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O apoio que deu à Rússia em meio à invasão da Ucrânia está fazendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perder protagonismo diplomático com o Ocidente. Mesmo no debate sobre o meio ambiente, no qual o presidente investe para tentar tornar o Brasil mais relevante no cenário internacional, Lula já vem sendo substituído por outras vozes, como a premiê de Barbados (no Caribe), Mia Mottley.
Lula teve uma participação ordinária na cúpula do Novo Pacto Financeiro Global na França nesta semana. O evento reuniu cerca de 100 líderes mundiais e tinha como foco uma das principais bandeiras internacionais de Lula: incentivar países ricos a repassar recursos financeiros para países pobres com o objetivo de enfrentar os desafios das mudanças climáticas.
O Partido dos Trabalhadores, por sua vez, diz que Lula continua sendo um exponente internacional da defesa do meio ambiente. Sem se identificar, integrantes do partido argumentam que o Brasil vai sediar a COP 30 (Conferência do Clima das Nações Unidas) em 2025.
Nestes últimos dias, Lula voltou a se agarrar à Conferência a ser realizada no Brasil e fez convites para que todos "vejam de perto a Amazônia". Na concepção do cientista político Marcelo Suano, diretor de Projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais, o petista tem utilizado a COP como fôlego diante da sua perda de protagonismo no discurso ambientalista.
"Independentemente dele se apresentar como um garoto propaganda, isso [o Brasil sediar a COP 30] já iria acontecer, não precisava dele. Lula está utilizando mais um elemento para fazer a construção de uma narrativa. Ele está perdendo o protagonismo ambiental e por isso está enrijecendo", avalia Suano.
O especialista credita essa perda de protagonismo de Lula à sua falta de ações concretas para resolver o desmatamento no Brasil. "Ele tem sido incapaz de demonstrar para o mundo os resultados concretos das propostas para enfrentar os problemas ambientais. O protagonismo está sendo jogado fora por ele próprio, que deveria estar mais preocupado em organizar o seu governo e não indo para o mundo fazer propaganda de si próprio para ganhar um Nobel da paz", analisa o doutor em Ciências Políticas.
Lula não participou de mesas de discussão em cúpula de meio ambiente na França
Na França, o presidente brasileiro não participou de nenhuma das seis mesas de discussão, que envolveram autoridades de países em desenvolvimento que estão substituindo Lula na discussão global. Entre elas a premiê Mia Mottley, que vem cobrando dos países desenvolvidos mais apoio para nações pobres que enfrentam catástrofes climáticas.
O Brasil também não participou de nenhum dos 50 eventos temáticos ocorridos na cúpula. Lula discursou no evento de abertura da cúpula e em um show de rock, onde os demais presidentes também falaram.
O Ministério das Relações Exteriores disse que ele preferiu dar ênfase a encontros bilaterais. Em um deles, Lula se reuniu com o ditador cubano Miguel Días-Canel e prometeu revisar a dívida que Cuba tem com o Brasil.
Até o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, teve espaço destacado nos debates da cúpula. Ele vinha sendo inicialmente criticado por nações europeias por não reprovar a invasão russa na Ucrânia, mas depois confrontou o presidente Vladimir Putin sobre o sequestro de crianças ucranianas para adoção em famílias russas.
"A falta de inteligência diplomática certamente prejudica a imagem de Lula, que não sabe lidar com a complexidade do momento. A esquerda sempre usou a pauta ambiental como balcão ideológico para interesses difusos”, disse o analista Cezar Roedel, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em reunião do meio ambiente, Lula é classificado como o “falso amigo do Ocidente”
Lula afirmou equivocadamente em diversas declarações neste ano que a Ucrânia seria tão culpada quanto a Rússia pela guerra. Também criticou repetidas vezes países do Ocidente por enviarem armas para a Ucrânia defender seu território.
Em sua passagem pela cúpula, Lula foi criticado até por antigos aliados da esquerda francesa. O motivo principal foi o mesmo: o apoio a Vladimir Putin e, em menor escala, ao ditador venezuelano Nicolás Maduro. O presidente brasileiro chegou a ser chamado de “falso amigo do Ocidente” em um artigo do jornal Libération, apreciado pela esquerda francesa, que levava o título: “Lula, a decepção”.
Segundo Roedel, Lula se aproximou de Putin por inclinação ideológica e interesses subjetivos. "Tentar levar o seu interesse pessoal para política externa gera uma grande confusão”, afirmou.
