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Lula e Fernández - Brasil - Argentina - Unasul - Mercosul - PT
Lula e Alberto Fernández durante visita do presidente argentino ao Brasil| Foto: André Borges/EFE

Em uma tentativa de fortalecer o organismo intergovernamental União das Nações Sul-Americanas (Unasul), que adota um caráter esquerdista desde sua concepção em 2008, o Brasil reuniu os países sul-americanos em Brasília nesta semana. O encontro aconteceu logo após a vitória de Javier Milei, libertário eleito para a presidência da Argentina, e contou com ministros das Relações Exteriores e da Defesa dos 12 países da região. Segundo analistas, a reunião foi uma tentativa de dar ânimo à Unasul após Milei fazer críticas aos blocos de integração regional.

Chamado de Reunião Sul-Americana de Diálogo entre Ministros da Defesa e das Relações Exteriores, o evento ocorreu na quarta-feira (22), no Palácio do Itamaraty, e contou com uma série de reuniões entre as autoridades presentes. À imprensa, os ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, defenderam a união sul-americana. “Foi unânime, após o encontro de hoje, o consenso sobre a necessidade de integração da América do Sul”, disse Vieira.

Apesar de não ter citado Milei, as declarações podem ser interpretadas como uma "recado" para o presidente eleito. Isso porque a "integração" de países não é uma ideia que agrada ao argentino. Durante sua campanha eleitoral, o libertário fez diversas críticas a blocos regionais, principalmente aos que possuem cargas ideológicas, como a Unasul. Ele também já afirmou que não pretende manter relações com Lula ou outros presidentes de esquerda — o que pode resultar na saída do país de organizações sul-americanas.

Para especialistas, o governo brasileiro teme o afastamento de Buenos Aires das discussões internacionais, já que o país sempre foi um grande aliado do Brasil. Contudo, opositores de Milei vêm afirmando equivocadamente que ele iria romper relações comerciais com países como o Brasil. O presidente eleito da Argentina defende que as relações comerciais entre os países têm que acontecer entre entidades privadas e os respectivos governos dos países não devem se intrometer.

Contando com a presença de representantes argentinos do último governo, Vieira e Múcio negaram que a eleição de Milei havia sido abordada no encontro da última quarta. Por outro lado, afirmaram que esperam que o novo governo possa estar presente em encontros como esse e que é preciso ter "paciência" e aguardar as decisões do futuro presidente da Argentina.

O evento da última quarta foi ainda um resquício do último encontro do grupo – que também ocorreu em Brasília, no último dia 30 de maio. "Essa foi a primeira reunião sul-americana de diálogo entre ministros da Defesa e das Relações Exteriores. O encontro de hoje é resultado do Consenso de Brasília, o documento que foi aprovado pelos presidentes da América do Sul na reunião na cúpula realizada no dia 30 de maio, por iniciativa do presidente Lula", informou Vieira.

Tentativa frustrada de reativar a Unasul

Em maio deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) organizou uma cúpula com os presidentes dos 12 países da América do Sul. O encontro sucedeu algumas declarações do petista sobre o desejo de "reativar" a Unasul. A organização, que surgiu durante os primeiros mandatos de Lula como presidente, é apontada como um bloco que nasceu com uma vertente ideológica e em um momento onde todos os países da América do Sul eram presididos por líderes de esquerda.

Fundada em 2008, a Unasul tem figuras como Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez (Venezuela) e o próprio Lula entre seus membros-fundadores. Por anos, os integrantes do órgão o utilizaram para discutir o uso de recursos e mecanismos para aumentar o realinhamento social, econômico e político das nações que o integravam com um viés predominante de esquerda.

Após a mudança no cenário político da região, alguns países optaram por deixar o bloco. Seu declínio teve início em 2016, quando Michel Temer (MDB) assumiu a presidência do Brasil. À mesma época outros países guinavam para a direita: Maurício Macri foi eleito na Argentina, Pedro Pablo Kuczynskin, no Peru, e Sebastian Piñera se candidatava para ser eleito no Chile em 2018. Ao mesmo tempo, o Partido Colorado, de viés conservador, chegava ao poder no Paraguai.

