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O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta terça-feira (1º) se mostrou incapaz de desmobilizar as manifestações de apoiadores em rodovias contra o resultado da eleição presidencial. Muitos dos participantes dos protestos que vêm acontecendo em todo o país desde domingo (30), incluindo caminhoneiros, se sentiram estimulados a manter os atos pelo país após a fala do presidente, ainda que com a promessa de liberação de estradas bloqueadas.
Em um breve discurso, Bolsonaro condenou a maneira como os protestos em rodovias estão sendo conduzidos, com "métodos da esquerda", citando como exemplos a "destruição de patrimônio" e o "cerceamento do direito de ir e vir". No entanto, o trecho em que disse que "manifestações pacíficas sempre serão bem vindas" foi interpretado como uma mensagem para manter a militância engajada.
Bolsonaro ainda sugeriu que os atos são justificáveis por serem "fruto de indignação e sentimento de injustiça" pelo resultado do processo eleitoral, quando ele perdeu a cadeira presidencial para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em grupos de WhatsApp e Telegram, o discurso chegou como um recado subliminar de que, dado o cargo que ocupa, Bolsonaro não pode incitar a obstrução de rodovias e inflamar os ânimos dos manifestantes, mas que eles próprios podem dar continuidade às mobilizações pelo país. Há, inclusive, uma expectativa de que os atos cresçam neste quarta-feira (2), no feriado do Dia de Finados.
Ao repercutir o pronunciamento de Bolsonaro, o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de Ourinhos (SP), Júnior Almeida, o "Júnior de Ourinhos", conclamou os manifestantes, em vídeo compartilhado pelo WhatsApp, a permanecerem mobilizados. "É isso que a população deve ao presidente neste momento. É isso que a população precisa fazer, sem cercear o direito de ir e vir, sem atrapalhar o direito de ir e vir, mas mantendo o nosso pessoal nas pistas, mantendo a união, que o povo vá às ruas, que o povo vá fazer o seu papel constitucional, que o povo nos ajude a salvar esse país", afirmou.
À Gazeta do Povo, Júnior reforçou o que disse em vídeo, incluindo a proposta de desmobilizar os protestos apenas após pedido objetivo do presidente. "Ficou mais do que claro que ele quer que o povo vá às ruas. Enquanto Bolsonaro não for claro e pedir para deixarmos as rodovias, a gente não sai. Ele precisa ser direto e ele não foi direto. Falou em códigos, está agindo dentro das quatro linhas da Constituição", disse.
Líder caminhoneiro diz que rodovias serão liberadas
Às 18h35, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou ter desfeito 392 manifestações e registrado 438 autuações referentes à obstrução. Porém, comunicou ainda haver 143 interdições e 70 bloqueios em rodovias brasileiras em 20 estados.
Às 19h30, porém, Júnior de Ourinhos assegurou que, após o pronunciamento de Bolsonaro, os líderes em todos os piquetes foram orientados a liberar todas as faixas e permanecer apenas nos acostamentos, sem impedir a livre circulação nas rodovias.
O presidente do Sindicam de Ourinhos afirmou que todos os manifestantes estão conscientes de que a continuidade de bloqueios em rodovias em flagrante desobediência a decisões judiciais apenas prejudicaria Bolsonaro.
"Os líderes dos piquetes não querem prejudicar o nosso presidente e a estabilidade do nosso país", disse Júnior. Ele avalia que, na greve dos caminhoneiros em 2018, "faltou pouco" para a perda de estabilidade e sustenta que a categoria e os demais apoiadores não querem isso para o país.
Quem são e como se organizam os apoiadores de Bolsonaro nas estradas
Desde domingo (30), a manifestação cresceu de forma orgânica por todo o país e, por esse motivo, Júnior de Ourinhos entende ser difícil classificar e apontar quem são os líderes da atual manifestação, embora reconheça que ele possa ser apontado como uma liderança dado o diálogo próximo com os líderes dos piquetes.
"Tudo se iniciou no domingo após alguns vídeos de algumas lideranças já conhecidas, onde os caminhoneiros se sentiram inspirados por aquelas reais lideranças que estiveram na pista em 2018 apoiando os movimentos. Tiveram os representantes conhecidos, mas tiveram centenas, milhares de lideranças desconhecidas e representadas por esses representantes. Essas pessoas e os líderes dos piquetes se sentiram motivados e começaram a se organizar", explicou.
Pelo bloqueio da avenida Marginal Tietê e de rodovias no interior de São Paulo, os caminhoneiros conseguiram travar outras estradas do país como em um efeito dominó. A mobilização teve o apoio inicial de caminhoneiros e contou com o suporte de apoiadores da base eleitoral "raiz" de Bolsonaro para ir às pistas. Atualmente, também é apoiada por empresários da indústria e da agropecuária, além de motoristas de aplicativo, mototaxistas, pedreiros, marceneiros e donas de casa.
