Apoio a Maduro (foto) com determinação de prisão de opositor e bloqueio do X colocam Brasil na linha dos questionamentos democráticos internacionais.| Foto: Ricardo Stuckert/PT/Secom
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A falta de repúdio do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à ordem de prisão contra o ex-candidato de oposição na Venezuela, Edmundo Gonzalez, e a suspensão do X pelo Supremo Tribunal Federal (STF) vêm gerando questionamentos no exterior sobre o apetite do Brasil para continuar sendo uma democracia.

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Quando iniciou seu atual mandato em 2023, Lula atraiu críticas de países da América do Sul ao receber o líder Nicolás Maduro com honras e dizer que a ditadura na Venezuela era apenas uma narrativa. Em seguida, Lula aderiu à política antiamericana da China e da Rússia e apoiou formalmente um plano de paz chinês para a guerra na Ucrânia que tem um claro viés pró-Rússia. Essas ações começaram a provocar um afastamento político gradual do Brasil em relação às democracias liberais do Ocidente.

O Brasil sempre foi visto por analistas internacionais como um "país pêndulo", por oscilar seu alinhamento político internacional de acordo com a conveniência de momento. Mas o caráter democrático do país não era questionado.

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Isso começou a mudar com o banimento do X por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Um indício dessa tendência foi um editorial publicado pelo jornal americano Washington Post na quarta-feira (4). O jornal, que tem um histórico de críticas ao bilionário Elon Musk, escreveu que as medidas tomadas por Moraes contra Musk - de suspender o X e impor uma multa de R$ 50 mil para qualquer brasileiro que acessá-lo - "não só parecem, como são autoritárias".

"Musk tem o direito de dizer o que pensa e de ter o devido processo legal, não obstante a posição demagógica do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em contrário", escreveu o jornal criticando uma fala de Lula de que o mundo não é obrigado a tolerar Musk só porque ele é rico.

"Esta resposta reflete mal a vocação democrática do Senhor da Silva, que foi de fato legitimamente eleito em 2022. Todo o episódio está se transformando em uma advertência para as democracias que acreditam que a resposta à expressão online de forma problemática é suprimi-la", opinou o Washington Post.

Para o consultor político Wilson Pedroso, a censura ao X no Brasil é vista por alguns segmentos dentro e fora do país como uma tentativa de controle da informação e potencial censura em uma nação considerada democrática. Esse cenário, aliado à situação na Venezuela, traz reflexos internacionais iminentes.

“A falta de manifestação do governo brasileiro sobre o caso de Gonzalez pode ser interpretada como uma relutância em defender princípios democráticos no contexto internacional. Esses dois eventos [bloqueio do X e eleições na Venezuela] revelam um posicionamento: dentro do Brasil o governo se engaja em ações que limitam a liberdade de comunicação, externamente opta por não tomar partido em questões de liberdade e direitos humanos”, avaliou.

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“Em um cenário de crescente polarização política na América Latina, esses eventos demonstram as dificuldades dos governos em manter uma postura coerente entre o que praticam internamente e o que defendem externamente”, disse.

O deputado federal General Girão (PL-RN) lembrou que Lula classificava as eleições na Venezuela como justas e democráticas e depois chegou a sugerir que um novo pleito fosse realizado. "Foi uma sequência de trapalhadas que não temos como entender se esse governo tem cabeça, corpo e membros. Sinceramente, com a gestão do Lula e o seus 40 ministros a democracia ficou longe do Brasil", disse o deputado.

"Se não bastasse a dúvida em relação ao governo federal, também passamos a ter decisões vindas de um ministro do STF referendadas pelos demais ministros que colocaram o Brasil no quadro das nações que estão cerceando a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e até menosprezando a insegurança jurídica", disse.

Além de ser autoritária, decisão sobre o X deve afugentar investimentos externos

O deputado Girão também disse acreditar que a decisão de Moraes também "causa imediato afastamento de capitais dos investidores estrangeiros". Isso porque as decisões de Moraes incluiram também o congelamento de ativos de outra empresa de Musk, a Starlink, para assegurar o pagamento de multas devidas pelo X, companhia onde ele é sócio.

Isso causa insegurança jurídica, pois a decisão se baseia na ideia de que, embora tenham registros diferentes, as duas empresas pertenceriam a um mesmo grupo. Mas essa tese é controversa e pode afastar empresas multinacionais do Brasil, já que podem temer ter destino semelhante.

