Integrantes da cúpula do PT avaliam que o partido está desgastado junto à classe média e defendem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faça acenos para esta fatia do eleitorado ainda no primeiro semestre deste ano, já pensando nos reflexos que isso pode ter sobre a avaliação do governo no primeiro ano da nova administração.
Contudo, o histórico das gestões petistas e declarações feitas por Lula no passado jogam contra essa estratégia e somam-se a medidas adotadas recentemente que tendem a gerar insatisfação do segmento, como a volta da cobrança de tributos federais na gasolina e no etanol.
Para tentar amenizar essa insatisfação, técnicos do Planalto já trabalham em um pacote de medidas voltadas à classe média, que Lula pretende apresentar ao longo das próximas semanas. Além da ampliação das faixas de isenção do imposto de renda, o presidente quer criar uma linha específica de financiamento do Minha Casa, Minha Vida, um programa para os endividados e a ampliação do Programa Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Pronampe).
Pelo critério monetário, a classe média é a classe C, que está na média da renda da população brasileira. Em geral, é uma parcela da população que depende quase exclusivamente da renda do trabalho, seja ele formal ou informal.
De acordo com a Tendências Consultoria, por exemplo, a classe média tem renda mensal domiciliar entre R$ 2,9 mil e R$ 7,1 mil. Nas contas do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/FGV), a classe C tem renda no domicílio entre R$ 2.284 e R$ 9.847 por mês. Nos cálculos do governo, o pacote deve beneficiar aqueles que ganham salários de até R$ 10 mil por mês.
Lula muda discurso e diz que classe média está "órfã" do governo
O primeiro aceno de Lula nesse movimento ocorreu ainda em 16 de fevereiro, quando ele disse que as famílias de classe média acabam não sendo contempladas pelas políticas públicas e, por isso, estão "órfãs" do governo.
"Também vamos tratar de atender à classe média. É preciso que a gente atenda à classe média porque, no fundo, é a classe média que não é contemplada em quase nada das políticas públicas do governo. Temos que cuidar das pessoas da classe média, porque são elas que sustentam a economia desse país", disse o presidente.
Mas as declarações recentes marcam uma mudança no posicionamento do petista. No ano passado, Lula chegou a afirmar que a classe média "ostentava um padrão acima do necessário".
"Nós temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que nenhum lugar do mundo a classe média ostenta. Nós temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que não tem na Europa, que não tem em muitos lugares. Aqui na América Latina, a chamada classe média ostenta muito um padrão de vida acima do necessário", afirmou Lula durante a pré-campanha.
Reservadamente, membros do PT apontam as manifestações que contribuíram para que o Congresso aprovar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e a ligação de parte do segmento com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como indicativos para esse distanciamento da classe média com relação à legenda.
Fim da desoneração da gasolina e do etanol
Em sentido contrário às medidas para tentar aproximar o governo da classe média, o fim da desoneração dos combustíveis, anunciado em 28 de fevereiro, vai pressionar a administração federal, terá um custo político para Lula e também pode elevar a inflação.
O presidente decidiu que não irá prorroga mais uma vez a desoneração da gasolina e do etanol, e a cobrança do Pis, Cofins e Cide Combustíveis desses itens já foi retomada nesta quarta (1º). A decisão dividiu o PT.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sempre defendeu a volta dos tributos para elevação da arrecadação. No pacote de ajuste fiscal anunciado em janeiro, ele incluiu o fim da desoneração a partir de março como medida responsável por garantir R$ 28,88 bilhões em receita até o fim do ano.
Já a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, declarou não ser contra a taxação de combustíveis, mas disse que acabar com a isenção neste momento seria “penalizar o consumidor, gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha”. Após a decisão de Lula, porém, ela voltou seus ataques à política de preços e de distribuição de dividendos da Petrobras.