Os manifestantes usam o WhatsApp e o Telegram para se comunicar pelo país. Já os transportadores também usam o sistema de rádios para conversar entre si. "É uma manifestação onde o caminhoneiro puxou a frente e a população, posteriormente, entrou para ajudar com mantimentos, porque ela não abandona os caminhoneiros. Após isso, ela ficou e começou a frequentar", disse.
Por se tratar de uma manifestação política, Júnior admite que a pauta ajudou a engajar a população. Segundo ele, o apoio a Bolsonaro é a pauta central. "Bolsonaro tem que decidir o que vai ser feito agora. Ele deixa uma dúvida de uma ruptura referente às urnas, de uma situação que possa salvar a intenção de votos que a categoria teve".
Os caminhoneiros que participam dos protestos também defendem uma segunda pauta, a depender da manifestação de Bolsonaro junto à categoria. Caso o presidente não estimule uma ruptura institucional, os transportadores autônomos prometem cobrar um diálogo com o governo Lula.
"Caso Bolsonaro se manifeste, agradeça, e desmobilize as rodovias, queremos um compromisso do próximo governo da participação do movimento dos caminhoneiros, assim como foi feito com Bolsonaro lá atrás, em 2018. Queremos saber se a categoria vai participar da transição, ter espaço para continuar trabalhando e desenvolver as pautas da categoria", pregou Júnior.
Já o presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Walace Landim, um dos líderes da greve em 2018, rechaça a posição de que os caminhoneiros liderem a atual manifestação. Ele, que não apoia e critica a mobilização atual, aponta que o movimento é orgânico e não deve ser associado como uma manifestação liderada por caminhoneiros.
"Não é caminhoneiro, está claro que não é. É só observar a questão dos pontos de bloqueio, que já deixam muito bem claro", disse. "O que eu vejo que paralisam são pessoas civis de bairros, que vão para cima de rodovias, simpatizantes do presidente voltados para a extrema-direita e intervencionistas. Isso está muito claro". Chorão aponta que os protestos atuais escalaram de forma superior à greve dos caminhoneiros, o que, para ele, denota uma maior participação popular e de outros setores além dos transportadores autônomos.
"Em 2018, paramos o país com 52 pontos estratégicos paralisados. Hoje, marcaram 300 bloqueios", afirmou. Chorão não tem conhecimento de apoio de grandes empresas do agronegócio às manifestações atuais, mas não descarta a hipótese de locaute (greve de patrões, o que é proibido por lei) no apoio à atual mobilização. "Há essa possibilidade, sim, e precisa fazer levantamento e investigar quem está por trás disso", destaca.
Como o discurso de Bolsonaro impactou os caminhoneiros
O pronunciamento de Bolsonaro após as eleições foi adotado com o intuito de que ele pudesse reconhecer o resultado sem contestar a vitória de Lula e ainda falar para a sua militância sem desagradar a base eleitoral mais raiz. Sob essa ótica da estratégia do governo, os caminhoneiros se dividem sobre os impactos e resultados que Bolsonaro pode obter.
O presidente do Sindicam de Ourinhos considera que Bolsonaro foi “certeiro” do ponto de vista da garantia constitucional. Já o presidente da Abrava também pondera que ele reconheceu o resultado das urnas ao agradecer os 58 milhões de votos e permitir que o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, confirmasse o processo de transição.
Porém, ambos divergem quanto à comunicação feita à militância. Para Júnior de Ourinhos, Bolsonaro foi ainda “mais certeiro” ao acenar ser a favor de “manifestações pacíficas", desde que sem destruição de patrimônio e o cerceamento do direito de ir e vir. “E quando ele entender que é para desmobilizar, é só fazer um vídeo ou live comunicando. Os caminhoneiros entenderão, a gente não tem do que reclamar, ele não vai ser criticado e ridicularizado, pelo contrário. O resto da população vai ficar apenas triste, mas a tristeza se cura com o tempo”, sustentou.
Já Chorão considera que Bolsonaro falhou na estratégia de falar para a “bolha” e manter seu capital político justamente pela cobrança de sua própria militância de outra manifestação para a desmobilização nas rodovias. Para ele, isso pode gerar mais desgastes ao presidente. “Poderia ter matado tudo num discurso só, mas não fez isso. O que a bolha ainda está falando é que, nas entrelinhas, ele pediu para continuar na rua porque ele vai pedir intervenção militar. Ele quis passar um pedido de desmobilização, só que não conseguiu convencer a militância disso”, ponderou.