A saída do Brasil foi chancelada em 2019, sobre a presidência de Jair Bolsonaro (PL). Quando assumiu o Executivo brasileiro neste ano, Lula aprovou a reintegração do país à Unasul. O contexto na região, contudo, já não era o mesmo. Apesar disso, o petista reuniu todos os presidentes da América do Sul em Brasília com a intenção de reativar o fórum.

Após um dia de reuniões no Itamaraty e no Palácio do Planalto, a tentativa de Lula não foi bem sucedida. O petista recebeu o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e tentou aliviar a imagem dele, relativizando os crimes políticos ocorridos na Venezuela. O brasileiro chegou a dizer que o ditador era vítima de uma "narrativa de antidemocracia e autoritarismo".

A afirmação rendeu críticas por parte do presidente de direita do Uruguai, Luís Lacalle Pou, e também de outros esquerdistas, como o presidente do Chile, Gabriel Boric, e o da Argentina, Alberto Fernández. Pou também criticou a criação de blocos regionais e a reativação da Unasul: “Precisamos parar com essa tendência de criar instituições. Basta de instituições, vamos à ação”.

A divergência entre as nações e o apoio de Lula a Maduro não permitiram que a Unasul fosse restabelecida naquela ocasião. Os países, contudo, concordaram em assinar o "Consenso de Brasília". O documento elaborado na reunião aponta os assuntos nos quais os países convergiram e prevê encontros anuais entre os ministros das nações (como o ocorrido na última quarta). O tratado, contudo, sequer menciona a Unasul. Isso porque a inclusão do órgão foi vetada pelos presidentes do Chile, Uruguai e Paraguai.

Apesar do discurso de integração, eleição de Milei já causou atritos na América do Sul

Ainda que o Brasil discurse sobre a necessidade de integração sul-americana, os eventos dos últimos meses demonstraram que não há consenso entre os países. A rachadura ficou em evidência na cúpula organizada por Lula em maio e se tornou ainda mais evidente após a eleição de Javier Milei na Argentina.

Enquanto o Brasil prevê uma relação pragmática com a Argentina após as críticas de Milei a Lula, outros presidentes não se contiveram ao disparar críticas ao libertário. O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, chegou a chamar Milei de "neonazista" e lamentou sua eleição na Argentina. "Ontem houve eleições presidenciais e, como já previam as pesquisas, a extrema-direita neonazista venceu na Argentina. É uma extrema-direita que vem com um projeto colonial para a Argentina", disse Maduro.

"Respeitamos o voto do povo argentino. Eles queriam se dar esse governo, um projeto colonial, mas é uma tremenda ameaça ajoelhar-se perante o império norte-americano, que pretende acabar com o Estado e estabelecer no continente o projeto ultra-neoliberal que se impôs nos anos 70 com os golpes de [Augusto] Pinochet (Chile), de [Jorge Rafael] Videla (Argentina), com o golpe de Estado do Uruguai", continuou.

Gustavo Petro, da Colômbia, disse que a vitória de Milei era "triste para a América Latina". "A extrema-direita venceu na Argentina. É a decisão da sua sociedade. Triste para a América Latina e veremos... o neoliberalismo não tem mais propostas para a sociedade, não pode responder aos problemas atuais da humanidade", escreveu em seu perfil no X, antigo Twitter.

Milei dá ânimos para direita na América do Sul

Com Milei na Argentina, a América do Sul passa a ter quatro presidentes de direita, no Uruguai, no Paraguai e no Equador; e nove de esquerda: no Brasil, na Bolívia, no Chile, no Peru, na Colômbia, na Venezuela, na Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Além de Milei, Daniel Noboa também foi eleito no Equador neste ano, e eles representam um freamento do avanço da esquerda na América do Sul.

Enquanto mandatários de esquerda lamentaram a vitória de Milei, candidatos de direita parabenizaram o libertário e falaram em expandir o relacionamento com o argentino. Sem o apoio ideológico de seu maior aliado na América do Sul - a Argentina está sob o poder do peronismo -, Lula deve ainda perder espaço na região.

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