A constante acusação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), iniciada ainda na campanha eleitoral, sobre suposta falta de transparência na gestão de Jair Bolsonaro (PL) enfrenta contradições em seu próprio governo. Apesar das alegações do petista de que prioriza a adoção de rotinas e de ferramentas para tornar a administração federal transparente, a realidade tem mostrado uma abordagem inversa. As ações de Lula em quase oito meses no cargo apontam para a "transparência zero".
A postura de ocultar dados e atitudes inclui medidas como decretar sigilo das imagens das câmeras do Palácio do Planalto, excluir reuniões da agenda oficial, dificultar a divulgação de gastos milionários em viagens e no Palácio da Alvorada, e adiar a ativação de canais de ministérios na internet. Outras ações contra a transparência envolvem a divulgação tardia de cálculos sobre o impacto financeiro para os cidadãos das propostas de reforma tributária e do marco fiscal, e até a fórmula adotada pela Petrobras para fixar reajustes nos preços dos combustíveis, complexa até mesmo para especialistas.
Essa discrepância entre discurso e prática levanta questionamentos sobre o real compromisso do governo em fornecer informações claras e acessíveis aos cidadãos, bem como sobre o seu verdadeiro grau de abertura. O caso mais explícito de descompromisso de Lula com a prestação de informações de interesse geral foi o do apagão do último dia 15, que deixou 25 estados e o Distrito Federal sem luz por horas. Além de não apresentar as causas, o governo pediu à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e à Polícia Federal (PF) que investigassem suposto crime de sabotagem em uma possível tentativa de atribuir a culpa a alguém.
Para Walter Fróes, diretor da CMU Comercializadora de Energia, a completa falta de transparência envolvendo o episódio que derrubou todo o sistema interligado nacional surpreendeu o mercado e ainda fomenta a sensação de crescente insegurança entre os seus agentes. “Temos um dos setores elétricos tecnicamente mais robustos do mundo, capaz de detectar qualquer falha em todo o território, numa questão de horas. Por isso, a demora em prestar esclarecimentos levanta diversos tipos de suspeitas”, observou.
Encontros sigilosos contradizem promessa de acordos às claras
A rotina de encontros sigilosos de Lula com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), e outras autoridades se intensificou nas últimas semanas em razão das negociações em torno da reforma ministerial para acomodar partidos do Centrão no governo. As reuniões nas residências oficiais, quase sempre noturnas, não constam na agenda do presidente da República nem nas de seus interlocutores, mas acabaram flagradas pela imprensa. Contrariando sua promessa de “negociar à luz do dia”, os encontros secretos de Lula e Lira usam de subterfúgios para tentar enganar repórteres, como a dispensa do comboio presidencial de segurança.
Apesar da tentativa de ocultar as reuniões, assessores têm confirmado as visitas de "negociadores ocultos" ao Palácio da Alvorada e as do chefe do Executivo à residência oficial da Câmara e a outros locais, como um jantar na casa do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com o ministro Cristiano Zanin, na véspera da posse dele.
Outras reuniões de Lula foram tratadas como meramente informais, a exemplo de um churrasco na casa do ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), Paulo Pimenta, com os articuladores políticos do governo, para tratar do esforço para ampliar a base de apoio no Congresso.
Mesmo após todas as evidências, os encontros secretos continuam sendo formalmente negados pelo Planalto, pela Secom e pelas assessorias de outros poderes. Ainda na cerimônia de posse do presidente, em 1º de janeiro de 2023, houve uma tentativa de ocultar a lista de convidados, mas o Planalto recuou após a repercussão negativa.
Fisiologia com emendas segue após fim do orçamento secreto
Durante a corrida presidencial, um dos pontos do governo Bolsonaro que recebeu críticas contundentes de Lula foi o suposto comprometimento da transparência na gestão dos recursos públicos, especialmente no que se refere ao polêmico orçamento secreto, formado pelas emendas do relator-geral (RP9). Entretanto, a extinção desse mecanismo no fim de 2022 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não resultou em emprego transparente das verbas. Para o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), na prática observou-se o inverso dessa expectativa, com realocação de recursos RP9 para emendas RP2, sob o controle dos ministros de Estado da gestão petista.
Ele explicou que esse movimento resultou no recuo da visibilidade das despesas previstas pelos parlamentares no Orçamento da União. O sistema anterior de emendas RP9, indicadas pelo Legislativo e administradas pelo Executivo, foi basicamente replicado no caso das RP2. “A diferença reside no fato de que, antes, as emendas eram propostas pelo relator-geral e, posteriormente, discutidas entre o Legislativo e o Executivo, de modo que ambos os poderes tinham ciência do destino dos recursos. Atualmente, porém, apenas o ministro tem acesso exclusivo a essas informações, como é o caso dos expressivos R$ 200 bilhões direcionados à Saúde”, disse Lira.
Gastos milionários de viagem ainda são desconhecidos
As despesas envolvendo as viagens de Lula ao exterior, com estadias em hotéis de luxo e grandes comitivas, somaram perto de R$ 25 milhões no primeiro semestre. O montante só foi conhecido devido ao emprego da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo portal Poder360. Mas esses valores ainda não incluem os gastos do Ministério das Relações Exteriores com translado pela Força Aérea Brasileira (FAB), ainda mantida sob sigilo determinado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Curiosamente, Lula afirmou que a LAI havia sido estuprada pelas imposições de sigilo por Bolsonaro. "Eu não poderia faltar neste dia de hoje, em um ato que a gente veio reforçar e defender uma criança de 11 anos, que é a LAI, que foi estuprada há pouco tempo e que nós estamos hoje recuperando, para que o povo brasileiro veja essa criança se transformar em adulto e viver pro resto da vida exigindo que esse país seja cada vez mais sério no trato da coisa pública", afirmou o petista em maio.
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