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Pedroso disse acreditar que as atitudes das autoridades brasileiras estão criando dúvidas na comunidade internacional sobre a democracia no Brasil e os reflexos disso podem se estender, a médio e longo prazo, também no cenário econômico. “Investidores internacionais já estão voltando seus olhares para a Argentina". Para ele, países com uma ideologia mais voltada à direita veem o Brasil como uma democracia questionável e, para investidores externos, há uma desconfiança e insegurança jurídica.

Já o advogado e especialista em relações internacionais Manuel Furriela afirma que a decisão de Moraes não tem potencial para afetar diretamente a imagem da democracia brasileira, mas levanta questionamentos sobre decisões judiciais.

Furriela opina que a plataforma X não tem cumprido decisões judiciais, não possui representante legal no Brasil e isso pode justificar as medidas de Moraes. “Mas algumas decisões são questionáveis, como a inclusão da Starlink no processo, mas a decisão de bloquear a plataforma não afeta diretamente a imagem da democracia”, avalia.

Maduro não reconheceu derrota eleitoral e mandou prender líder opositor

O Ministério Público da Venezuela, dominado pelo chavismo, determinou na última segunda-feira a prisão do ex-candidato da oposição Edmundo González opor usurpação de funções, falsificação de documentos públicos, instigação à desobediência às leis, conspiração, sabotagem a danos de sistemas e associação criminosa.

A oposição venezuelana diz que essas acusações foram fabricadas depois que Maduro perdeu nas urnas as eleições de 28 de julho. Para embasar sua afirmação, os opositores apresentaram atas de votação que mostram uma larga vitória de González. Mas a autoridade eleitoral decidiu declarar Maduro como vencedor sem apresentar as atas em poder do governo para comparação. Maduro disse posteriormente que só entregaria seu cargo para outro chavista.

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Na noite de terça-feira (3), o Ministério das Relações Exteriores do Brasil emitiu uma nota conjunta com o governo da Colômbia em que manifestou preocupação com a ordem de “apreensão” emitida pela Justiça venezuelana contra González na segunda-feira (2). “Esta medida judicial afeta gravemente os compromissos assumidos pelo governo venezuelano no âmbito dos Acordos de Barbados, em que governo e oposição reafirmaram seu compromisso com o fortalecimento da democracia e a promoção de uma cultura de tolerância e convivência. Além disso, dificulta a busca por uma solução pacífica baseada no diálogo entre as principais forças políticas venezuelanas”, conclui o documento.

No entanto, a nota não foi acompanhada de declarações ou manifestações públicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aliado de Maduro. Nesta semana, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, declarou à Agência Reuters que não há dúvidas sobre o autoritarismo e a tentativa de intimidação do governo venezuelano, e que a prisão de Gonzalez é de natureza política. Amorim, no entanto, avaliou que o Brasil ainda tem esperança em uma solução por meio do diálogo.

O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard, Vítelio Brustolin, considera que Nicolás Maduro e o governo Lula relativizam a democracia. Ele cita como exemplo a visita de Maduro ao Brasil em 2023, quando Lula disse que a ditadura na Venezuela é só uma narrativa. “As declarações da diplomacia presidencial brasileira foram no sentido de acreditar em um ditador já denunciado por organismos internacionais e que vem sendo autoritário desde 2014”, lembra o professor.

Brustolin também mencionou uma articulação da Organização dos Estados Americanos (OEA) na qual eram necessários 18 votos para uma investigação internacional sobre as eleições na Venezuela, mas apenas 17 foram alcançados, com o Brasil se abstendo. “O que se fala [pelo governo brasileiro] e o que se faz são posicionamentos diferentes. Críticas às sanções são comuns, mas foi através de sanções que o apartheid na África do Sul foi derrubado. A Venezuela tem aliados fortes em ditaduras pelo mundo, e estamos em um contexto de uma segunda Guerra Fria. Nosso vizinho, a Venezuela, com quem o Brasil compartilha 2,2 mil km de fronteira seca, faz parte deste contexto político.”

O professor ressalta que a nota emitida pelo Brasil como líder regional sobre a prisão do ex-candidato opositor na Venezuela foi menos crítica do que a de outros países ou blocos econômicos. “Claramente a liderança do Brasil não é reconhecida.” Como exemplo, Brustolin lembra a visita de Lula ao Chile em julho, quando, após sua saída, o presidente chileno Gabriel Boric destacou que há diferença entre ideologia e respeito aos direitos humanos e às instituições.