"Lula acaba sendo muito desacreditado devido a essa posição que tem sobre a guerra da Ucrânia. Os países europeus e as potências ocidentais não levam a sério o que o Lula esta dizendo”, disse.
O fato de o presidente brasileiro ter defendido o acordo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia também desagradou seus aliados na esquerda francesa. Isso porque o acordo é visto como positivo para o agronegócio brasileiro e prejudicial aos agricultores franceses.
Arnaud Le Gall, parlamentar membro do Comitê de Assuntos Externos da Assembleia Nacional francesa, disse estar decepcionado com o petista. Ele classificava Lula como “uma das primeiras alternativas ao neoliberalismo na América Latina”.
Para Suano, Lula também perdeu o tom democrático ao "apontar o dedo" para Macron enquanto estava "em sua casa". "Ele criticou a carta feita pela União Europeia e apontou o dedo para Macron dizendo que eles estavam fazendo ameaças. Ele não deveria ter feito isso lá, poderia ter feito aqui, mas isso mostra um péssimo posicionamento diplomático de Lula", avalia.
Lula também afirmou, dessa vez de forma acertada, que os países ricos são os maiores responsáveis pela poluição do planeta. “Não foi o povo africano que poluiu o mundo. Não foi o povo latino-americano que poluiu o mundo. Na verdade, quem poluiu o planeta nos últimos 200 anos foram aqueles que fizeram a Revolução Industrial e, por isso, têm que pagar a dívida histórica com o planeta Terra”, disse durante um concerto musical que fez parte da agenda de eventos.
EUA ficaram ressentidos com aproximação do Brasil com China e Rússia
Em reportagem nesta semana, o jornal britânico Financial Times afirmou que autoridades do governo dos Estados Unidos ficaram ressentidas com a aproximação de Lula com a Rússia e a China.
Segundo o periódico, a diplomacia americana agiu de forma velada para tentar influenciar autoridades brasileiras a respeitar o resultado das urnas na eleição presidencial de 2022. Lula teria não só deixado de reconhecer essa iniciativa como feito esforços para se aproximar de inimigos dos Estados Unidos.
Quando visitou a China em abril deste ano, Lula atacou a hegemonia financeira global dos Estados Unidos, exercida por meio do dólar, e visitou a empresa chinesa Huawei, que é alvo de sanções americanas.
O ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon foi o primeiro a criticar Lula. Ele afirmou que o brasileiro estava repetindo a narrativa da China “sem obter algo importante para os interesses do Brasil”. Também afirmou que Lula deveria “ter cuidado com o que diz” em relação à guerra na Ucrânia.
Mesmo assim, o presidente brasileiro continuou relativizando a invasão russa à Ucrânia e chegou a receber o chanceler russo Sergei Lavrov no Brasil.
Ao participar da cúpula do G7 no Japão, em maio, Lula voltou a irritar o Ocidente quando nem mesmo conversou com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky durante uma reunião em que ambos estavam na mesma sala, junto com outros líderes mundiais.
"Essas últimas viagens do Lula são um acúmulo de manifestações completamente obtusas e equivocadas, não contribuem para a política externa brasileira e não contribuem para o interesse nacional. Elas contribuem apenas para o seu interesse pessoal", afirmou Roedel.
Nesse sentido, disse ele, ao fazer declarações contraditórias, o presidente brasileiro dá espaço para que outras autoridades compram o papel de protagonista que ele busca ocupar.
Para o cientista político Marcelo Suano, Lula tem vendido algo para o mundo que ele também não vai ser capaz de cumprir. "O Lula se apresenta como protagonista ambiental e está fazendo um discurso que vai acabar com as queimadas na Amazônia, mas esses elementos estão sendo apresentados apenas como peça de retórica", explica. O especialista detalha que há aspectos sobre as queimadas que não podem ser controlados e que merecem atenção para além do respaldo ambiental.
Entre esses pontos, Suana explica que, "ainda que muito pequenas", há queimadas na região que acontecem de forma natural, principalmente no período de seca e aquelas que são realizadas pelos próprios indígenas, durante um ritual ou no processo da própria plantação. Para o especialista, no entanto, o grande problema é causado pelo desmatamento realizado pelo crime organizado.
"O problema é a ocupação criminosa desses grupos que trazem problema para a ordem interna brasileira. O que devemos questionar é como ele vai combater esses grupos. Ele não está apresentando soluções para isso até porque ele está muito perdido no que diz respeito à segurança pública no Brasil", explica.