Ampliação da isenção do imposto de renda não vai afetar classe média alta
Recentemente, o governo ampliou a isenção do imposto de renda para os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos. A atualização deve atingir cerca de 13,7 milhões de pessoas que ganham até R$ 2.640. O valor da isenção, no entanto, ficou abaixo da promessa de campanha de Lula, que era de isentar do tributo quem ganha até R$ 5 mil.
Além disso, a medida não se trata de uma atualização completa da tabela progressiva de imposto de renda – aquela que determina as alíquotas de IR incidentes sobre rendimentos como salários, aluguéis recebidos, pensões e aposentadorias. A medida anunciada por Lula provocou apenas uma elevação da faixa de isenção de imposto de renda, que vai subir dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2.112.
Com isso, o piso da primeira faixa de tributação, sujeita à alíquota de 7,5%, também aumentará, para R$ 2.112,01. O governo pretende ainda que todos os contribuintes tenham direito a uma dedução mensal simplificada de R$ 528, que na prática tornará isentos de IR todos os contribuintes que ganham até R$ 2.640 por mês. Os demais valores permanecem os mesmos.
Integrantes do governo já admitem que uma atualização completa do IR só será possível após a aprovação de reformas como a tributária e nova âncora fiscal, que vai substituir o teto de gastos. Em janeiro, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que o governo vai observar a responsabilidade fiscal para implementar a promessa de elevar a faixa de isenção para R$ 5 mil, e indicou que será um processo gradual.
Líderes governistas admitem que a mudança anunciada sobre o imposto de renda ainda não é o ideal para atrair boa parte da classe média alta. Contudo, acreditam que é um aceno das intenções do governo com o segmento para os próximos anos.
"É preciso que a gente atenda a classe média, porque no fundo, no fundo, é a classe média que não é contemplada em quase nada das políticas públicas do Estado. Porque como ela ganha R$ 8 mil, R$ 9, R$ 10 mil reais, ou seja, não tem casa popular para eles, não querem morar numa casa de 40 metros quadrados", declarou Lula no Palácio do Planalto.
Minha Casa Minha Vida vai permitir financiamento de imóveis usados
Paralelamente, o governo Lula criou a possibilidade de financiamento de imóveis usados na nova versão do Minha Casa Minha Vida. Nos governos anteriores, os programas habitacionais eram restritos à construção de novas unidades.
Técnicos do governo acreditam que a medida vai atingir integrantes da classe média que antes não se interessavam pelos conjuntos habitacionais do governo. As regras serão definidas pelo Ministério das Cidades e a expectativa é de que elas permitam a compra de imóveis usados para famílias de renda média, entre R$ 2.640 e R$ 8 mil.
Para atrair esse público, os financiamentos de imóveis por meio do Minha Casa Minha Vida serão subsidiados com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com isso, as taxas de juros serão menores que as praticadas no mercado.
O subsídio do FGTS para esse segmento vai variar de acordo com a renda, a composição familiar e a localidade do imóvel, podendo chegar a R$ 47,5 mil no Rio, São Paulo e em Brasília. A taxa de juros do programa para quem tem capacidade de tomar financiamento varia entre 4,25% e 8,66% ao ano. O prazo de pagamento será de até 35 anos.
Programa de renegociação de dívidas também faz parte do esforço
O governo também vai aproveitar para lançar oficialmente o programa de renegociação de dívidas "Desenrola". Os detalhes estão sendo desenhados pelo Ministério da Fazenda e a expectativa do governo é renegociar as dívidas dos mais pobres e de integrantes da classe média. O pacote de Lula inclui também o reforço do Pronampe para oferecer crédito aos micros e pequenos empresários.
"Estamos colocando um programa que vai cuidar dos endividados, o Desenrola Brasil, que vai cuidar de quem está na situação de endividamento, e o programa de apoio às micro e pequena empresa [Pronampe], em fase inicial, com créditos e taxas adequados e com isso estimular o empreendedorismo", explicou o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias.
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