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Políticos criticam postura de Lula e lamentam por imagem negativa à democracia brasileira

A ordem de prisão contra González e a não manifestação do governo brasileiro sobre o tema também provocaram reações no meio político nacional. A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) disse que o “ditador Nicolás Maduro, amigo de Lula, segue perseguindo a oposição de forma implacável”.

O deputado Sargento Gonçalves (PL-RN) criticou a censura imposta ao X e seus efeitos na percepção internacional do Brasil. “A decisão de bloquear uma plataforma de redes sociais como o X coloca o Brasil ao lado de países conhecidos por práticas antidemocráticas, como Irã e Coreia do Norte. Isso é um retrocesso inaceitável. Se o governo quer ser respeitado internacionalmente como uma democracia, precisa garantir a liberdade de expressão e não apoiar censuras ou regimes opressores", disse à Gazeta do Povo.

A incoerência nas atitudes do governo e suas consequências para a diplomacia brasileira foram ressaltadas pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE). “O governo Lula precisa entender que o mundo está observando. Apoiar uma ditadura como a de Maduro e, ao mesmo tempo, praticar censura no Brasil é um convite ao descrédito internacional. Estamos vendo cada vez mais questionamentos sobre a qualidade da nossa democracia. O Brasil precisa de um posicionamento firme em favor da liberdade, tanto internamente quanto em sua política externa.”

A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) destacou o risco de o Brasil ser visto como uma nação que despreza os valores democráticos. “Não podemos aceitar que o Brasil seja associado a práticas autoritárias, seja por apoio a ditaduras ou por medidas de censura. O mundo está atento e cobrando coerência. Precisamos proteger nossa imagem de nação democrática e respeitadora dos direitos humanos e das liberdades civis. Qualquer ato ao contrário afetará a nossa economia e a nossa Soberania", disse à reportagem.

O deputado federal Nicolas Ferreira (PL-MG) escreveu nas suas redes sociais sobre Lula: “quem defende um ditador como Nicolás Maduro jamais pode se considerar um defensor da democracia”.

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A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) disse que “Lula impõe mais uma vergonha internacional ao Brasil”. Ela lembra que, enquanto países democráticos repudiaram a ordem de prisão contra Edmundo González, o Itamaraty “de Lula, amigo do ditador”, se une à Colômbia para, segundo ela, fingir preocupação. “O que, na prática, ajuda o regime de Maduro”.

O senador Sergio Moro (União-PR) argumentou que Maduro perdeu as eleições na Venezuela e a única forma de se manter no poder é impondo o terror para a população, que sabe da fraude. “Maduro não apresentou as atas da eleição e esse último ato, o mandado de prisão contra o Gonzalez, que ganhou as eleições, faz parte dessa série de terror”.

Para o senador, o Brasil deveria se posicionar veementemente contra o que chamou de “golpe de Estado e opressão”. “A última vez que indaguei o embaixador Celso Amorim a respeito, o que se percebeu foi uma certa negligência do governo brasileiro em até visitar opositores políticos e parte da população presa que, segundo o próprio governo da Venezuela, já seriam mais de duas mil pessoas”.

Segundo Moro, esse número de presos pode ser inferior ao anunciado pela oposição, mas revela que se trata não apenas de uma ditadura, mas de um regime de terror. “Registro aqui meu veemente repúdio a esse tirano de Caracas”, reforçou.

O Brasil não pode mais se omitir sobre autoritarismo na Venezuela, diz especialista

O silêncio do presidente Lula preocupa e precisa ser rompido, avalia Manuel Furriela, professor de Relações Internacionais e advogado. “Até o ano passado, a relação era de tom muito cortês com o ditador Nicolás Maduro, que foi recebido no Brasil com mais pompa do que outros chefes de Estado presentes na mesma reunião. O Brasil deveria ter sido crítico quanto à atuação ditatorial e autoritária de Maduro, especialmente com a determinação de prisão de pessoas críticas ao governo. Sete milhões de pessoas deixaram a Venezuela devido à falta de condições de vida, e o governo brasileiro deveria ter sido mais crítico”, reforça Furriela.

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Para ele, o Brasil deve abandonar a posição de não criticar e começar a se posicionar de maneira firme. “O Brasil, como potência regional, precisa tomar decisões sólidas nacionalmente para evitar perda de prestígio. A inércia pode fazer com que o país perca sua importância no cenário internacional”, opinou.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]