunizante à população local, sob suas exclusivas responsabilidades, e desde que observadas as cautelas e recomendações do fabricante e das autoridades médicas”, decidiu na época o ministro Ricardo Lewandowski, do STF.
Mais cedo a própria Anvisa tentou suspender o limite estipulado pelo STF, alegando que precisaria realizar novas diligências para a complementação de dados sobre o imunizante russo e que isso suspenderia o prazo estabelecido, o que foi negado pelo próprio Lewandowski. Para o ministro, “a importação da vacina representaria um importante reforço às ações desenvolvidas sob os auspícios do Plano Nacional de Imunização, notoriamente insuficientes, diante da surpreendente dinâmica de propagação do vírus causador da pandemia.”
Especialistas da Anvisa terminaram no sábado (24), uma visita de inspeção nas empresas Generium e UfaVita, que participam da produção da vacina Sputnik V. Os brasileiros estavam na Rússia desde sexta-feira (16), e o relatório com as informações coletadas ajudou na decisão.
Brasil tem acordo para comprar 10 milhões de doses da Sputnik V
No mês de março o Ministério da Saúde, então sob o comando de Eduardo Pazuello, anunciou acordo para compra de 10 milhões de doses da vacina russa Sputnik V, produzida pelo instituto russo em parceria com o laboratório brasileiro União Química. A celebração do acordo estaria condicionada à aprovação do uso do imunizante no Brasil pela Anvisa. O cronograma estipulava que deveriam ser entregues 400 mil doses até abril, 2 milhões até maio e 7,6 milhões em junho.