Após as eleições municipais, o espectro político da direita tem o desafio de manter uma coesão de forças que seja capaz de derrotar a esquerda - e especificamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - nas eleições presidenciais de 2026.
Mas esse objetivo passa por uma série de percalços a serem enfrentados. Alguns deles são a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), as barreiras jurídicas e políticas que dificultam a aprovação da anistia para réus de 8 de janeiro de 2023, e frustrações nas urnas de alguns aliados do ex-mandatário reveladas no domingo (27).
Em sua meta de retomar o comando do país, a direita tem Bolsonaro como o nome mais emblemático, ao mesmo tempo em que assiste ao avanço do movimento conservador que quer se mostrar independente da figura dele, favorecendo a liderança de governadores direitistas e o surgimento de novos possíveis presidenciáveis.
O ex-presidente comentou essa situação, nesta terça-feira (29), em visita ao Senado e afirmou que tentativas anteriores de construir uma "direita sem Bolsonaro" falharam e são "uma utopia". Além disso, ele questionou a capacidade dessas tentativas de mobilizar apoio popular, afirmou que elas não conseguem se conectar com a população e criticou seus autores por tentarem ganhar visibilidade por meio de "likes" e "lacrações".
Conseguindo ou não reverter a inelegibilidade de Bolsonaro até a eleição presidencial de 2026, a agenda que se impõe aos partidos de direita, como o PL, e de centro-direita, como o PP, Republicanos e União Brasil, é construir uma convergência capaz de reproduzir no cenário nacional a ampla maioria de votos conquistada no pleito municipal.
Neste cenário, do outro lado do espectro político, a esquerda e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afetados pelo fraco desempenho eleitoral, são impelidos a ampliar acordos pragmáticos com legendas centristas, enquanto torcem por um racha na direita que seja capaz de prejudicar a caminhada dela rumo ao possível retorno ao Palácio do Planalto.
Com fortalecimento da direita e aceno ao centro, PL ajusta seus planos para 2026
Para analistas e políticos consultados pela Gazeta do Povo, a tentativa de Bolsonaro de se manter como o líder inconteste da direita já encontra obstáculos. Em paralelo, contudo, há a esperança de articulação racional no campo conservador, com vistas ao objetivo comum: derrotar Lula em 2026.
A avaliação do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sobre resultados das eleições municipais, com avanço da direita, esquerda isolada e domínio do centro, indica a busca por melhor compreensão de todo o cenário político de modo a fazer escolhas que fortaleçam o partido de Bolsonaro para 2026.
Costa Neto reiterou que causas conservadoras diferenciam o PL de legendas do centro, mas também fez acenos a esse grupo. Numa série recente de entrevistas, ele procurou mostrar a direita como plural, competitiva e encabeçada por Bolsonaro. Mas frisou o desafio de fazer acertos dentro do partido e com outras forças políticas.
O imperativo de lidar com o novo tamanho do PL e o jogo político tradicional levaram Costa Neto a ventilar alianças com o Centrão, chegando a dizer que o PL “não tem hoje votos suficientes para derrotar Lula”. Nessa fala - que surpreendeu filiados - ele reiterou a missão necessária de ampliar o eleitorado.
Projeto de anistia que poderia ajudar candidatura de Bolsonaro sofre revés
A perspectiva de Bolsonaro reconquistar direitos políticos pela via legislativa foi confrontada nesta terça-feira (29) quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), transferiu o projeto da anistia aos réus de 8 de janeiro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) - na qual a aprovação era dada como certa - para uma futura comissão especial.
A medida atrasa a tramitação e reinicia o projeto, com cada partido tendo de indicar ao colegiado 34 membros titulares e 34 suplentes. Ela ocorre em meio às articulações pela presidência da Câmara, na qual Costa Neto condicionava o apoio do PL a quem apoiasse a anistia, incluindo Bolsonaro na proposta.
O PL quer Bolsonaro como principal aposta para a Presidência enquanto for viável para reforçar unidade interna, valorizar sua influência sobre outros presidenciáveis e apoiá-lo em disputas jurídicas. “A direita não tem dono, mas líderes. E o maior deles é Bolsonaro”, disse o senador Rogério Marinho (PL-RN), secretário-geral do partido e líder da oposição na Casa Legislativa.
As dificuldades nesse campo tornam ainda mais estratégica para a direita a eleição de dois terços dos senadores em 2026, com o objetivo de compor uma maioria no Senado, capaz de viabilizar o combate ao ativismo judicial e processos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a partir do ano seguinte.
Direita e esquerda terão de negociar com o centro, dizem especialistas
Para o professor de Ciência Política Antônio Flávio Testa, a tendência de uma polarização nacional entre esquerda e direita continua, mas com ambos os lados buscando desde já forjar alianças com partidos centristas, como PSD, PP, União Brasil e MDB, que cresceram em 2024, para assegurar a vitória.
Leandro Gabiati, professor de Ciência Política do Ibmec-DF, vê impactos das eleições de 2024 na disputa presidencial, mas ressalta uma forte diferença entre os pleitos. “Apesar do sucesso do centro, o cenário presidencial requer nomes competitivos. Não vejo um centrista capaz de desafiar a polarização entre esquerda e direita”, avalia, citando o prefeito reeleito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), como caso de articulação bem-sucedida.
Gabiati especula se, em 2025, um candidato com perfil similar poderá surgir e enfraquecer a polarização ideológica, papel que caberia ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). “Caso contrário, a eleição presidencial seguirá polarizada, talvez atenuada por apoios de centro”.
O cientista político Leonardo Barreto, da Think Policy, avalia por sua vez que Lula já busca apoio da centro-direita para tocar o restante do mandato, indicando mais espaços para o Centrão e a possível troca de Geraldo Alckmin (PSB) como vice-presidente na chapa de 2026 por alguém desse grupo.
Caiado reafirma intenção de ser candidato da direita à Presidência em 2026
Bolsonaro mostrou, sobretudo no segundo turno, sinais de disputa velada por prestígio com governadores de direita que também são vistos como presidenciáveis, como Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Ratinho Júnior (PSD-PR) e até mesmo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), em razão de apostas contrárias ou repentinas mudanças no alvo ou na intensidade de seus candidatos apoiados.
Caiado reafirmou a intenção de concorrer à Presidência, após festejar a vitória do aliado Sandro Mabel na disputa pela Prefeitura de Goiânia, batendo o candidato apoiado por Bolsonaro. Ele chamou a postura do ex-presidente de “desrespeitosa”.
O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), também sugere autonomia crescente do campo conservador em relação a Bolsonaro ao criticar a falta de apoio à reeleição da prefeita Adriana Lopes (PP) em Campo Grande (MS). O PP também obteve vitória sobre o PL com Cícero Lucena em João Pessoa (PB).
Ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, responsável pela coordenação política dele, Nogueira tem dito esperar que Bolsonaro se torne elegível para disputar a presidência em 2026. Mas ele também considera a senadora Tereza Cristina (PP-MS) como alternativa viável em caso contrário.
Na semana passada, durante um evento de apoio ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo, Bolsonaro foi questionado por jornalistas sobre quem seria o principal candidato da direita nas próximas eleições nacionais: ele próprio ou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). “O nome é Messias”, respondeu, fazendo referência ao seu nome do meio.
Em seguida, comentou: “Quem é o substituto do Lula na política? Não tem. E do Bolsonaro? Tem um montão por aí. Colaborei para formar lideranças e estou muito feliz com isso.”
Balanço das eleições mostra forte impulso do PL, mas com fôlego limitado
No balanço final das eleições municipais, o PL assegurou o comando de quatro capitais, empatado com o União Brasil. Ambos ficaram atrás de PSD e MDB, que conquistaram cinco cada. O PSD confirmou ainda a sua força ao eleger 887 prefeitos, liderando entre os nove partidos mais bem colocados.
Em segundo lugar, o MDB manteve a tradição de influência regional, elegendo 853. O PP aparece em seguida, com 747, reforçando a sua presença no interior do país. O União Brasil, com 583 prefeituras conquistadas, assegurou a quarta posição. Na sequência, o PL garantiu 516.
Para Marcus Deois, diretor da consultoria política Ética, a análise criteriosa dos resultados das eleições municipais mostra que o PL consolidou base relevante para o projeto nacional em 2026, elegendo mais de 500 prefeitos que governarão 26 milhões de pessoas e um orçamento de R$ 160 bilhões.
“Apesar das derrotas em grandes disputas de segundo turno, que acabam sendo creditadas a Bolsonaro, o fato é que o partido conquistou prefeituras em 16 cidades com mais de 200 mil habitantes. É significativo”, avaliou.
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